Em março deste 389 médicos completaram a especialidade de Medicina Geral e Familiar – normalmente esta é a fase com maior número de recém-especialistas e, por isso, aquela que gera mais expectativas em relação ao concurso para as vagas lançadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em maio, o Ministério da Saúde fez saber que eram 585 vagas distribuídas regionalmente, mas, no final, candidataram-se 412 especialistas e destes só 231 é que acabaram por ficar no SNS. Ou seja, 181 médicos não quiseram qualquer vaga das que estavam disponíveis, ficando mais de 60% por preencher, havendo mesmo duas Unidades Locais de Saúde /ULS), a do Estuário do Tejo e do Alto Alentejo, que não conseguiram preencher uma única vaga. Segundo a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) mesmo assim, a percentagem das vagas ocupadas (39%), embora “baixa”, é “superior às registadas em 2023 (32%) e 2024 (28%)”.Mas tanto o bastonário dos médicos como o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) contestam esta leitura, considerando que “não nos permite ter a visão correta da realidade”, defende o bastonário Carlos Cortes. Para Nuno jacinto, é simples: “Já devíamos estar a ter um saldo claramente positivo de médicos de família no SNS, e não estamos. Por muito que tentemos torcer os números e olhar para eles da forma mais simpática possível.” Sobretudo quando, destaca Carlos Cortes, “as vagas deixadas em aberto representam mais de 300 mil utentes que poderiam passar a ter médico de família e não têm”.Segundo o bastonário, tendo em conta que cada médico de família tem uma lista de 1500 a 2000 utentes, o facto de 181 médicos não terem escolhido qualquer vaga representa que entre 271 mil a 362 mil continuam sem médico de família. As mesmas contas demonstram também que as 231 vagas ocupadas também vieram trazer um médico de família a 346 mil a 462 mil utentes, baixando assim o total de utentes registados em maio ainda sem médico (1 644 807).De acordo com os dados da ACSS, o número de inscritos no SNS tem vindo a aumentar, devido aos migrantes, havendo no mês de maio mais 21 mil inscritos do que no mês anterior. A região de Lisboa e Vale do Tejo é a que tem maior número de utente sem médico de família, cerca de 30%, seguindo-se o Algarve, Alentejo, Centro e Norte do país.A Ordem dos Médicos dá ainda conta que das 230 vagas abertas para os centros de saúde de Lisboa e Vale do Tejo, apenas 102 foram ocupadas - um cenário que se tem vindo a verificar em concursos anteriores, continuando a região com mais de 600 mil habitantes sem médico. No Alentejo, foram 26 vagas que ficaram por preencher e no Algarve 28, ficaram lugares por ocupar. Apenas o Norte conseguiu uma ocupação de 100% - todas as 88 vagas foram preenchidas. No Centro, foram ocupadas 85% das vagas. O bastonário critica a metodologia do concurso, que foi regional, em vez de nacional, considerando que tal afastou automaticamente alguns candidatos. “É preciso potenciar a retenção dos médicos no SNS e isso não acontecerá se um médico faz toda a sua formação de internato num determinado centro de saúde, que até precisa que ele ali fique porque tem dezenas de milhares de utentes sem médico de família, mas depois não pode ficar porque ali não houve vagas abertas”. Carlos Cortes refere ao DN que as consequências desta metodologia foram transmitidas à ministra da Saúde, mas nada adiantou, lembrando que, em 2023, no tempo de Manuel Pizarro, o concurso foi nacional e “tivemos a maior fixação de sempre de médicos no SNS”.Para Nuno Jacinto as vagas deixadas em aberto refletem “sobretudo a situação do SNS, devido à falta de atratividade para o médico de família, em especial para os colegas mais jovens, mas também tem a ver com o procedimento concursal”, concordando que o concurso nacional demonstrou resultados há dois anos. “A nosso ver foi errado que não tenham sido colocadas a concurso todas as vagas. Isto afasta ainda mais colegas. Todas as vagas deveriam estar permanentemente abertas e garantir-se também a mobilidades de forma regular e periódica, como acontecia há uns anos”, sublinhou.Ao DN, o presidente da APMGF afirma ser “difícil de entender que rumo se pretende para os cuidados de saúde primários, quando muitas vezes não há uma aposta clara em diferenciar ou discriminar positivamente esta área para se colocar lá os médicos. Continua a insistir-se nas mesmas soluções, que já mostraram não ter resultados”, acrescentando: “É, pelo menos, ingénuo, pensar-se que estas poderão ter outro resultado, e o efeito prático que se tem é o de este ano”.O médico alerta ainda para o facto de, “apesar de o ministério dizer que este foi o concurso dos últimos anos com maior percentagem de número de vagas ocupadas, em número absoluto foi o concurso que teve menos médicos colocados. E é isso que nos preocupa. Não nos interessa a percentagem. Interessa-nos o número de vagas ocupadas, que foram poucas. Não são os 230 colegas que colocados que vão conseguir responde às necessidades existentes, nem de longe nem de perto”. Nuno Jacinto insiste nas medidas que podem funcionar como “discriminação positiva, que garantam alguma vantagem para os colegas que as possam escolher algumas unidades em relação a outras, e ali construírem. Têm de ser medidas a longo prazo, porque ninguém muda a sua vida por três anos”. Medidas que façam os clínicos pensar que “vale a pena mudar a minha vida. É nisto que se tem de trabalhar”..Nos últimos seis anos, saíram mais de seis mil médicos do SNS