Se alinharmos trinta amostras de vinho do Porto de uma mesma colheita, vamos achar excelentes 20, muito boas sete e boas três. Já se fizermos o mesmo exercício com vinho DOC Douro, três serão excelentes, sete muito boas e 20 boas. Obtemos o mesmo resultado com qualquer denominação de origem de primeira linha mundial. Esta é a razão pela qual somos forçados a concluir que o vinho do Porto é o melhor vinho do mundo. Aprendi há muitos anos esta forma brilhante de perceber o vinho do Porto com Dirk van der Niepoort, em sua casa, no tempo em que havia todo o tempo do mundo para estar à mesa. Mais tarde, ouvi de David Fonseca Guimaraens uma tese semelhante, com o reforço de que temos absolutamente de perceber e ser dedicados ao vinho do Porto. Estão muito longe de estar esgotados os caminhos para o grande néctar, que sempre nos há-de surpreender com tesouros vínicos extraordinários..Cristiano Van Zeller tem sempre muito para contar e foi sempre grande entusiasta dos vinhos do Porto e do Douro. A sua família tem raízes profundas no sector e os ramos familiares cruzam-se com os das personalidades que mais influência tiveram para que os séculos de história da região conduzissem à modernidade. O modelo de negócio mantém-se firme num certo conservadorismo. “A contingentação é a única ferramenta para sustentar o equilíbrio”, explica Cristiano. “Ou vendemos mais, ou produzimos menos”. No entanto, o mix Douro e Porto cresceu sempre. talvez com o grande boom de 94 a marcar o recorde de ambas as frentes..Iniciamos a refeição com CV branco, uma pérola da Van Zellers & Company, hoje estritamente composta pelo núcleo familiar de Cristiano Van Zeller, sua mulher Joana e os três filhos, Cristiano - médico radicado no Reino Unido -, Francisca - a 100% na empresa, e João, o mais novo, também já oficiante na empresa familiar..O CV branco provém de uma vinha de um hectare apenas, e o tinto de 3 ha. Vem o bife tártaro maravilhoso, processado e temperado à nossa frente e a ligação com o vinho branco é prodigiosa. Mas vamos lançados no assunto da lei do terço, que obriga os produtores a reter stocks de vinho do Porto importantes, libertando apenas os excedentes, de qualidade tradicionalmente menos boa..“Os excedentes foram sempre significativos ao longo da história do Douro”, explica o nosso herói. “Produziu-se sempre mais do que se consegue comercializar. O stock com que as empresas ficam é por isso exponencial. A região produz muito mais do que necessita”. O esforço de comercialização e o valor dessa comercialização pode não ter sido o devido. “Temos de ter a noção da excelência do Douro”, afirma categoricamente Cristiano Van Zeller. Conhece e ama o seu Douro e tem-lhe sido sempre dedicado..Itinerâncias convergentes.Em 1993, a Quinta do Noval é vendida ao grupo francês Axa Millésimes, levando a uma nova configuração do negócio e oferta vínica. As primeiras experiências de produção de vinho do Douro do jovem enólogo acontecem em 1985, ainda na Quinta do Noval, e em 1989 chega mesmo a fazer aí vinhos experimentais com Domingos Soares Franco. Fixou-se depois na Quinta do Vale D. Maria, começando a produzir vinho DOC Douro em 1996. Partilho com Cristiano o bem que me lembro do primeiro, de 1998. Em 2017, vende o Vale D. Maria aos seus primos da Aveleda e passa a dedicar-se à Van Zellers & Company..Ainda com o CV branco, é servido um primo piato de tagliatelle com cogumelos, brilhante para o vinho - o sommelier Gonçalo Patraquim teve o cuidado de não aplicar trufa, para não pressionar demasiado o vinho. Estamos de novo a falar sobre a região duriense, e surge uma chave inevitável e que explica muita coisa. A proximidade e amizade que Cristiano tem com Dirk Niepoort é fundadora e marcou vários pontos importantes na afirmação do Douro enquanto grande região do Douro pelo mundo fora. Ambos ousados e aplicados em fazer do Douro uma grande região mundial. Tomo boa nota de uma frase liminar do meu entrevistado: “O vinho do Porto homogeneíza as diferenças, o DOC Douro salienta as diferenças”..O pai de Cristiano partiu cedo, em 1979, com apenas 46 anos. CVZ estava a estudar em Espanha. Passou para Engenharia Industrial na Faculdade de Engenharia do Porto, que interrompeu para ir trabalhar para a Quinta do Noval. Vicissitudes diversas fizeram com que o lutador Cristiano ainda regressasse à academia, mas o curso da vida ordenou outro rumo..Vem o CV Tinto 2020, mistura de castas como é normal numa vinha velha, maioria Touriga Franca. Tonalidades cítricas que me levaram a dizer que seria Touriga Nacional, mas que são afinal expressão da Touriga Franca em vinha velha. Sempre a aprender. Produção contida, apenas cerca de 5 mil garrafas. .É servido um canónico tornedó Rossini, em que o puré de batata não levou trufa para não esmagar o tinto. Estratégia que de resto já tínhamos seguido com a tagliatelle. Resultou numa harmonização brilhante, outra coisa não seria de esperar desta casa de serviço imaculado..E viva o vinho do Porto!.“Não gosto de ficar quieto, e sinto-me muito apoiado neste momento pelos meus filhos e sempre pela Joana, minha mulher”. Iniciamos o capítulo Porto com um genial e vibrante LBV 2019. O não menos genial tiramisú do Rocco foi feito na nossa mesa pelo chef pasteleiro Clayton Ferreira e a componente café foi determinante para a bondade do conjunto. .É servido também o Van Zellers 30 Anos, complexo e vibrante, e tem uma belíssima frescura. Depois um incrível Porto Branco Colheita 1940, desafiante e viciante..Chega o momento sacramental da revelação de um trio poderoso e inigualával, que a Van Zellers vende num estojo lindíssimo, três garrafas de 75CL: 1888 crafted by poetry e coincide com o ano de nascimento de Fernando Pessoa; 1870 crafted by family e marca o casamento dos trisavós de Cristiano; 1860 crafted by liberty e marca a eleição de Abraham Lincoln para a presidência dos EUA. “O que falta ao vinho do Porto?”, questiona de forma retórica Cristiano Van Zeller. “Perceber que é uma existência de futuro”.