Desde o início do ano que o Serviço Nacional de Saúde ganhou mais Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B, um sistema que não é novo, mas cujo aumento decidido pelo Governo visa tentar dar mais assistência aos utentes. .“É um modelo que em cerca de 12 anos já tem mostrado a sua validade. Há uma maior motivação, melhor pagamento e objetivos de seguimento de diabéticos, hipertensos, grávidas e rastreios de cancro. Se, naturalmente, esses objetivos forem atingidos, este modelo tem interesse no bom e correto seguimento dos doentes”, começa por explicar Jorge Roque da Cunha, especialista em Medicina Geral e Familiar e líder do Sindicato Independente dos Médicos (SIM)..O que está, agora, a acontecer é o alargamento a mais USF deste modelo. “Até agora havia quotas. Havia cerca de 30 USF que eram, anualmente, distribuídas via transições”, acrescenta o médico. “Isto era injusto porque mesmo havendo unidades que já tinham indicação para essa transição para o modelo B não o faziam [por restrição de quotas]”. Por isso, para o secretário-geral do SIM este alargamento das USF modelo B “é sem dúvida uma medida positiva e a médio prazo irá fazer com que haja mais portugueses com médico de família”..Nestas USF os médicos ganham o vencimento base e depois recebem incentivos por produtividade e desempenho. Porém, não podem atender quantidades indiscriminadas de utentes: 1850 doentes é o número máximo que cada médico pode ter na sua lista. Jorge Roque da Cunha acrescenta que se trata de uma medida que “vai contribuir para melhorar o acesso aos cuidados de saúde primários, havendo mais pessoas com médico de família. Os médicos têm de trabalhar um bocadinho mais, é verdade, mas isso não nos apoquenta: trabalharemos mais e melhor”. .1.700.00Utentes que em Portugal não têm médico de família. A maior concentração é na região de Lisboa e Vale do Tejo.1850Máximo de utentes a que cada médico poderá dar assistência, nas USF Modelo B, onde há incentivos financeiros..Já Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), não tem a mesma visão do colega do SIM. “É suposto que, com alguns destes incentivos, haja um alargamento na lista de utentes atendidos. O problema é que o Governo anda a fazer uma limpeza artificial das listas de utentes que já existem”. Essa “limpeza” é explicada pela oncologista: “Estão a pôr alguns utentes fora das listas, o que não é correto”. E dá exemplos: “Os emigrantes e pessoas mais saudáveis, que não recorrem tanto ao médico de família”..O que se passa, em muitas USF, é que caso o utente não vá pelo menos uma vez por ano ao médico acaba por ficar sem médico de família. Algo que para a oncologista é inconcebível. “Não está correto fazer-se isto, porque as pessoas devem recorrer aos médicos quando precisam. Os cuidados de saúde têm de ser prestados com sentido, não é obrigar as pessoas a marcarem consultas só por marcar, para não perderem este direito ao médico de família”..A presidente da Fnam faz, ainda, as contas ao que verdadeiramente vai acontecer com a entrada em funcionamento de novas USF Modelo B. “O que está estimado é que haja mais 300 mil utentes com médico de família. Tendo em conta que temos um milhão e 700 mil pessoas sem médico de família, e ainda não entrámos, este ano, no pico das reformas, isto só vai fazer com que a catástrofe não seja tão grande. Repare-se que cerca de um milhão e 400 mil portugueses vão continuar sem acesso aos cuidados de saúde primários”, adverte. Este número poderá variar ao longo de 2024, com a entrada na reforma de mais médicos. “Tivemos um pico de reformas de 822 médicos em 2023. Este ano estima-se que o número seja parecido e a maioria será nos cuidados de saúde primários”, adverte a presidente da Fnam..Apesar de tudo, Joana Bordalo e Sá garante que não há falta de médicos em Portugal. “Temos 60 mil médicos em Portugal, metade está no Serviço Nacional de Saúde (SNS). O que tem de se garantir é que haja condições de trabalho mais atrativas no SNS. Não há necessidade nem de mais escolas de Medicina, nem de ir buscar médicos ao estrangeiro”..Jorge Roque da Cunha concorda com a colega. “Em Portugal, há médicos suficientes. Aliás, somos dos países da União Europeia em que há mais médicos per capita. Onde falta médicos é no SNS”. O presidente do SIM aponta ainda as dificuldades de gestão destes recursos humanos: “Os serviços e os médicos estão completamente focados na questão das urgências e acabam por negligenciar aquilo que é o trabalho de enfermaria, de consultas de seguimento a doenças crónicas que, naturalmente, não sendo seguidas irão aumentar a pressão, num determinado momento, nos serviços de urgência, em situações mais graves e menos controladas.”.Novidade no SNS é o modelo administrativo em Unidades Locais de Saúde (ULS). “São uma forma de organização em que o país está dividido por unidades que integram hospitais e centros de saúde. Os centros de saúde deixam de ter tanta autonomia e passam a depender mais do hospital”, explica Joana Bordalo e Sá. .Jorge Roque da Cunha indica que as USL servirão, idealmente, para que haja “uma mudança, que é desejável, em que passará a haver uma maior coordenação dos cuidados de saúde primários com os cuidados hospitalares”. Será esta mudança positiva para os doentes? “É uma boa pergunta...”, solta Joana Bordalo e Sá.