Todos os anos há sete mil crimes que são denunciados por terceiros. Mas ainda é pouco
O papel vigilante da sociedade pode ser fundamental na denúncia de crimes públicos e semipúblicos, mas ainda existem situações em que se sobrepõe o receio de avançar.
A propósito do Dia Europeu da Vítima de Crime, instituído há 32 anos pela Victim Support Europe, o DN teve acesso a dados recentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) sobre o número de denúncias criminais feitas por terceiros. De acordo com o Intendente Hugo Guinote, as três situações mais reportadas por outras pessoas que não as próprias vítimas dizem respeito aos crimes de abuso de confiança (25%), abuso sexual de menores (20%) e de maus-tratos a menores (20%).
"Fizemos uma análise aos últimos três anos, desde janeiro de 2019 a dezembro de 2021, e a conclusão a que chegámos é que o total de crimes denunciados por terceiros representa, sensivelmente, sete mil crimes por ano", confirma o responsável da PSP. Em termos percentuais, este valor corresponde a cerca de 6% do total de crimes reportados a esta organização policial.
"Pode parecer que não é muito, mas já é alguma coisa. Seriam casos que não chegariam ao nosso conhecimento porque a vítima não tomaria essa iniciativa", explica. Ainda assim, reconhece que são números que importa subir e essa é uma das razões que levaram a PSP a divulgar estes dados estatísticos.
O objetivo é não apenas assinalar esta data simbólica, mas sobretudo "valorizar a denúncia feita por terceiros" e incentivar a que aconteça mais vezes.
A importância aumenta quando falamos de crimes públicos, como o são a violência doméstica ou o abuso sexual de menores, em que não é necessária qualquer queixa da vítima para que a justiça possa atuar. Por outro lado, reforça Hugo Guinote, "é sempre relevante informar as polícias para que, localmente, possam redirecionar o seu esforço de policiamento".
No que à violência conjugal diz respeito, os dados da PSP indicam que está entre os crimes mais reportados no panorama geral, mas entre as denúncias feitas por terceiros representa apenas 2%. "O crime de violência doméstica, ao contrário do furto e roubo, que operam maioritariamente na via pública, ocorre muito mais na esfera privada e é mais difícil para terceiros denunciarem-no", explica Hugo Guinote. Ainda assim, sublinha, "não deixamos de fazer o reforço da mensagem sobre como é importante que seja denunciado por terceiros".
Sobre eventuais impactos que a pandemia possa ter tido, o também Oficial de Direitos Humanos da PSP revela que os números não se alteraram "significativamente".
Acentuadamente mais significativas são as percentagens de denúncias relativas ao crime de abuso sexual de menores, que regista cerca de 40 queixas por ano, ou 20% do total, assim como ao crime de maus-tratos a menores, "que também ronda os 20% de denúncias por terceiros".
Grande parte destas queixas têm origem nas escolas ou ATL, mas também por parte de familiares. "É importante que haja esta vigilância aos menores. De facto, 20% das ocorrências ser participada é muito relevante", aponta.
Para aumentar o número de denúncias, tanto Hugo Guinote como a coordenadora do Gabinete de Apoio à Vítima da APAV Almada, Sónia Reis, acreditam que é importante que a população saiba que é seguro recorrer às autoridades.
"Muitas vezes as pessoas têm receio em denunciar, temem que possam existir represálias porque há o desconhecimento de que o contacto com as autoridades não obriga à identificação do denunciante", observa Sónia Reis.
"O denunciante nunca é chamado a mais do que denunciar", confirma o Intendente da PSP, que adianta ainda que "90% das denúncias por terceiros são feitas na esquadra".
Entre as cerca de 190 esquadras da PSP em todo o país, existem 150 salas de apoio à vítima que também podem receber "todos aqueles que queiram reportar situações de maior sensibilidade", nomeadamente quando se trata de vítimas especialmente vulneráveis.
Fundamental, considera o responsável da organização policial, é que os denunciantes saibam que não precisam de confrontar o denunciado e que não serão identificados publicamente.
Outra dificuldade no combate a situações de violência doméstica, contra adultos ou menores, prende-se com a vontade da vítima em seguir com o processo judicial. Por se tratar de crime público, a queixa da vítima não é essencial, mas muitas vezes a falta de testemunho e do relato dos acontecimentos inviabiliza uma eventual condenação.
"Há outros elementos de prova que são descurados. A forma de contornar essa questão é investir na investigação, porque muitas vezes há vizinhos ou familiares que têm informação importante", acrescenta Sónia Reis, que acredita ser necessário reforçar o apoio prestado às vítimas.
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