“O atual enquadramento estatutário subestima a natureza multifacetada deste tipo de Unidades Locais de Saúde, de cariz universitário, e dilui a sua missão que, como referido, para além da atividade clínica e assistencial primordial, comporta a formação básica e avançada de recursos humanos em saúde, designadamente o ensino médico pré e pós-graduado de medicina e das restantes ciências da saúde, bem como a imperativa necessidade de estímulo à investigação científica, à inovação biomédica e ao desenvolvimento e avaliação de tecnologias de saúde.” A conclusão é clara e consta do relatório final da Comissão Técnica Independente que analisou o estatuto das Unidades Locais de Saúde (ULS) que integram hospitais universitários, como São José, Santa Maria, São João, Santo António e Coimbra,a presentado há mais de duas semanas aos ministros da Saúde e Educação, e hoje tornado público.No documento, a que o DN teve acesso, esta comissão - presidida pelo ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, mas que integra ainda o cirurgião cardiotorácico, José Fragata, vice-reitor para a área da Saúde da Universidade Nova de Lisboa, e Xavier Barreto, presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, entre muitos outros – defende que o atual regime estatutário das ULS não favorece as que têm cariz universitário. Pelo contrário, “subestima a sua natureza multifacetada”. Por isso, propõe mesmo uma alteração estrutural considerando que as ULS com hospitais universitários passem a ser Centros Clínicos Universitários com um estatuto próprio, com um modelo de gestão e de organização diferente dos outros.Alertando mesmo: “A transformação das atuais Unidades Locais de Saúde de cariz Universitário em Centros Clínicos Universitários representa uma oportunidade estratégica essencial para o aprofundamento, desenvolvimento e consolidação do Serviço Nacional de Saúde e do próprio sistema de saúde português, num processo de modernização e de aproximação a modelos de excelência internacionais na missão integrada das dimensões clínica, de ensino, da investigação e da inovação, de um modo transdimensional.”Nas considerações gerais sobre a análise que foi feita por esta comissão é referido que “o atual enquadramento estatutário subestima a natureza multifacetada deste tipo de ULS, de cariz universitário, e dilui a sua missão que, como referido, para além da atividade clínica e assistencial primordial, comporta a formação básica e avançada de recursos humanos em saúde, designadamente o ensino médico pré e pós-graduado de medicina e das restantes ciências da saúde, bem como a imperativa necessidade de estímulo à investigação científica, à inovação biomédica e ao desenvolvimento e avaliação de tecnologias de saúde”..ULS: apenas uma de muitas ferramentas para salvar o SNS. Os especialistas que integram a comissão reforçam ainda que o“presente modelo de organização, as ULS de cariz universitário, não refletem adequadamente a sua vocação e impacto enquanto centros integrados que combinem atividade clínica de elevada diferenciação, ensino de crescente complexidade e exigência, formação de profissionais altamente qualificados e instituições orientadas para a investigação e inovação biomédicas e clínicas, características que transcendem amplamente o domínio estrito da prestação de cuidados de saúde”.Mais. Alertam mesmo que "o impacto social" da passagem de um modelo para outro não deve ser subestimado e que a sua execução deve ser concretizada de forma "urgente", já que, defendem, “a capacidade de desenvolver e aplicar soluções clínicas avançadas e inovadoras destes novos Centros Clínicos Universitários refletir-se-á direta e indiretamente na melhoria da saúde das populações”.Segundo a comissão, o de estatuto atual estar a “limitar a capacidade destas instituições de realizarem integralmente o seu potencial transformador, restringindo assim o seu desenvolvimento científico e pedagógico e tornando claros os limites do modelo atual ao nível da sua governação e financiamento”. Para os especialistas que analisaram o estatuto das ULS este contém uma “indefinição estratégica e operacional”, que “enfraquece a identidade institucional destas ULS, dificultando a captação de recursos humanos, materiais e financeiros, bem como a sua capacidade de articulação com as redes nacionais e internacionais de ensino e de investigação”.Centros devem ter ligação direta entre área clínica, universidades e investigaçãoNo relatório entregue aos ministros Ana Paula Martins e a Fernando Alexandre é referido que os novos Centros Clínicos Universitários devem “tornar-se ambientes de formação de excelência, onde a integração teórico-prática é reforçada por ligações diretas e articuladas com as atuais escolas médicas e outras instituições de ensino e investigação na área das ciências da saúde”. E isto porque, explicam ainda, “a exposição dos estudantes destas diversas entidades de ensino superior a cenários reais, combinada com metodologias pedagógicas inovadoras, não só eleva o padrão de formação como também estimula uma cultura integrada de investigação e de reflexão crítica, desde os primeiros estágios da formação aos mais avançados e ao longo da vida dos profissionais de saúde, para além de promover uma melhor articulação interprofissional e um trabalho em equipa mais eficiente e mais gratificante”. No entender da Comissão Técnica Independente, tudo isto “é essencial para formar profissionais adaptados às constantes transformações tecnológicas e sociais que impactam o setor da saúde e ao desenvolvimento de um ecossistema propício à inovação e ao desenvolvimento económico e social do país”. Estes novos centros “constituirão polos estratégicos de inovação, onde a colaboração com as universidades, as unidades de investigação, a indústria farmacêutica e a biotecnológica, bem como as agências governamentais, fortalecerá as redes de conhecimento, estimulando uma produção científica com elevado impacto clínico, económico e social”. Os elementos da comissão argumentam que “a dimensão de articulação multi-institucional dos Centros Clínicos Universitários, associada a uma visão estratégica de médio-longo prazo, contribuirá para atrair financiamento e talento, consolidando a reputação nacional e internacional destas novas entidades, com repercussão positiva sobre todo o Serviço Nacional de Saúde”, lê-se no relatório final, sublinhando que que “a integração entre as dimensões assistencial, de ensino e formação e de investigação e inovação nos Centros Clínicos Universitários permitirá não só maximizar sinergias como melhorar até a qualidade do desempenho assistencial”.Centros Clínicos são uma reforma desejada no SNSNo relatório, é ainda defendido que a transformação das ULS de cariz universitário em Centros Clínicos Universitários “é não só uma resposta desejada e complementar a anteriores reformas do Serviço Nacional de Saúde, mas também se afirma como crucial no alinhamento da identidade, governação e financiamento das atuais Unidades Locais de Saúde, de cariz universitário, com as responsabilidades que lhes estão acometidas, capacitando assim estas instituições para o desenvolvimento de soluções inovadoras, para o estabelecimento de parcerias estratégicas, e contribuindo, desse modo, de maneira mais consistente para a melhoria contínua do sistema de saúde e o progresso científico do país”.Neste contexto, refere a comissão, “a transição das Unidades Locais de Saúde, de cariz Universitário, para Centros Clínicos Universitários é uma medida indispensável e urgente, tendo em vista a necessidade de alinhamento da sua estrutura organizacional e identidade institucional de forma sinérgica e possibilitando uma abordagem mais integrada e robusta nas suas diferentes dimensões assistencial, académica, investigação e inovação”.Mas para que este modelo funcione, “os Centros Clínicos Universitários deverão adotar um modelo de gestão flexível assente numa estrutura operacional adaptável às mudanças nas necessidades específicas da saúde, da ciência e da educação e da economia, incluindo aspetos de estratégias regionais, nacionais e europeias”, podendo mesmo “estabelecer vínculos institucionais colaborativos com entidades externas, nacionais e estrangeiras, de modo a assegurar uma melhor integração entre assistência, ensino, investigação e inovação, nomeadamente desenvolvendo programas de transferência de conhecimento com outras instituições, públicas ou privadas”.A comissão recomenda ainda que seja criado um “Conselho Nacional dos Centros Clínicos Universitários com a missão de aconselhar relativamente às adaptações necessárias para lidarem com as constantes mudanças na saúde e uniformizar as normas de funcionamento, estimulando a sua competitividade e zelando pela sua eficácia e eficiência”.Recorde-se que esta nova organização do Serviço Nacional de Saúde em Unidades Locais de Saúde, que integram cuidados hospitalares e primários, entrou em vigor em janeiro de 2024, levando à extinção das antigas Administrações Regionais de Saúde. Dirigentes das unidades hospitalares que integram faculdades de Medicina têm vindo desde o início a alertar para o facto de estes não poderem ter estauto idêntico a uma ULS que apenas tem área clínica. E o resultado da análise feita pela comissão nomeada pelo Governo está à vista.