TikTok. Na rede "dos miúdos" afinal também há espaço para o ensino

As redes sociais também servem para educar e podem melhorar o desempenho dos estudantes. Esta é a perspetiva de André Simões e Marta Rodrigues - os "professores do TikTok" que mostraram ao país que aprender não tem de ser aborrecido.

Juventude e crianças. Muitos podem pensar que estas são as palavras que resumem a funcionalidade da rede social TikTok. Porém, Marta Machado Rodrigues e André Simões vieram provar que os mais céticos estão errados, tornando a comunidade da plataforma mais popular do mundo num espaço aberto para a Educação. Estes "professores do TikTok" ficaram conhecidos pela sua proximidade aos alunos durante o último ano e desde aí que têm demonstrado que é possível ensinar e obter resultados positivos com vídeos divertidos que abordam as matérias das aulas.

Marta Rodrigues é professora de Português no colégio Paulo VI, em Gondomar, há 18 anos e sempre teve o hábito de realizar atividades e "brincadeiras" lúdicas com os seus alunos, mas foi através do TikTok que o país ficou a conhecer o seu trabalho.

Marta cria letras sobre a matéria da disciplina de Português e junta-as a melodias populares com a ajuda dos seus alunos do 8.º, 9.º e 10.º ano. A título de exemplo, num dos seus vídeos mais populares, que já conta com mais de um milhão de visualizações, o tema "Acorda Pedrinho" de Jovem Dionísio torna-se uma melodia que explica a função do complemento oblíquo.

"É evidente que eu tenho de ser um modelo de erudição e cultura dentro da sala de aula, mas isso não significa que eu não possa participar no mundo dos alunos, que, neste momento, é o TikTok", defende Marta Rodrigues.

Ao DN, a professora explica que esta atividade é uma forma de envolver os jovens e de lhes ensinar truques para decorar e estudar mais facilmente. "Aproveitamos as músicas para fazer uma síntese do que aprendemos de uma forma diferente. Consegui criar uma dinâmica lúdica e muito divertida numa disciplina que quase todos os alunos odiavam e que achavam aborrecida. Agora, a relação dos alunos com a disciplina é muito melhor", diz.

Esta aventura na criação de vídeos lúdicos começou como resposta a um desafio de um estudante. "Fizemos o primeiro vídeo apenas para experimentar e nunca pensámos que pudesse sequer ter alcance online. No entanto, conseguimos levar a escola para o TikTok em Portugal, que era algo que não existia", esclarece.

Marta acredita que o TikTok pode ser "uma boa ferramenta de inovação no ensino" e lamenta a falta deste tipo de iniciativas: "O ensino está tão aborrecido, em Portugal, que o facto de uma professora ter a iniciativa de fazer algo diferente e divertido alcança uma grande proporção positiva. Nos nossos vídeos, não há iluminação adequada, maquilhagem, preparação do espaço, sistema de som ou técnica nenhuma. Apenas gravamos com o telemóvel e conseguimos marcar a diferença".

Marta cria canções com os seus alunos que resumem a matéria falada nas aulas de Português e publica-os no TikTok.

"Os alunos estão sedentos de alguma diversão dentro da sala de aula. A classe dos professores está muito envelhecida, não só em termos de idade, mas também em termos de mentalidade. Há que criar motivação para captar os alunos, porque no fundo o que interessa é a concretização do que ensinamos. Posso perder 10 minutos por semana a criar vídeos, mas com isso ganho uma boa relação com os alunos e eles sentem-se muito valorizados. É evidente que eu tenho de ser um modelo de erudição e cultura dentro da sala de aula, mas isso não significa que eu não possa participar no mundo dos alunos, que, neste momento, é o TikTok", defende.

Como prova de que é possível aprender e brincar em simultâneo, Marta Rodrigues justifica que os seus alunos melhoraram o desempenho na disciplina de Português. Além disso, nos mais recentes Exames Nacionais surgiu uma questão que a professora abordou num dos seus vídeos, o que levou a dezenas de comentários e mensagens de estudantes de todo o país a agradecer-lhe, uma vez que se lembraram da resposta certa graças às suas canções.

A introdução do latim na rede

André Simões é professor de Latim e Estudos Clássicos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). No ano passado decidiu começar a publicar vídeos no TikTok, nos quais aborda conteúdos das suas aulas, ensina Latim, factos sobre a Antiguidade Clássica e até faz sugestões de livros.

"Comecei a publicar vídeos no TikTok como terapia. Tenho uma paixão pelos Estudos Clássicos que já vem desde criança e achei que esta era uma plataforma que eu podia usar para tentar transmitir este gosto e cativar outras pessoas", explica.

Atualmente, André Simões já conta com mais de 13 mil seguidores e alguns dos seus vídeos chegam a atingir as 200 mil visualizações. Segundo o professor, tudo começou como uma brincadeira e não estava à espera que os seus vídeos ficassem populares.

"Quando fiz os meus primeiros vídeos e tive cerca de 100 visualizações, até achei que já era muito. Depois, comecei a ter muitos seguidores, visualizações e comentários e fiquei muito surpreendido quando vi que as pessoas se interessavam pelo meu tipo de conteúdo", admite.

André explica que a relação aluno-professor não se alterou muito dentro da sala de aula, contudo, vê que os estudantes estão agora mais interessados e sentem-se mais confiantes nas suas aulas: "Eu sempre tive uma relação próxima com os meus alunos... nunca gostei daquela distância muito típica entre os professores do ensino universitário. Mas este ano comecei a sentir que os alunos intervêm com muito mais vontade, com boa disposição e noto que o ambiente na sala de aula mudou".

Aliás, não foi só o ambiente que mudou. Também o número de alunos interessados em frequentar as aulas de Latim e Estudos Clássicos aumentou. "Tive um aumento de cerca de 100% nas inscrições nas minhas cadeiras no ano passado, em ambos os semestres. Este ano tenho ainda mais alunos e acredito que no próximo semestre o número vá continuar a aumentar", diz.

Professores testemunham que o ambiente na sala de aula, o desempenho escolar e a relação com os alunos melhoraram desde que começaram a publicar vídeos nas redes sociais.

Assim, o seu objetivo é apenas um: "Tornar as pessoas mais interessadas no Latim e nos Estudos da Antiguidade". "Espero que esteja a contribuir para que agora existam mais pessoas a querer estudar estas temáticas", admite.

Além dos vídeos no TikTok, André Simões tem também um canal na rede YouTube no qual ensina Latim a um público maioritariamente português e brasileiro. "Criei este canal para compensar a suspensão de aulas presenciais durante a pandemia e comecei por fazer vídeos dirigidos aos meus alunos, uma vez que era mais fácil, simples e de melhor acesso. No entanto, aproveitei para começar um projeto novo que se baseia em ensinar Latim pelo YouTube", esclarece.

Quanto à introdução das diferentes plataformas no ensino, o professor acredita que "sem redes sociais, neste momento, não é possível ter um ensino em condições". "Acredito que os vídeos beneficiam muito o ensino e o TikTok é a melhor forma de os divulgar. O sistema atual já não é atrativo para a juventude e se queremos chegar às novas gerações tem de ser através das redes sociais", defende. Porém, André admite que "vê alguma resistência" dos seus colegas em modernizar-se para o uso das redes. "Muitos acham que o TikTok é uma brincadeira para miúdos", continua.

Para André Simões, as respostas positivas que recebe no TikTok geram um sentimento "agridoce". "Fico orgulhoso pelo meu trabalho e pelas ótimas reações, mas sinto uma certa tristeza quando recebo comentários a elogiar o meu método de ensino, no sentido em que isto é o básico que todos os professores deveriam fazer. O que eu faço não deveria ser considerado excecional. Tratar os alunos com respeito e fazer o possível para que se mantenham interessados e não chumbem às cadeiras é o mínimo que qualquer professor deve fazer", explica. "Os professores neste momento só têm duas hipóteses: ou entram neste comboio das redes sociais, e tiram proveito dos seus benefícios, ou então perdem o contacto com a realidade dos alunos", remata.

O que dizem os especialistas?

Ainda que a junção das redes sociais com o ensino possa ser vista com desdém por muitos profissionais, José Morgado, especialista em Pedagogia e Psicologia Infantil considera que o uso de plataformas como o TikTok pode ser muito benéfico para a Educação, quando usado como ferramenta de forma pertinente e responsável.

"Após dois anos de pandemia, é de notar que as novas tecnologias são ferramentas imprescindíveis no dia a dia da Educação. As redes sociais fazem parte desse arsenal que nos rodeia, logo, são ferramentas que, utilizadas da forma adequada, podem proporcionar resultados muito positivos nos mais jovens".

José Morgado considera que "a escola tem de acompanhar a evolução dos tempos, dos valores e dos conhecimentos", porém, sublinha que "não se pode ter uma anarquização da perceção social dos traços de autoridade dentro da sala de aula".

Por sua vez, Manuel Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), crê que "o uso adequado da plataforma TikTok certamente que pode melhorar a relação entre os professores e os alunos", dado que os jovens "gostam muito deste tipo de atividades e têm uma grande facilidade na sua utilização".

Assim sendo, o responsável reforça que "as redes sociais, na sua generalidade, conseguem ser muito úteis no processo de ensino-aprendizagem quando abrangem conteúdos relacionados com os currículos". Porém, destaca a preocupação para a criação de perigos tais como o elevado tempo de utilização por parte dos mais jovens. "Há que ter cuidado e ponderação no uso destas plataformas para não criar vícios", conclui.

ines.dias@dn.pt

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