Três filhos, três empresas e um restaurante. A vida deles é um passeio no parque

Brunch com Erik Ibrahim e Inês Santos, empresários e gestores, fundadores do Terroir.

Malabarismo, com muito gosto, é talvez a expressão que melhor descreve o que fazem Inês Santos e Erik Ibrahim. A entrar nos 30 anos (ele ainda tem 29), dividem-se entre três bebés, um negócio de distribuição de medicamentos em Luanda e duas empresas angolanas em que têm também participação. Mas é no Terroir que mais cumprem os sonhos que os uniram desde que se conheceram quando faziam o curso. Juntos, da Escola Superior de Hotelaria do Estoril foram para "uma pequena cidade chinesa de 10 milhões de habitantes" e daí regressaram a casa, casaram-se, tiveram a primeira filha, Madalena, hoje com 3 anos, e em plena pandemia abriram o restaurante na Rua dos Fanqueiros, onde servem a experiência de uma vida de anos parcos mas muito preenchidos. Há ano e meio levaram para casa a Beatriz e há poucos dias juntou-se-lhes o recém-nascido Frederico, que nos acompanha a conversa à mesa do Amélia (do grupo I LoveNicolau), em Campo de Ourique, como observador atento e tranquilo, à espera que o compromisso dos pais termine para ir à consulta do mês.

A escolha da casa cor-de-rosa em plena Ferreira Borges (cujos criadores chamam baronesa, fazendo jus à sua riqueza decorativa) não é casual. Mesmo vivendo do lado de lá da ponte, Inês e Erik escolheram-na de um leque alargado pela experiência de ir testando tudo quanto aparece na oferta gastronómica, cá como lá fora, uma paixão que os levou a entrar na restauração, mesmo sabendo que este é um "mundo-cão, com horários miseráveis, muita pressão, por vezes clientes difíceis e complicações inesperadas". Erik não se queixa, apenas constata o dia-a-dia de quem gere um restaurante - mesmo que hoje se dedique maioritariamente a operações de backoffice, faturação, pagamentos e reuniões.

Pedimos ovos Benedict com bacon, um flavoured latte de caramelo descafeinado com bebida de aveia e chá de rooibos para eles, eu opto pela Beakfast Sandwich (sanduíche em focaccia com abacate, bacon, queijo e ovo estrelado) e café duplo. No jardim de inverno aquecido por poderosos radiadores, o pequeno Frederico observa-nos da cadeirinha enquanto Inês e Erik vão percorrendo as contas dos últimos oito anos das suas vidas. Relatam-me o ano passado na China, em management training, Inês na parte de Alojamento e Erik em Food & Beverage: "Vivíamos no hotel 5 estrelas onde trabalhávamos, comíamos lá, mas isso deu-nos oportunidade de viver algo diferente sem perder a parte cosmopolita, de viajar e conhecer toda a Ásia, enquanto estávamos sediados numa região incrível, uma cidade green com uma ilha em frente onde se chegava de ferry e não havia veículos motorizados, com praia, turismo, uma loucura."

"Quando voltámos da China, achámos que essa experiência nos daria vantagem para arranjar emprego, mas eram os anos da troika e tudo era difícil", recordam. Foi então que arrancaram na distribuição de medicamentos, inspirados pelo negócio do pai de Erik, que trabalhava a área precisamente em Luanda - "não havendo produção em Angola e sendo os requisitos muito semelhantes aos nossos, comprava cá a distribuidores portugueses e distribuía lá". A distribuidora que fundaram mantém papel de relevo no dia-a-dia e Erik garante que o facto de não serem de saúde mas de gestão os ajuda nisso porque lhes dá muito maior abrangência de visão.

Mas se é à farmacêutica que se dedicam a tempo inteiro, o Terroir é o "sonho realizado". E começou precisamente com outra paixão, a das viagens. "Numa viagem a Paris, fomos ao L"Avant Comptoir e achámos fantástica aquela atmosfera de partilha, ao balcão, com desconhecidos a interagir - e nasceu o embrião do conceito."

Mas os portugueses não adoram este tipo de misturas e rapidamente os jovens restauranteurs perceberam que teriam de adaptar o conceito que começava a ganhar forma na Rua dos Fanqueiros. Com o primeiro confinamento a entrar em força, partilhar comida, espaço e interação em pouco espaço era ideia que não vingava. Então arrepiaram caminho e adicionaram uns sofás com mesas ao lado do balcão corrido. E se as tapas criativas deixavam de ser viáveis - o ticket esperado era de 20 euros e o público-alvo esperado os turistas, a quem entregavam a missão de fazer os portugueses entender que aquela era uma boa fórmula -, havia que reinventar a forma de as servir.

"Sentámo-nos com o chef e fizemos menu de degustação com as tapas, prolongando as estadas para duas horas em que as pessoas consumiam (e pagavam) mais por refeição."

Reinventar, aprender, melhorar

Na altura, o chef era José Lopes, recém-saído de uma carreira no Eleven ao lado de Joachim Koerper e de uma breve passagem como chef residente de um restaurante no Príncipe Real encerrado pela pandemia. "Tinha experiência de estrela Michelin, mas era muito agarrado à cozinha portuguesa e foi uma combinação ótima: fazia umas invenções, um bitoque de novilho cozinhado longas horas, desfiado, com ovo a baixa temperatura, batata dele, mas o molho tradicional."

Quando José Lopes saiu para outro desafio, recomendou-lhes o sucessor, Tiago Rosa. Era dezembro, vésperas de novo confinamento, o que lhes deu tempo para que regressasse da Holanda, onde estava a viver, se conhecessem e trabalhassem novos menus.

Com apenas 26 anos mas uma década de carreira - aliás, como um dos sócios de Erik e Inês, o chefe de sala, Fernando (da escola do chef Rui Paula na Casa de Chá, e a quem não poupam elogios), o mais velho desta companhia que conta já com 11 profissionais com uma média de 30 anos -, a sua mestria não condiz com os traços de rapaz. E por vezes é difícil convencer os estrangeiros - hoje 70% dos clientes da casa, entretanto alargada com uma segunda sala - de que é mesmo ele o chef que cruza os mais sofisticados métodos internacionais com os sabores de Portugal, sejam os pastéis de bacalhau feitos com raia, os petit fours de bolacha Maria ou a ostra com molho de bacalhau à Zé do Pipo.

O alargamento do conceito para ganhar este lado mais caseiro aconteceu por acaso - o senhorio ofereceu-lhes a possibilidade de expansão para a sala ao lado - mas foi oportunidade que não desperdiçaram. E em cuja construção já souberam aplicar a aprendizagem dos primórdios do Terroir. Entre leasing e capitais próprios, investiram até agora cerca de 180 mil euros - metade garantida por eles, metade por um outro sócio que também é família, o pai de Inês, que tem como negócio familiar próprio a fábrica de batatas fritas Dalimar -, a esmagadora maioria do capital na primeira fase.

Equilíbrio perfeito

"Na primeira versão do restaurante, onde cabiam umas 20 pessoas, gastámos oito vezes mais do que agora, para mais que duplicar a capacidade", recordam. Faz parte da aprendizagem", dizem, com a mesma tranquilidade com que descrevem um episódio em que começou a chover em cima do quadro elétrico do restaurante ou como têm as tarefas diárias tão oleadas que com três filhos e tantas tarefas só têm ajuda de uma senhora que faz limpezas lá em casa uma vez por semana.

Organizados como são, e com o êxito que tem sido o Terroir mesmo com turistas limitados, metade dos portugueses ainda receosos e sem direito a apoios à exceção de três meses de layoff (tendo aberto em pandemia, não se qualificavam para perdas relativamente ao ano anterior), veem a luz do payback a uma distância não superior a três anos. E se pouco os angustia, acreditam haver razão para isso: "Começámos com o mundo ao contrário e sentimos que se sobrevivemos a tudo, somos capazes de passar o que vier."

É por isso que encaram com toda a naturalidade que sejam os únicos dos seus amigos e família que estão casados, têm filhos e negócios próprios, uma casa com três quartos num condomínio privado e um nível de vida incomummente alto para os seus 30 anos. "Às vezes sentimo-nos velhos, com tudo o que temos na nossa vida. Mas foi a escolha que fizemos, sempre quisemos ter família grande e cedo e somos muito felizes" - e vê-se bem que assim é. "Todo o tempo que temos é para os miúdos, para os levar a passear, ao Oceanário, a uma quinta pedagógica... andamos sempre com eles para todo o lado."

Ainda assim, sonham com o dia em que, talvez em pouco mais de uma década, os pequenos já sejam independentes o suficiente para Inês e Erik recuperarem parte da sua vida a dois, voltarem a viajar, a fazer desporto. Até lá, estão concentradíssimos num projeto de vida em que apostam tudo, com a naturalidade de quem vive por gosto. E provavelmente vão continuar a surpreender-nos com novos voos.

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