Estava prestes a terminar as vindimas nos vários sítios a seu cargo, pelo que o encontro acontece entre a carga da fadiga e o alívio da libertação. Estava feliz com os resultados que estava a ter, confessando: “a vindima de 2024 foi espectacular”. .Aos 51 anos já se tem mais certezas que dúvidas mas o olhar de Bernardo Cabral é ainda o de uma criança intranquila e ávida de novidades. Ver o mundo pelos seus olhos é reconhecer-lhe o colorido cheio de matizes e um sem-número de oportunidades. É um líder à frente das brigadas que gere nas diferentes adegas que tem a seu cargo e não só. Económico nas palavras, a construção racional do seu pensamento impede-o de emitir opiniões sem o devido fundamento, e no entanto gosta profundamente do seu ofício, entregando-se-lhe incondicionalmente..Bernardo Cabral com os vinhos que se beberam à refeição. FOTO: Rita Chantre.Formou-se em engenharia agronómica no instituto Superior de Agronomia, animado pelo sentimento forte que levava dentro desde os doze anos de que queria ser enólogo. Ser primo dos Soares Franco da José Maria da Fonseca, em Azeitão, alumiou-lhe o caminho com total clareza nesse sentido. Não hesitou quando chegou a altura de fazer as suas opções em termos de estudos e até ao momento não se arrependeu. Animado por um outro parente, Nuno Cancela de Abreu, estagiou na Quinta da Romeira, em Bucelas, guardando desses tempos as melhores memórias. Assim começou a brilhante carreira do nosso herói..Os vinhos da Picowines.Os Açores são familiares a Bernardo Cabral desde muito cedo. Ainda criança, passava férias junto da sua família na Terceira. “Eram tempos muito importantes e diferentes esses em que convivi de muito perto com a realidade da ilha”, explica. “Teve uma influência enorme em mim”. Muitos anos mais tarde, começa a ir para o Pico, já com os seus filhos. Criou imediatamente laços com aquela ilha, ainda antes de começar a interessar-se pela vinha e o início da carreira de enólogo..Abre-se uma garrafa de espumante do Pico 2017, o ano em que Bernardo Cabral foi convidado para liderar a Picowines, e a emoção do enólogo é indisfarçável. E não era para menos. Além de se tratar do primeiro espumante produzido no Pico, apresentava-se em grande forma. Acidez belíssima, bolha muito fina e uma gama de sabores e texturas desde o cítrico ao mineral, numa viagem de grande qualidade sensorial. Vem para a mesa o primeiro prato, gambas exóticas, muito especiado e picante, sobre um molho copioso a evocar a cozinha tailandesa..Espumante do Pico para acompanhar gambas exóticas. FOTO: Rita Chantre.Graças à força e elegância do espumante, o prato foi resolvido e harmonizado na perfeição, como se vinho e comida desmaiassem nos braços um do outro. Experiência notável de harmonização vínica, corte fantástico de proteína, gorduras e temperos..O momento é propício e Bernardo revela a base da sua abordagem a um novo produtor. “O vinho deve reflectir a personalidade do produtor”, afirma com convicção, rejeitando a situação a que muitas vezes assiste, em que enólogo e cliente raramente se encontram. “Esforço-me muito por nos primeiros contactos com um produtor com que vou começar a trabalhar tentar absorver o máximo possível. E prossegue: “muitas vezes, desloco-me e passo temporadas junto às vinhas, para absorver e entender o máximo possível”..A função de Bernardo Cabral excede em muito a relação standard de enólogo com o produtor; há um entrosamento progressivo. Cita a propósito o caso feliz de Pegos Claros, onde acredita que se criou um entendimento pleno. Aqui no Pico, com a cooperativa, conseguiu chegar onde jamais se chegou, fruto da sua entrega total e também do quanto lhe foi permitido explorar com total liberdade..É servido o Gruta das Torres 2020, um branco integralmente produzido a partir da casta Arinto dos Açores. A gruta que dá o nome ao vinho é um cone lávico com 1.500 anos, e foi aí que as garrafas estagiaram durante 15 meses, a 17 metros de profundidade. Mineralidade incrível, amargos assentes em notas salinas, e muitas impressões vulcânicas, com sugestões de toranja, enxofre, algas. Vêm peças de elevado gabarito para harmonizar com este vinho único e foi um momento particularmente prazeroso..O branco o Gruta das Torres 2020. FOTO: Rita Chantre.Ao longo da prova, o nosso enólogo deu a provar dois vinhos fascinantes, respectivamente de dois clientes seus. Um arinto de Bucelas da Quinta das Murgas, notável pelas notas terrosas e florais oferecidas num mesmo vinho; e um tinto alentejano - Balanches - com estrutura e frescura impressionantes, que Bernardo Cabral aproveita para reforçar o conceito de serviço que sempre põe nos vinhos que faz. No final, os vinhos são dos produtores e assim são por eles assumidos..Provamos ainda um terceiro vinho da cooperativa do Pico, Terras de Lava tinto, integralmente produzido a partir de uvas tintas da ilha. Notável, extracção muito contida, estágio em carvalho português..Terras de Lava tinto acompanhou tempura de caranguejo de casca mole integrada em rolos de sushi. FOTO: Rita Chantre.Notas frescas e mentoladas, a criar uma atmosfera de prova exótica, animada por uma acidez muito bem trabalhada. Para a harmonização - perfeita - vem tempura de caranguejo de casca mole integrada em rolos de sushi. Experiência inesquecível, que prolongamos à mesa, a falar de canto - Bernardo Cabral é tenor -, piano e outras artes.
Estava prestes a terminar as vindimas nos vários sítios a seu cargo, pelo que o encontro acontece entre a carga da fadiga e o alívio da libertação. Estava feliz com os resultados que estava a ter, confessando: “a vindima de 2024 foi espectacular”. .Aos 51 anos já se tem mais certezas que dúvidas mas o olhar de Bernardo Cabral é ainda o de uma criança intranquila e ávida de novidades. Ver o mundo pelos seus olhos é reconhecer-lhe o colorido cheio de matizes e um sem-número de oportunidades. É um líder à frente das brigadas que gere nas diferentes adegas que tem a seu cargo e não só. Económico nas palavras, a construção racional do seu pensamento impede-o de emitir opiniões sem o devido fundamento, e no entanto gosta profundamente do seu ofício, entregando-se-lhe incondicionalmente..Bernardo Cabral com os vinhos que se beberam à refeição. FOTO: Rita Chantre.Formou-se em engenharia agronómica no instituto Superior de Agronomia, animado pelo sentimento forte que levava dentro desde os doze anos de que queria ser enólogo. Ser primo dos Soares Franco da José Maria da Fonseca, em Azeitão, alumiou-lhe o caminho com total clareza nesse sentido. Não hesitou quando chegou a altura de fazer as suas opções em termos de estudos e até ao momento não se arrependeu. Animado por um outro parente, Nuno Cancela de Abreu, estagiou na Quinta da Romeira, em Bucelas, guardando desses tempos as melhores memórias. Assim começou a brilhante carreira do nosso herói..Os vinhos da Picowines.Os Açores são familiares a Bernardo Cabral desde muito cedo. Ainda criança, passava férias junto da sua família na Terceira. “Eram tempos muito importantes e diferentes esses em que convivi de muito perto com a realidade da ilha”, explica. “Teve uma influência enorme em mim”. Muitos anos mais tarde, começa a ir para o Pico, já com os seus filhos. Criou imediatamente laços com aquela ilha, ainda antes de começar a interessar-se pela vinha e o início da carreira de enólogo..Abre-se uma garrafa de espumante do Pico 2017, o ano em que Bernardo Cabral foi convidado para liderar a Picowines, e a emoção do enólogo é indisfarçável. E não era para menos. Além de se tratar do primeiro espumante produzido no Pico, apresentava-se em grande forma. Acidez belíssima, bolha muito fina e uma gama de sabores e texturas desde o cítrico ao mineral, numa viagem de grande qualidade sensorial. Vem para a mesa o primeiro prato, gambas exóticas, muito especiado e picante, sobre um molho copioso a evocar a cozinha tailandesa..Espumante do Pico para acompanhar gambas exóticas. FOTO: Rita Chantre.Graças à força e elegância do espumante, o prato foi resolvido e harmonizado na perfeição, como se vinho e comida desmaiassem nos braços um do outro. Experiência notável de harmonização vínica, corte fantástico de proteína, gorduras e temperos..O momento é propício e Bernardo revela a base da sua abordagem a um novo produtor. “O vinho deve reflectir a personalidade do produtor”, afirma com convicção, rejeitando a situação a que muitas vezes assiste, em que enólogo e cliente raramente se encontram. “Esforço-me muito por nos primeiros contactos com um produtor com que vou começar a trabalhar tentar absorver o máximo possível. E prossegue: “muitas vezes, desloco-me e passo temporadas junto às vinhas, para absorver e entender o máximo possível”..A função de Bernardo Cabral excede em muito a relação standard de enólogo com o produtor; há um entrosamento progressivo. Cita a propósito o caso feliz de Pegos Claros, onde acredita que se criou um entendimento pleno. Aqui no Pico, com a cooperativa, conseguiu chegar onde jamais se chegou, fruto da sua entrega total e também do quanto lhe foi permitido explorar com total liberdade..É servido o Gruta das Torres 2020, um branco integralmente produzido a partir da casta Arinto dos Açores. A gruta que dá o nome ao vinho é um cone lávico com 1.500 anos, e foi aí que as garrafas estagiaram durante 15 meses, a 17 metros de profundidade. Mineralidade incrível, amargos assentes em notas salinas, e muitas impressões vulcânicas, com sugestões de toranja, enxofre, algas. Vêm peças de elevado gabarito para harmonizar com este vinho único e foi um momento particularmente prazeroso..O branco o Gruta das Torres 2020. FOTO: Rita Chantre.Ao longo da prova, o nosso enólogo deu a provar dois vinhos fascinantes, respectivamente de dois clientes seus. Um arinto de Bucelas da Quinta das Murgas, notável pelas notas terrosas e florais oferecidas num mesmo vinho; e um tinto alentejano - Balanches - com estrutura e frescura impressionantes, que Bernardo Cabral aproveita para reforçar o conceito de serviço que sempre põe nos vinhos que faz. No final, os vinhos são dos produtores e assim são por eles assumidos..Provamos ainda um terceiro vinho da cooperativa do Pico, Terras de Lava tinto, integralmente produzido a partir de uvas tintas da ilha. Notável, extracção muito contida, estágio em carvalho português..Terras de Lava tinto acompanhou tempura de caranguejo de casca mole integrada em rolos de sushi. FOTO: Rita Chantre.Notas frescas e mentoladas, a criar uma atmosfera de prova exótica, animada por uma acidez muito bem trabalhada. Para a harmonização - perfeita - vem tempura de caranguejo de casca mole integrada em rolos de sushi. Experiência inesquecível, que prolongamos à mesa, a falar de canto - Bernardo Cabral é tenor -, piano e outras artes.