Victor Hugo partilha a alegria pela vitória da luta contra a lei humana
Que, seja pelo remetente seja pelo tema, teve direito a grande destaque na primeira página, cabendo-lhe a honra de ser a terceira notícia, logo a seguir ao habitual boletim sobre a saúde dos reis: "Suas majestades e altezas passam sem novidade em sua importante saúde."
Novidades, no entanto, havia no reino, pois Portugal decretara a abolição da pena de morte, tornando-se o primeiro país europeu soberano - antes só acontecera no grão-ducado da Toscana em 1786 - a avançar com tal alteração de hábitos na justiça de então. E o referido autor de grandes romances ficara tão satisfeito com o protagonismo mundial do país que decidiu escrever uma carta a este órgão de comunicação social a 2 de julho de 1867 e entregá-la no estabelecimento dos correios de Hauteville-House, endereçada ao Sr. Eduardo Coelho.
Victor Hugo escrevia uma sentida mensagem: "Está pois a pena de morte abolida n"esse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história! Penhora-me a recordação da honra que me cabe n"essa victoria illustre. Humilde operário do progresso, cada novo passo que elle avança me faz pulsar o coração. Este é sublime. Abolir a morte legal deixando á morte divina todo o seu direito e todo o seu mysterio é um progresso augusto entre todos. Felicito o vosso parlamento, os vossos pensadores, os vossos philosophos! Felicito a vossa nação.
"Portugal dá o exemplo á Europa. Disfructae de antemão essa immensa gloria. A Europa imitará Portugal. Morte á morte. Guerra á guerra! Odio ao odio, Viva a vida! A liberdade é uma cidade immensa, da qual todos somos cidadãos. Aperto-vos a mão como a meu compatriota na humanidade."
A publicação desta correspondência enviada pelo escritor justificava-se no texto de introdução à missiva por ser uma "bella carta em que se lêem nobres palavras". Acrescentava-se que como "são muito honrosas para a nossa terra, por isso as publicamos, porque estas não nos pertencem a nós, mas sim a Portugal".
A carta de Victor Hugo tem a particularidade de ter sido escrita apenas um dia depois de ter sido decretada a abolição da pena de morte, a 1 de julho, e foi publicada no Diário de Notícias logo no dia 10 desse mês.
O autor francês também enviou uma carta a Pedro Brito Aranha, jornalista com quem se correspondia habitualmente, na qual referia também a sua satisfação com a atitude portuguesa, afirmando: "Portugal acaba de abolir a pena de morte. Acompanhar este progresso é dar o grande passo da civilização. Desde hoje, Portugal é a cabeça da Europa. Vós, Portugueses, não deixastes de ser navegadores intrépidos. Outrora, ieis à frente no Oceano; hoje, ides à frente na Verdade. Proclamar princípios é mais belo ainda que descobrir mundos."
Na mesma primeira página de 10 de julho de 1867 encontrava-se ainda uma outra notícia do correspondente em Milão sobre a abolição da pena de morte, datada do dia 2, desta vez mostrando as repercussões naquele país: "Foi recebida com alegria a notícia da abolição da pena de morte em Portugal, não só entre os portuguezes aqui residentes como tambem nos filhos do paíz. O jornal italiano Pungolo traz um artigo elogiando o governo por este acto de progresso."