Violência na recruta. O que diz o Exército
O Exército instaurou processos disciplinares a três militares envolvidos nas agressões à militar em formação no Regimento de Apoio Militar de Emergência (RAME), incluindo a própria queixosa.
"De acordo com o que foi apurado pelo Exército até ao momento, tratou-se de um desentendimento entre duas militares em formação no RAME, com alegadas agressões físicas e verbais, ocorrido entre os dias 28 e 29 de novembro, envolvendo uma Soldado-graduado, do 8. º Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército 2022, e uma Soldado-graduado do 7.º Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército", declara fonte oficial do gabinete do Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), tenente-general Nunes da Fonseca.
Acrescenta que em 2022, "no âmbito dos Cursos de Formação Geral Comum de Praças do Exército foram instaurados seis Processos de Averiguações, que resultaram em três Processos Disciplinares", que serão os do RAME. Em 2021 foi instaurado no mesmo âmbito, um processo de averiguações que resultou num processo disciplinar.
De acordo com oo Exército, "os pais da Soldado-graduado do 8. º Curso, em deslocação ao RAME no dia 30 de novembro para assistir à cerimónia de Juramento de Bandeira, reportaram os acontecimentos e foram recebidos pelo Coronel Comandante do Regimento". Os pais da militar confirmaram esta iniciativa ao DN.
A mesma fonte oficial sublinha que, "não obstante tratar-se de uma ocorrência não diretamente decorrente do serviço ou da ação da hierarquia, o Exército não se alheou dos acontecimentos e adotou as diligências previstas nas suas normas e regulamentos. Foi contatada a Polícia Judiciária Militar e foi imediatamente instaurado um Processo de Averiguações, tendo em vista o apuramento cabal, com rigor e precisão, de todos os factos, com eventual existência de matéria disciplinar militar. De forma a prevenir eventuais contactos adicionais entre as duas Soldados-graduados, a militar do 8. º Curso foi transferida, com a sua concordância, da caserna feminina comum para as instalações femininas da Casa de Sargentos. Os pais da militar foram informados pelo Comandante do RAME que, face à natureza dos factos comunicados, deveria ser também apresentada queixa junto das autoridades policiais".
Acrescenta que, "decorridas as diligências e a audição de testemunhas inerentes ao Processo de Averiguações, foram instaurados três processos disciplinares, nomeadamente à Soldado-graduado do 7.º Curso, à Soldado-graduado do 8. º Curso e a outra militar em diligência no RAME, Oficial em regime de contrato, uma Comandante de Pelotão do 7.º Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército, embora este último processo não esteja diretamente relacionado com o episódio de agressões em causa".
O Exército refere que a 22 de dezembro foi finalizada a fase instrutória dos processos disciplinares e emitidas notificações de acusação, com diferentes teores. "No caso da Soldado-graduado do 7.º Curso, uma vez que esta já não se encontra nas fileiras desde o dia 15 de dezembro, por ter terminado o período da Instrução Complementar com uma nota inferior a 10,00 valores, o que configurou critério de exclusão do Curso, a notificação foi enviada por correio. No caso da Soldado-graduado do 8. º Curso, por se encontrar a frequentar o Curso, a notificação foi-lhe diretamente entregue", informa.
O gabinete de Nunes da Fonseca assinala que "o Exército reafirma a sua total colaboração com as autoridades em tudo o que lhe vier a ser solicitado" e que "sempre que são reportados acontecimentos que configurem eventuais práticas em desrespeito aos deveres militares, procede-se à abertura imediata de um Processo de Averiguações".
São ainda, assegura esta fonte oficial, "rapidamente adotadas medidas no sentido de prevenir e mitigar a continuação dos acontecimentos que levaram à abertura do processo de averiguações. Através da Cadeia de Comando é realizado o acompanhamento próximo dos implicados e são também reforçadas as ações de sensibilização aos restantes militares. É de referir que, em todos os Cursos, são executadas rondas inopinadas pelo pessoal de serviço diário e revistas de rotina às casernas dos militares que se encontram em formação".
Acrescenta ainda: "o Exército que repudia veementemente e considera inaceitável e intolerável quaisquer comportamentos indesejáveis assumidos, quer por militares quer por trabalhadores civis, que afetem de alguma forma a dignidade da pessoa humana, sempre adotou, em permanência de forma abrangente nas suas unidades, estabelecimentos e órgãos, todas as medidas consideradas apropriadas, no sentido de salvaguardar a integridade física e psicológica de todos quantos servem na Instituição Militar, aplicando, quando se justifique, as medidas adequadas para punir e prevenir desvios que colidam com a disciplina e com o respeito pelas normas e regulamentos".
Questionado sobre que medidas preventivas estão em vigor para detetar eventuais más práticas contra recrutas e o que é feito para proteger as vítimas de abusos de poder, responde que elas "são implementadas de forma transversal ao Exército com destaque para a formação específica dedicada à temática, e para as ações desenvolvidas pela Cadeia de Comando".
No âmbito da formação, exemplifica "é realizada uma Escola Preparatória de Quadros (EPQ), destinada aos futuros formadores e responsáveis pelos processos formativos nas Unidades Formadoras e nos Polos de Formação na sua dependência. A EPQ destina-se a harmonizar procedimentos e conceitos, nomeadamente os relativos à segurança e à qualidade da formação, abordando diversas temáticas, onde se incluem as relacionadas com o assédio e igualdade de género".
O gabinete do CEME destaca as seguintes sessões:
- "Abertura da EPQ". Nesta sessão, para além de outros assuntos, são enfatizadas as temáticas relacionadas com a promoção da dignidade humana e da igualdade;
- "Analisar os procedimentos afetos à igualdade de género". Esta sessão tem como finalidade compreender a diferença entre género e sexo, a legislação aplicável e a integração da perspetiva do género ao nível tático;
- "Compreender o papel do formador no processo de aculturação". Nesta sessão, realizada pelo Centro de Psicologia Aplicada do Exército, entre diversas matérias, é abordada a temática da "Relação do Formador-Formando" o que implicitamente aborda os assuntos relacionados com igualdade de género e eventuais abusos;
- Adicionalmente à formação ministrada na EPQ, os instrutores antes do início de cada Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército recebem um brífingue por parte do Comando das suas Unidades de forma a definir quais as diretrizes para a formação em relação a esta matéria. São ainda dadas indicações e orientações internas, a toda a cadeia de Comando responsável pela formação, especificamente, no que se refere à postura e trato que a equipa de instrução deverá ter com os formandos, bem como, são transmitidas ainda orientações complementares, aos restantes militares que prestam serviço na Unidade de formação.
Acresce ainda o "Plano de Ação do Exército para a Integração da Perspetiva de Género", de 07 de janeiro de 2020, que definiu ações a realizar pelo Exército no âmbito da prevenção e combate ao assédio no local de trabalho.
Através do Centro de Psicologia Aplicada do Exército (CPAE), durante o ano de 2020, o Exército diz que "foi elaborado o módulo de formação sobre medidas de prevenção e combate ao assédio no local de trabalho para distribuir por todas as Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do Exército".
Em novembro de 2020, o CPAE ministrou formação sobre o módulo relativo a medidas de prevenção e combate ao assédio no local de trabalho, aos Pontos Focais de Género das várias Unidades, Estabelecimentos e Órgãos, para estes ficarem aptos a ministrarem uma formação anual nas suas Unidades.
"Surgiu assim a necessidade da criação de uma estrutura guarnecida de forma permanente e em regime de exclusividade por elementos dedicados a trabalhar os assuntos do Género e da Igualdade", sublinha a mesma fonte oficial, apontando o "Através de despacho de 07 de maio de 2021 foi aprovado o novo Quadro Orgânico da Direção dos Serviços do Pessoal, o qual contempla o Gabinete da Igualdade e Prevenção ao Assédio (GIPA), criado em sete de maio de 2021, que veio "permitir responder de forma proativa às matérias do âmbito da Igualdade de género e prevenção do assédio".
As principais "tarefas" foram definidas assim:
- A implementação e acompanhamento de todas as estratégias e medidas no âmbito da Integração da Perspetiva de Género no Exército;
- Monitorizar as medidas previstas nos Planos setoriais para a igualdade;
- Monitorizar a acompanhar as denúncias que se possam enquadrar na esfera do assédio, violência sexual e discriminação;
- Prestar informação ou assessoria.
Em junho de 2021, salienta também o ganinete do CEME, foi aprovado o Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no trabalho no Exército.
"Este Código serve de guia para a prevenção e atuação em situações de assédio, violência sexual e discriminação no Exército. No seu conteúdo estão definidos os termos assédio, e as suas formas associadas, assim como a orientação dos procedimentos a seguir aquando da ocorrência de qualquer um destes comportamentos indesejados, salvaguardando o direito à privacidade, sigilo e proteção de dados que possam identificar as alegadas vítimas, denunciantes e testemunhas".
Frisa que no Artigo "Medidas Preventivas", refere que é da responsabilidade do Gabinete da Igualdade e Prevenção de Assédio, da Direção de Serviços de Pessoal do Comando de Pessoal, o seguinte:
- O acompanhamento permanente das situações de assédio no Exército, por forma a identificar os riscos e as situações de assédio e propor a adoção de medidas de prevenção, combate e eliminação das mesmas.
- Fomentar a informação e a formação em matéria de assédio e de gestão de conflitos no Exército.
No âmbito da Diretiva Parcelar da Direção de Serviços de Pessoal 2022-2023, o Gabinete da Igualdade e Prevenção de Assédio é responsável pelo projeto "Promoção de medidas de prevenção e combate ao assédio no local de trabalho", tendo como tarefas:
- Atualização do módulo de formação sobre medidas de prevenção e combate ao assédio no local de trabalho para distribuição por todas as Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do Exército, já executado.
- Criação e implementação de procedimentos internos formais para reporte e análise em casos de discriminação, violência sexual e situações de assédio sexual ou moral. Esta tarefa passa pela realização de uma Norma de Autoridade Técnica com a definição e uniformização de procedimentos e avaliação da necessidade da existência de um canal interno para apresentação de queixa em caso de discriminação em função do género e situações de assédio sexual ou moral.
- Realizar uma campanha de divulgação do Código de Boa Conduta e demais normativos ou documentos internos relacionados, para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, em todas as suas formas. Neste âmbito, o que se pretende é o reforço das ações de formação/sensibilização, através de palestras, de divulgação de informação através do email, criação de um E-learning obrigatório sobre: Código de Conduta, assédio moral e sexual no trabalho.
Quanto aos canais de comunicação em vigor, o Exército sustenta que "a organização atualmente implementada assenta numa "estrutura em rede", suportada no GIPA, como Entidade Primariamente Responsável para os assuntos do Género e a prevenção e combate do Assédio no Exército, na Assessora/o de género do General CEME e em pontos focais de género, os quais são os elementos que promovem a integração da perspetiva do género e a prevenção e combate do Assédio no trabalho diário das Unidades, Estabelecimentos e Órgãos a que pertencem, mantendo a ligação com todos os pontos focais da rede do Exército".
Em resposta aos testetmunhos do DN, segundo os quais não é dada qualquer informação aos recrutas sobre os direitos que têm em caso de serem vítimas de assédio físico ou psicológico e que não terão conhecimento da recém-criada Unidade de Prevenção do Assédio nas Defesa Nacional, o Estado-maior do Exército refere que "atualmente, no programa em vigor, no âmbito da Instrução Básica (que compreende as 05 primeiras semanas do Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército), os formandos recebem palestras sobre:
- "Interpretar os deveres militares" - capítulos I e II do Regulamento de Disciplina Militar que versam sobre as disposições gerais e deveres militares;
- Diferenciar e valorizar os conceitos de liberdade, responsabilidade, valores cívicos, "dever" e "direitos", serviço militar, direitos do Homem e de respeito pelas características dos outros povos e países;
- Elaborar uma reclamação, um recurso, uma queixa e um requerimento;
No caso concreto dos Cursos a decorrer no RAME, informa-se que:
- Ao 7. º Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército, estas sessões foram ministradas, respetivamente em 21, 22 de setembro de 2022 (1.ª Semana de Instrução) e 6 de outubro de 2022 (3.ª Semana de Instrução);
- Ao 8. º Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército, estas sessões foram ministradas, respectivamente em 26, 27 de outubro de 2022 (1.ª Semana de Instrução) e 16 de novembro de 2022 (4.ª Semana de Instrução);
Adicionalmente, compelta ainda, "todas as Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do Exército têm nomeado um militar como Ponto Focal de Género", sendo que as "as ações de divulgação realizadas, a todos os militares e funcionários civis do Exército, através de palestras pelos Pontos Focais de Género visam:
-Abordagem aos meios de participação, queixa ou denúncia, os quais são a Cadeia Hierárquica, o Portal de Denúncias online da PJM, de forma presencial ou por telefone, no piquete da PJM, de forma presencial ou por telefone, na Unidade de Prevenção de Assédio na Defesa Nacional;
- Sensibilização relativamente ao combate ao assédio sexual, salientando a importância de este ser um Crime Público.