O ambiente de confiança que se viveu durante os primeiros dias da cimeira do clima, a decorrer em Marraquexe, arrefeceu da noite para o dia depois de se saber da vitória de Donald Trump (ver págs. 8 a 15 desta edição), que durante a campanha para a presidência classificou as alterações climáticas como uma "farsa" e defendeu a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris..Apesar das dúvidas que ressurgem no horizonte, ontem todos preferiram reafirmar publicamente a confiança nas futuras ações comuns para travar as mudanças do clima causadas pela civilização industrial, que há 150 anos está a injetar na atmosfera do planeta volumes cada vez maiores de gases com efeito de estufa..Sob a nova sombra de incerteza, cujas repercussões são ainda difíceis de avaliar, os delegados à COP 22 decidiram manter o espírito otimista e prosseguir normalmente os trabalhos. Até porque esta COP continua a ter a missão de delinear - ou, pelo menos, de iniciar esse processo - as regras do acordo aprovado na capital na francesa em dezembro do ano passado e, desde a última sexta-feira, em vigor..Manter Trump no barco.Em declarações ao longo do dia, muitos responsáveis políticos optaram por desvalorizar um eventual risco que a vitória de Donald Trump poderá representar para a luta comum contra as alterações climáticas, preferindo sublinhar a robustez do Acordo de Paris, como fez a ministra francesa do ambiente Ségolène Royal..A governante, uma dos que mais se empenharam na construção e aprovação do documento e do que ele representa, lembrou que o texto prevê que um país não pode pura e simplesmente abandoná-lo antes de um prazo de quatro anos, durante os quais estão previstas uma série de burocracias que terão de ser cumpridas.."À hora em que vos falo, 103 países ratificaram [o Acordo de Paris], representando 70% das emissões [de gases de efeito estufa]", afirmou Ségolène Royal à rádio RTL, notando que "ele [Trump] não pode, contrariamente ao que disse, renunciar ao acordo de Paris",.A União Europeia (UE), pela voz da sua chefe da delegação à COP, Gabriela Fischerova, reafirmou o mesmo espírito de irreversibilidade. "A nossa legislação está em vigor, independentemente [do resultado das eleições nos Estados Unidos]", disse ontem Fischerova, em Marraquexe.."O mundo pode contar com a UE para continuar a liderar nas questões climáticas e na transição global para as energias limpas" e, para isso, "precisamos de ter todos os parceiros a bordo", escreveu por seu turno, na sua conta de Twitter, o comissário europeu para a Acção Climática e Energia, o espanhol Miguel Arias Cañete..No mesmo tom direto, o chefe da delegação do Japão à COP 22, Shigeru Ushio, só precisou de duas palavras: "Sem alteração", disse ele, referindo-se a possíveis repercussões do resultado eleitoral nos Estados Unidos..Já ao final do dia, o presidente da COP 22, o marroquino Salaheddine Mezouar, depois de felicitar Trump e de sublinhar "as responsabilidades comuns de se continuar com os grandes progressos alcançados até à data", afirmou a sua convicção "de que todas as partes vão respeitar os seus compromissos e manter em curso este esforço coletivo"..Na Casa Branca, a administração Obama ainda em funções fez também questão de reforçar a sua posição em defesa do Acordo de Paris e das ações que o documento vai implicar.."Esta administração estará empenhada na implementação dessas políticas [no âmbito do Acordo de Paris] até 20 de janeiro e vamos cumprir os compromissos que assumimos", disse o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, em conferência de imprensa..Receios de uma marcha atrás.Entre muitos dos delegados e ambientalistas presentes em Marraquexe dominava, no entanto, um sentimento de grande incerteza e o receio em relação ao futuro, dadas as posições que Trump por várias vezes tomou durante a corrida à Casa Branca..Em diferentes ocasiões, o próximo presidente dos Estados Unidos classificou e o aquecimento global como "uma farsa", refutou a ciência das alterações climáticas, classificando as alterações climáticas como "uma invenção da China" e garantiu aos seus eleitores não apenas que tomará a decisão de sair do Acordo de Paris, mas que tudo fará para revigorar a economia e os empregos ligados à exploração e utilização dos combustíveis fósseis.."Este é um dia negro, negro, negro", desabafou Jesse Bragg, da Corporate Acountability International, presente nas negociações em Marrocos. E Becky Chung, da SustainUs manifestou-se "destroçada", bem como muitos outros que ontem participaram nas ruas de Marraquexe numa manifestação para repudiar as posições de Trump em relação ao problema das alterações climáticas..Para lá do choque que a eleição de Trump causou entre os participantes da COP 22, no entanto, e independentemente do que vier a suceder no futuro, o espírito dominante continua a ser ali o de que "é preciso continuar a trabalhar com o mesmo vigor". Para alguns observadores, o tom conciliador do discurso de vitória de Trump pode ser um sinal positivo e, pelo que está em jogo, todos esperam fervorosamente que assim seja.