Rui Pinto condenado a quatro anos de prisão com pena suspensa
Rui Pinto foi condenado a quatro anos de prisão, com pena suspensa, no julgamento do processo Football Leaks, anunciou esta segunda-feira a juíza-presidente na leitura do acórdão realizada no Juízo Central Criminal de Lisboa.
"Que se abstenha de comportamentos como estes que foram aqui apreciados. Assume uma gravidade bastante considerável. Num Estado de Direito ninguém poderá estar acima da lei e deixar de lhe dever obediência. Não vale tudo e nunca poderá valer tudo. Ninguém mais do que os polícias e os tribunais gostaria que a justiça fosse mais célere, mas os fins nunca poderão justificar os meios", afirmou Margarida Alves.
Ao longo de cerca de duas horas, a presidente do coletivo de juízes abordou essencialmente os factos que não foram dados como provados no julgamento, redundando na condenação de Rui Pinto por nove crimes e na amnistia de 79, além da absolvição dos outros. As penas parcelares aplicadas por cada crime atingiam um total de 10 anos e nove meses, mas traduziu-se numa pena única de prisão de quatro anos, suspensa na execução.
O principal arguido do caso foi condenado pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, três de violação de correspondência agravado e cinco de acesso ilegítimo, caindo os restantes pela aplicação da lei da amnistia aprovada no âmbito da vinda do Papa a Portugal e por falta de provas.
Já Aníbal Pinto foi condenado pelo único crime de que vinha acusado: a tentativa de extorsão, que lhe valeu uma pena de dois anos de prisão com pena suspensa.
Ainda em relação a Rui Pinto, o tribunal considerou não haver condições para uma atenuação especial da pena, ao lembrar que as "exigências de prevenção geral também se mostram elevadas" face aos factos praticados neste processo.
"Não ignoramos as consequências de parte da sua atuação, a contribuição para a transparência de determinadas matérias e a sua evolução comportamental. A verdade é que a imagem global da factualidade por si cometida não nos permite falar em culpa diminuta. A ilicitude dos factos é elevada, tal como a culpa", referiu Margarida Alves.
A presidente do coletivo de juízes descartou também a invocação do estatuto de denunciante, ao defender que a proteção ao abrigo desse regime "terá de ter por base a inexistência da prática de um crime pelo próprio na obtenção da informação" e que o direito à liberdade de expressão não é argumento que justifique a violação do sigilo da correspondência.
Rui Pinto, de 34 anos, foi acusado pelo Ministério Público de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O advogado de Rui Pinto destacou a ausência de pena de prisão efetiva na decisão do julgamento do processo Football Leaks, que foi conhecida esta segunda-feira e se traduziu em quatro anos de pena suspensa.
"É um sinal positivo para o trabalho que o Rui Pinto desenvolveu em termos de defesa do interesse público que não haja qualquer condenação em prisão efetiva, o que era sempre um risco possível em termos legais. O tribunal entendeu que não o devia fazer e penso que corretamente", afirmou Francisco Teixeira da Mota.
Em declarações aos jornalistas à saída do tribunal, o advogado do principal arguido deste processo assumiu a sua discordância em relação a algumas partes do acórdão lido pela juíza-presidente Margarida Alves, mas vincou que não esperava uma absolvição do seu cliente, pois este já tinha reconhecido ter cometido ilegalidades e expressado arrependimento.
"O que ele esperava era que fosse tido em conta também o serviço público que prestou e creio que esta decisão reconhece a existência de um serviço público. Vamos analisar a decisão e ver o que vamos fazer a partir daqui", frisou o mandatário, deixando aberta a porta a um eventual recurso desta decisão.
Questionado sobre o impacto da lei da amnistia aprovada no âmbito da vinda do Papa Francisco a Portugal e que resultou na sua aplicação a 79 dos 90 crimes que tinham sido imputados a Rui Pinto, o advogado lamentou o que disse ser um entendimento demasiado restritivo para se efetuarem perdões de penas em Portugal.
"Acho sempre simpático as amnistias, como acho sempre simpático a vinda do Papa. É sempre uma coisa positiva, porque entendo que o cumprimento das penas de prisão é muitas vezes excessivo e nós precisamos sempre de grandes coisas para fazer amnistias... Nos Estados Unidos da América as amnistias são feitas nos estados meramente para desimpedir as prisões. Nós temos cá uma lógica muito repressiva", resumiu.
Francisco Teixeira da Mota evitou alongar-se sobre a colaboração do criador do Football Leaks com as autoridades, apesar de presumir que a mesma irá continuar, mas visou o Ministério Público pela segunda acusação a Rui Pinto, que em julho imputou a prática de 377 crimes por factos cometidos na mesma altura que os que estavam em causa neste julgamento.
"É um processo diretamente ligado a este, com casos da mesma época, e que foi separado artificialmente... E a senhora procuradora já avisou que vai fazer um terceiro processo, porque não teve a possibilidade de acabar com este. Isso é que é o preocupante: há uma lógica de defesa dos interesses da acusação que leva a que o arguido - pelos mesmos factos decorridos no mesmo período de tempo - tenha três julgamentos separados no tempo. Vamos contestar, estudar, trabalhar, lutar... Enfim, fazer o que nos compete enquanto advogados", finalizou.
O ex-CEO do fundo de investimento Doyen considerou que a pena suspensa de quatro anos de prisão aplicada a Rui Pinto no julgamento do processo Football Leaks "podia ter sido mais severa".
"Durante muito tempo muita gente colocou em causa aquilo que dizíamos e que, efetivamente, houve tentativa de extorsão e não foi conseguida, porque nós também nunca tivemos intenção de pagar. Queríamos procurar os criminosos e levá-los à justiça. O tribunal acolheu na sua plenitude a nossa versão dos factos. Foi punido e muito bem, acho que podia ter sido uma pena mais severa, mas foi o que o tribunal entendeu", afirmou Nélio Lucas.
Para o antigo diretor executivo da Doyen Sports Investment, que viu o tribunal considerar esta segunda-feira como provada a tentativa de extorsão por parte dos arguidos Rui Pinto e Aníbal Pinto, o arrependimento manifestado no julgamento pelo criador do Football Leaks foi apenas instrumental e que Rui Pinto sabia estar a cometer um crime ao exigir dinheiro para o fim das publicações de informações confidenciais da Doyen.
"Ele próprio admitiu que se arrependeu, porque a vida dele estava numa trapalhada, portanto, é o arrependimento que mais jeito lhe dá. Ele sabia bem ao que ia, aquilo que fez, foi aconselhado por alguém que deveria saber ainda mais do que ele, alguém que acabou por ser punido também. A justiça foi feita e fico muito feliz por isso", sintetizou aos jornalistas à saída do Juízo Central Criminal de Lisboa, onde assistiu à leitura do acórdão.