Uma engenheira com um master em Família que faz do ensino a sua vida

Brunch com Fátima Carioca, diretora da AESE Business School.
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É na Sala de Jantar da AESE que nos sentamos à mesa para conversar. "Gosto muito destas refeições assim", confessa Fátima Carioca, servida de um buffet de pães e croissants, panquecas e doce, queijo e fiambre, ovos mexidos e bacon, sumos naturais, chá e café que o senhor José vai repondo com atenção de quem está acostumado e gosta daquelas artes. E para sobremesa há pastéis de nata. E é natural que a diretora da escola de negócios, mulher de família que é, aprecie aquele sentimento de quem está em casa, podendo usufruir do carinho das relações ali construídas desde que chegou à AESE, primeiro como professora e desde há oito anos a desenhar estratégias e a acompanhar e marcar o dia a dia da instituição, como o papel de dean lhe exige.

É pela escola que arrancamos a conversa, com os desafios de uma nova revolução industrial que obriga a adaptar competências e a empurrar cada vez mais pessoas para o caminho da formação e da reconversão. E será também pela vontade de ir fazendo sempre coisas diferentes e pelas vantagens de poder ter alguma liberdade para escolher o próprio destino que terminará a conversa, com a fabulosa ideia de cada um de nós poder travar, "reformar-se" por uns tempos, recomeçar ou retomar depois de beber novas experiências. E quão enriquecedor seria poder fazer isto várias vezes na vida... Lá iremos.

Por agora, falamos da reconversão profissional em curso e como essa necessidade fez aumentar a procura na AESE nestes anos de pandemia, ainda que o ritmo não tenha sido igual em toda a oferta formativa: aumentou sobretudo nos programas de requalificação para a gestão e nos cursos online, potenciados pela covid. Essa reconfiguração, admite Fátima Carioca, permitiu de certa forma abrir a AESE ao mundo - ainda que a escola não atraia muitos alunos estrangeiros, exceto quem viva em Portugal, está agora a abrir-se a Angola, Moçambique, Cabo Verde e outros países de expressão portuguesa, graças aos programas digitais.

"As pessoas habituaram-se a ter tempo para si, para a formação, para investir nelas próprias, mesmo porque os tempos de mudança implicam desafios diferentes e isso fá-las sentir necessidade de se capacitarem para a mudança", justifica a dean. Fala num tom calmo e familiar, com calor na voz e um sorriso que conforta e parece abraçar-nos com as palavras. "As próprias chefias, os líderes que achavam que já não poderiam mudar certas pessoas, ficaram agradavelmente surpreendidos com a mudança."

Explica-me que, mais do que preparar os desafios atuais, a missão da AESE é equipar para o futuro, dar ferramentas para o construir, e isso ganhou significado no contexto atual: "Há uns anos era dado adquirido como se geria pessoas, como se adquiria produtividade, o que era o caminho... Hoje é tudo muito mais dinâmico. Nós ensinamos mais do que só o conhecimento, passamos a sabedoria para aprender a tomar boas decisões. e o facto de trabalharmos em sala com outros líderes é um grande valor que temos: quando temos, dúvidas, partilhamos mais facilmente, expomo-nos sem nos expormos. Todos ali são colegas, professores e alunos em simultâneo. E numa realidade de turbilhão que é comum a todos. Cada um tem o seu barco, mas estamos todos no meio da tempestade."

Fátima tem uma expressão ótima para representar a mudança de vida que a fez pousar a Engenharia e pegar no Ensino: "foi uma agulhagem radical na trajetória profissional", diz, assumindo que a sua formação foi escolhida com o coração e alimentada por uma extraordinária apetência para as matemáticas.

"Está no meu ADN ser engenheira. O engenheiro resolve equações e entendendo as variáveis não há impossíveis, consegue-se sempre encontrar solução e caminhos", explica com paixão, para contar que foram assim os seus primeiros 20 anos de carreira. "Comecei na agora Altice, num grupo de seis engenheiros, criámos uma startup de desenvolvimento de software." Tudo simples. Ou nem por isso: a empresa, que era portuguesa, estava dependente de fornecedores holandeses, obrigando a equipa fundadora a mudar-se de armas e bagagens. O projeto de estreia não era coisa de somenos: nada mais que os sistemas de comando e controlo para as fragatas da marinha portuguesa. "O desafio e a mudança de país criou em nós uma grande coesão", limita-se a dizer, para acrescentar com tanta leveza quanto leva mais uma garfada à boca que depois desse projeto "a empresa evoluiu" e veio a criar o sistema de controlo do aeroporto de Lisboa. Fátima Carioca tinha então pouco mais de 20 anos e diz que essas experiências a fizeram crescer "depressa e em todas as frentes, incluindo a estratégia".

Quando a startup chegou às 80 pessoas e foi preciso reorganizar-se, foi ela que abraçou o desafio da gestão de pessoas - o que iria ser a raiz da sua segunda vida, no ensino. "A primeira razão para isso foi dois dos meus filhos serem ainda muito pequenos e ser difícil, mesmo com todo o apoio que sempre tivemos dos avós, conciliar o meu horário e o do meu marido com os das crianças." Alexandre e Filipe já estão nos 30, Sílvia a chegar, mas então a realidade era outra e gerir duas carreiras com dois bebés em casa era demais. Mas não foi a única razão que moveu Fátima Carioca: "As pessoas eram a matéria-prima da empresa, era brainware, e eu gostava muito de ver desenvolver as equipas, a organização", assume.

Fala muitas vezes na primeira pessoa do plural, juntando nesse "nós" ela e o marido. A união é profunda, tanto que desde que se conheceram no Técnico nunca deixaram de guardar momentos para os dois, projetos para fazer em conjunto. O voluntariado é um deles e já nesses tempos o era, passando muito por causas ligadas ao apoio familiar, o que deu um empurrão determinante para se atirar ao Mestrado que cumpriu na Universidad de Navarra, em Matrimónio e Família. Eram temas com que lidava diariamente também na Edisoft, os da vida pessoal vs. profissional, da conciliação, e que queria entender com fundamento, além da sensibilidade.

"O mestrado foi muitíssimo interessante porque me deu essa vertente e porque tinha uma amplitude enorme, correndo as disciplinas todas, da antropologia à economia, sempre na ótica da família. Foram ótimos momentos", recorda. Por essa altura, veio fazer o PDE à AESE - estava então o IESE a nascer com o modelo das famílias familiarmente responsáveis e desafiou-a a trazer o prémio para cá. Entre aceitar e ser convidada a desempenhar funções mais sérias na escola foi um tirinho. Mas Fátima precisava de ter a certeza da escolha e ainda passou dois anos a dividir o tempo entre a empresa e a escola, antes de entrar em full time, em 2005, já com a certeza de que o ensino também tinha uma boa dose de desafios semelhantes aos da engenharia. "O mindset de apontar a um sentido, analisar as variáveis e resolver está todo lá."

Determinada, resiliente, persistente e criativa, Fátima reconhece que os "momentos eureka" são extremamente estimulantes mas os de cimentar as coisas, as organizações, não ficam atrás em desafios e capacidade de proporcionar felicidade. E esse é, na verdade, o driver mais importante da sua vida, no qual a família ocupa um papel central e estando muito consciente de que precisa de se pôr, a todo o momento, ao serviço dos outros. Foi esse conjunto de pedaços fundamentais da sua matéria, incluindo a forte e muito presente matriz católica, que a levaram à engenharia.

O pai era engenheiro especializado em nuclear, a mãe cuidava dela e dos dois irmãos e das avós, todos lá em casa. No secundário, Fátima diz que teve "a sorte de o Filipa de Lencastre deixar escolher disciplinas e como estava indecisa peguei em várias dos dois lados: História, Português, Filosofia, mas também Matemática, Físico-Química". A sua queda para os números era tão óbvia e dominante - confessa que costumava resolver os problemas do irmão mais velho, em troca de este lhe escrever as redações -, que entrou mesmo na licenciatura de Matemática. Mas cedo percebeu que nessa não havia um lado prático, de entrega, de aplicação e impacto - e foi isso que a empurrou para o Técnico e para a engenharia eletrónica, onde era um de apenas duas meninas. Foi lá que conheceu o marido e recorda que viveu ali tempos maravilhosos, numa borbulhante sociedade pós-revolução em que tudo estava por fazer e as mãos dos universitários eram necessárias a professores de topo como José Tribolet.

Os valores que recebeu e que alimentou com o marido e com outras pessoas que foram integrando a sua vida - sempre estimulou as decisões tomadas em conjunto e é entusiasta de soluções como campos de férias, equipas de Nossa Senhora, iniciativas de jovens e tudo quanto possa contribuir para esse sentido de comunidade e partilha - passou-os aos filhos. "Tenho um no ar, um no mar e uma em terra", ri-se. Depois explica que um está na área da logística internacional aérea, outro é piloto da marinha mercante e a mais nova é professora de ginástica. "E vejo ambição e competição salutar nos três: eles lutam pelo que querem realizar, mas não no sentido de uma ambição desmedida; nunca perdem de vista os princípios", orgulha-se.

Agora, além da escola, Fátima está envolvida na preparação das Jornadas Mundiais da Juventude 2023, fazendo "backoffice às equipas no terreno, acompanhamento dos voluntários para que não percam o sentido do movimento que ali os levou". O seu trabalho, e do marido, termina quando começarem as jornadas. E que fará quando se reformar? Claramente irá fazer muitas coisas, porque Fátima Carioca não sabe estar parada - "tenho saudades de viajar, conhecer novas culturas, e gosto muito de ler mas também de fazer coisas com as mãos, cozinhar, lavar a loiça, fazer tricot, o que for", confessa. Ainda assim, não é apegada a funções e garante que quando sentir que a missão está cumprida terá facilidade em libertar-se dela. "Sempre defendi essa postura, de não termos trabalhos que nos violentassem, e isso dá-nos enorme liberdade interior." Defende até que devia haver várias reformas por vida, anos sabáticos em que pudéssemos deixar tudo, sair, arejar e abrir a cabeça, ter novas experiências e voltar muito mais ricos à atividade. Assim resistisse a sustentabilidade da segurança social. Quanto a Fátima Carioca, não sabe o que ainda fará na vida, mas tem a certeza de que abraçará novos desafios. Até lá, tem um projeto: começar a levar o neto, de 2 anos, nas viagens de carro, por Portugal e países vizinhos, que já fez com os filhos, que hoje faz só com o marido, e que quer alargar como experiência às novas gerações. "É uma viagem vivida a três momentos, o de planear, o de experimentar e o de contar aos pais e criar memórias. Isso é muito interessante", diz. É também nos mais jovens que pousam os seus olhos quando está na AESE. Acredita que temos sempre de olhar a geração seguinte, que é a única forma de ver o futuro e trabalhá-lo, de assegurar a continuidade mesmo nos momentos em que perdemos o chão, como aquele 13 de março de 2020, quando teve de decidir fechar portas. "É nos mais novos que está o futuro. Não os podemos perder de vista."

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