Ajustamento
Não é possível dizer que uma crise como a que vivemos pode ter tido um lado positivo. Apesar das melhorias a que assistimos, os números são ainda doentios - taxa de desemprego nos 13,6% em janeiro, crescimento anémico (0,7%) - e todos conhecemos histórias de vida dramáticas: pessoas sem dinheiro para as necessidades mais básicas, famílias inteiras dependentes de caridade, empresas que não conseguem escapar ao colapso. Mas há uma lição que inegavelmente aprendemos nestes quatro anos de austeridade: a cautela. Não é apertar o cinto quando emagrece o rendimento. É comprá-lo de bom tamanho, ajustá-lo ao corpo em vez de o manter largo e laço de preocupações. Dois terços dos consumidores portugueses assumem que mudaram de hábitos. Deixaram de comprar por impulso - pensam antes se vale a pena, se é preciso, e aproveitam as promoções. Vão menos ao cinema ou aproveitam os dias em que é mais barato. Reduziram as idas a restaurantes - levam marmita para o trabalho e deixam as refeições fora para momentos em que estão com a família e os amigos. Já não por necessidade - muitos admitem que estão a viver melhor - mas porque não são iguais ao que eram antes da crise. Aprenderam a contenção e a poupança. Tornaram-se cautelosos. E as lojas, os supermercados, os restaurantes tiveram de se adaptar a este novo consumidor responsável - acabando por recompensar-lhes o esforço. O que baixaram nos preços quando ninguém podia comprar não tornaram a subir, as promoções e os descontos vieram para ficar. Dos novos hábitos nasceram também novos negócios. As marmitas viraram moda, o carsharing forma de vida, a reciclagem obrigatória. E com isto voltaram à vida os sapateiros, as costureiras, os carpinteiros. Se as famílias foram capazes de fazer esta mudança, não há justificação possível para que o Estado não a faça também. Até porque não será aceitável - nem será suportável - que tenhamos de passar por este castigo outra vez.