Utentes vão poupar 185 milhões e 112 Km com entrega de medicamentos hospitalares nas farmácias
Há contas feitas sobre quanto é que os utentes ganham com a disponibilização dos medicamentos usados só em ambiente hospitalar nas farmácias comunitárias. E contas que, segundo explicou ao DN o bastonário dos farmacêuticos, Helder Mota Filipe, demonstram bem os ganhos que o grupo de doentes que está a ser tratado para doenças oncológicas, auto-imunes e VIH, podem obter com esta medida.
A saber - e tendo em conta que este grupo abrange entre 100 a 200 mil doentes, que uma vez por mês ou de três em três ou até de seis em seis têm de se deslocar ao hospital para levantar a medicação - só a poupança média em quilómetros nas deslocações pode ir até 112 km por ano.
A esta há a juntar a poupança média de quase 15 euros em cada deslocação (14.30 euros), o que, neste universo de doentes, pode resultar em menos 185 milhões de euros gastos por ano. Mas a poupança, como sublinha o bastonário, também se vai refletir no tempo disponível, já que se estima que cada doente gasta atualmente, em média, 5,5 horas em cada deslocação.
Para o representante da Ordem dos Farmacêuticos, com quem a tutela tem discutido a forma de aplicar a medida, juntamente com a Associação Nacional das Farmácias, tais números demonstram "as vantagens que esta mudança na disponibilização de medicamentos traz para os doentes. A medida tem vantagens para os hospitais, sem dúvida, que lidam hoje com um problema grave de recursos humanos também nesta área e assim ficam com mais profissionais disponíveis para outras funções, mas as mais importantes são as vantagens para os doentes", diz, sublinhando que com esta mudança "muitos doentes vão deixar de fazer viagens só para recolher a medicação. E se há doentes que vivem junto aos hospitais, outros têm de vir do Alentejo ou do Algarve só para ter acesso a eles."
Por outro lado, refere, esta mudança na dispensa de medicamentos representa também um passo na estratégia de proximidade dos farmacêuticos aos utentes. "Os farmacêuticos têm de se adaptar cada vez mais à realidade dos tempos, sendo preciso mudar o paradigma de que um farmacêutico tem de estar atrás de um balcão. O farmacêutico tem de ir aonde está o doente e é esta atitude que estamos a tentar transmitir às novas gerações", argumenta.
Helder Mota Filipe dá assim a entender que atrás desta medida vêm outras, até porque "os farmacêuticos têm muito mais competências do que estar atrás de um balcão e esta mudança não está acontecer só em Portugal, mas em toda a Europa".
Segundo explicou, o objetivo da Ordem "é fazer com que os profissionais possam ir até aos lares e ao próprio domicílio dos utentes para ajudar quem tem dificuldades na gestão da medicação". E para isto, confirma, "temos já um grupo na Ordem que está a trabalhar no sentido de identificar soluções sobre como é que este serviço de proximidade pode ser fornecido aos doentes de forma estruturada. O nosso objetivo é construir uma proposta para a discutir com a tutela e com outras instituições, nomeadamente de solidariedade social, para se definir como é que esta intervenção poderá acontecer".
O bastonário assume que este é o caminho que tem de ser feito. Até porque, "é uma preocupação minha e de muitos farmacêuticos o facto de o país ter uma população cada vez mais idosa, muita dela institucionalizada ou a viver sozinha, a necessitar de muitos medicamentos, e sem capacidade para gerir essa terapêutica. Esta é uma das situações que podem levar a interações de duplicação de terapêutica que depois trazem sempre outras consequências". Portanto, "nesta área também iremos apresentar uma proposta de gestão e revisão de medicação para se trabalhar em maior proximidade com a população".
DestaquedestaqueO único critério que define quem pode usar este serviço é ser-se um doente que necessita de terapêutica, tendo de ir exclusivamente ao hospital para este efeito. Tanto faz que o doente viva a 10 quilómetros ou a 100 do hospital.
Relativamente à medida que está em cima da mesa, de dispensa de medicamentos hospitalares nas farmácias comunitárias, o único critério que define quais os doentes que a poderão usar é tão só o dos doentes que necessitam de terapêutica, mas não necessitam de ir ao hospital para outros cuidados. Não há critérios de distância geográfica, o doente tanto pode viver a 10 quilómetros do hospital como a 100".
Estando o doente em condições de usufruir deste serviço em comunidade, a proposta para esta mudança tanto pode ser feita pelo seu médico assistente como pelo farmacêutico hospitalar que dispensa a terapêutica, embora a vontade do doente seja a que prevalecerá sempre. "Se o doente disser que quer continuar a ir à farmácia hospitalar buscar os medicamentos, pode continuar a fazê-lo. Se quiser que a medicação seja dirigida para uma das farmácias comunitárias mais próximas de si, também pode escolher a que lhe dá mais jeito. Só é preciso que a farmácia hospitalar saiba que a cada mês, no tal dia, um determinado medicamento tem de chegar àquela farmácia comunitária", explica o bastonário.
O processo parece simples, mas não é, porque exige rigor e segurança. "Todo o processo tem de ser feito via eletrónica, até para se poder fazer a rastreabilidade de todo o circuito, quem fez o quê, não havendo dependências de telefonemas para esta ou aquela farmácia", destaca o bastonário, sublinhando que uma das preocupações neste processo foi assegurar "um conjunto de princípios que garantirão a manutenção da qualidade e da segurança na dispensa de medicamentos. As farmácias comunitárias têm de garantir as mesmas condições que as hospitalares nesta tarefa. Até o feedback que lhes é passado pelo utente relativamente à terapêutica. O objetivo é que toda a informação chegue na mesma ao hospital onde o doente é acompanhado".
Helder Mota Filipe acredita que tudo correrá bem. Até porque "temos aprendizagem acumulada de um projeto-piloto deste tipo em relação ao VIH, que está em prática no Centro Hospitalar Lisboa Central com as farmácias comunitárias da sua área de influência. Este modelo não é uma novidade assim tão grande, mas é preciso que fique bem montado".
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, anunciou esta semana que a medida seria para começar a aplicar a partir do semestre que agora se inicia, o bastonário diz que essa também é a vontade da Ordem, mas, refere "não me importo que demore mais um mês, dois ou três meses a aplicar-se este modelo para que tudo seja feito de forma adequada e não uma coisa em cima do joelho, que não nos permita a rastreabilidade do processo".
Portanto, "na minha opinião a aplicação só será no último trimestre do ano, devido a todos os aspetos que ainda têm de ser afinados. Não queremos que uma boa medida se torne numa má experiência".
DestaquedestaqueTem de se mudar o paradigma do farmacêutico atrás do balcão. É preciso que os profissionais possam ir aos lares e a casa dos doentes para os ajudarem na gestão da medicação. Temos um grupo de trabalho na Ordem a tratar disto e vamos discutir o assunto com a tutela.
O bastonário dos farmacêuticos explica ainda que esta mudança não vem interferir nem condicionar as consultas ou os tratamentos que o doente tem de fazer no hospital. "Isso é uma prática completamente distinta da dispensa de medicamentos, mas até pode acontecer que um dia o doente vá à consulta e peça para levantar a medicação na farmácia hospitalar em vez de o fazer na farmácia comunitária".
O importante, sublinha, é que com esta medida e outras que aí vêm "os objetivos da proximidade estão a concretizar-se. Não tão rapidamente como gostaríamos, mas preferimos que todos os projetos sejam aplicados com pés e cabeça e não de forma amadora".
São medicamentos que, pelas suas especificidades e pelas doenças a que se destinam, só podem ser dispensados nos hospitais, sendo proibida a sua venda nas farmácias comunitárias. No entanto, as farmácias podem dispensá-los aos utentes em determinadas circunstâncias. Este serviço, designado por dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade, permitirá aos utentes seguidos nos hospitais não terem de se deslocar propositadamente a estas unidades só para levantar a medicação, podendo solicitar que a mesma lhes seja entregue numa farmácia perto de si. Esta medida, que deverá começar a ser aplicada até ao final do ano, destina-se a patologias como a esclerose múltipla, certos tipos de cancro, doenças intestinais e do sangue, ou para pessoas com transplantes ou VIH/sida.
1,641 mil milhões de euros. Este foi o valor gasto em medicamentos hospitalares no SNS de janeiro a novembro de 2022, segundos os dados mais recentes do Infarmed. Ao todo, quase 1,7 mil milhões de euros, mais 12% do que no mesmo período no ano anterior.
516,8 milhões de euros. Este foi o valor gasto em tratamentos de oncologia, de janeiro a novembro de 2022, mais 8,8% do que no ano anterior. A seguir vêm os gastos com o tratamento da Amiloidose: 54,1 milhões de euros, mais 62% do que em 2021. Depois, a Fibrose Quística, em que se gastou 26,4 milhões de euros, mais 248% do que em 2021. Um aumento de despesa que teve a ver com medicamentos mais inovadores.
30,5 milhões de euros. Este é o valor do maior aumento de despesa num só medicamento em 2022, uma subida de 255% num medicamento para o VIH. Seguiu-se um para a Amiloidose, um aumento de 104%, com um gasto de 32,1 milhões de euros. Na oncologia, houve um aumento de 38,4% na despesa de um medicamento, que totalizou 54,3 milhões de euros.