“Unidades fiéis ao regime eram poucas comparado com as do MFA, mas uma era perigosa pelo armamento que tinha”
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“Unidades fiéis ao regime eram poucas comparado com as do MFA, mas uma era perigosa pelo armamento que tinha”

No 'Atlas Histórico do 25 de Abril', José Matos faz uma síntese visual da Revolução Portuguesa de 1974, recorrendo a mapas, ilustrações, infografias e fotos para explicar o dia em que a ditadura caiu.
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Neste seu Atlas Histórico do 25 de Abril tem mapas que mostram a Europa dividida pela Guerra Fria. A evolução da Guerra do Ultramar, com todo o desgaste que causou ao regime liderado por Salazar e depois Marcello Caetano, foi condicionada pelo contexto internacional?

Sim, o contexto internacional que se vivia na época teve efeitos na guerra. Os movimentos de guerrilha em África eram apoiados pelos países do bloco comunista. Portugal pertencia ao bloco Ocidental, mas a teimosia em manter as colónias africanas era uma bizarria para os países ocidentais, que eram críticos do colonialismo português. Portanto, o país foi ficando isolado no contexto internacional ao querer manter o Ultramar. Por isso, em 1974, Portugal tinha poucos aliados e poucos forneciam armas ao regime português.

Outro mapa mostra as três frentes de guerra em que Portugal esteve envolvido em África - Angola, Moçambique e Guiné. Como estava, no terreno, a evolução do conflito em vésperas da Revolução de 1974?

A situação era grave na Guiné, menos grave em Moçambique e estava controlada em Angola. Mas a situação na Guiné condicionou muito a ação de Marcello Caetano, que não queria deixar a Guiné com medo de que o mesmo acontecesse, depois, em Angola e Moçambique. Mas a situação na Guiné era realmente preocupante e a falta de soluções para a guerra foi uma forte motivação para os Capitães derrubarem o regime.

Atlas Histórico do 25 de Abril

José Matos

Guerra & Paz

142 páginas

22,00 euros

As operações em Lisboa foram as únicas decisivas para a queda do Estado Novo ou temos de ter em conta o que se passou no resto do país?

Lisboa era o centro do poder e do regime, portanto, o domínio da capital era fundamental. No entanto, Otelo teve o cuidado de mobilizar unidades por todo o país e houve ações importantes no Porto. Mas foi em Lisboa que o MFA conquistou o poder, ao isolar Marcello Caetano no Quartel do Carmo, obtendo depois a sua rendição. Foi aí que o regime sucumbiu.

Dá destaque gráfico, no seu atlas, ao trajeto das tropas de Cavalaria de Santarém até Lisboa. Porquê?

Dou destaque porque foram tropas importantes na manobra imaginada por Otelo. As tropas de Santarém foram um isco para atrair as forças do Governo. Foi essa a ideia do Otelo, quando pensou em mandar o Salgueiro Maia para o Terreiro do Paço para prender os ministros, mas também atrair as forças leais ao regime. E Otelo estava certo, pois o Governo mandou logo tropas da Cavalaria 7 para o Terreiro do Paço para enfrentar as forças de Santarém, que acabaram por sair vencedoras desse confronto. E foi aí que se decidiu a revolução. Portanto, Santarém teve muita importância nos acontecimentos do Terreiro do Paço e depois no Carmo, no cerco a Caetano.

José Matos, investigador de história militar.
José Matos, investigador de história militar.

Mostra vários tipos de armamento usado no 25 de Abril. O MFA estava mais bem armado do que as unidades fiéis à ditadura?

As unidades fiéis ao regime eram poucas em comparação com as do MFA, mas uma delas era perigosa por causa do armamento que tinha. Estou a falar da Cavalaria 7, em Lisboa, que tinha recebido um reforço de quatro carros de combate M47, vindos de Santa Margarida. Além destes blindados pesados, a Cavalaria 7 tinha viaturas blindadas de rodas e, por isso, podia enfrentar as forças de Santarém com algum sucesso. Mas os M47 eram, de facto, a grande vantagem que o regime tinha a seu favor, pois Santarém não tinha trazido carros de combate para a capital e estava em inferioridade nesse aspeto. Mas Salgueiro Maia foi destemido e conseguiu anular essa vantagem ao enfrentar os M47.

Há um gráfico que mostra a Base das Lajes. Foi a importância estratégica dos Açores que levou os Estados Unidos a apoiarem uma solução democrática em Portugal durante o processo revolucionário, contrariando os que queriam instaurar um regime comunista?

A Base das Lajes era uma base importante para os americanos, mas a sua inclusão no livro deve-se ao facto de ter sido usada por Marcello Caetano como moeda de troca para obter armamento. Os portugueses queriam comprar mísseis terra-ar de fabrico americano e Washington não os queria vender por causa do embargo de armas a Portugal. Foi complicado e as negociações foram duras, mas no final os americanos arranjaram os mísseis por portas travessas. Depois do 25 de Abril, a base continuou a ser importante e o embaixador americano em Lisboa, Frank Carlucci, apoiou os partidos políticos mais moderados, como o PS. Mas seria com certeza um revés para os americanos se Portugal tivesse sido dominado por um regime comunista em 1975, que iria pugnar pela saída da NATO e dos americanos das Lajes. Portanto, a base foi sempre um fator importante, assim como a posição estratégica de Portugal.

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