10 de Junho
Reconheça-se que a democracia fez o que pôde para retocar a imagem deste feriado incómodo para os poucos que lhe conhecem a história. Entre medalhas diversas e homenagens às Forças Armadas pela sua participação em missões de paz, o novo 10 de Junho melhorou, extirpando algumas nostalgias autoritárias que lhe aparecem nas margens.
Para os portugueses mais velhos, a imagem do 10 de Junho era a do almirante Américo Tomás e dos altos dignitários do Estado Novo a condecorarem os militares e suas famílias durante a Guerra Colonial. Já pouco se lembram do "Dia da Raça" e de Camões com marchas populares e outras iguarias folclóricas organizadas pelo Se-cretariado de Propaganda Nacional de António Ferro, símbolo de um esforço de "nacionalização" da sociedade portuguesa. Para não falar das suas origens nas manifestações patrióticas de finais de século XIX, que os republicanos tentaram enraizar na cidadania.
Os países europeus estão cheios destes feriados, alguns de passado bem mais incómodo, pois estes "Estados-Nações" já passaram por períodos de delírio nacionalista e de exclusão dos outros, que agora, felizmente, desdenhosamente vêem de longe pela televisão, mesmo que às vezes eles estejam bem perto, como na antiga Jugoslávia. Mas os portugueses, por acasos da História, têm um nacionalismo tranquilo, não tendo sofrido muito com o fim do império, em termos da sua identidade colectiva, nem achando que a União Europeia lhe ia destruir a mesma.
Reconheçamos que a rapidez da descolonização e o facto de ela ter sido realizada no meio de uma conturbada transição para a democracia ajudaram a quebrar a nostalgia de algumas elites e os dramas dos que sofreram com ela. Por outro lado, a Europa, enquanto novo destino nacional no final dos anos 70, também funcionou com grande eficácia. Aliás, até muito para além deste período: nos últimos 20 anos, o número de portugueses que consideram que a integração de Portugal na UE foi uma "coisa boa" esteve sempre acima da média europeia.
A substituição do império tardio dos anos 60 pelas "comunidades", nas celebrações do 10 de Junho, foi a adaptação possível, mas à medida que a "raça" vai coabitando com os herdeiros desse império na antiga metrópole, mais os que se lhe juntaram nos últimos anos, talvez fosse também de os introduzir nas celebrações.