Teresa Ferreira é vulcanóloga do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos.
Teresa Ferreira é vulcanóloga do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos.Reinaldo Rodrigues

Teresa Ferreira: “Nos Açores podem identificar-se 16 sistemas vulcânicos ativos”

“Sismos – onde a ciência encontra a sociedade” intitula o ciclo de conferências promovido pela Academia das Ciências de Lisboa. A 9 de outubro (18h00), decorre o encontro online e de acesso livre com o tema “Erupções no Atlântico: o caso dos Açores”. Oportunidade para entrevistarmos a vulcanóloga Teresa Ferreira
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Há perto de três anos detivemo-nos durante semanas frente às imagens que nos chegavam da erupção do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma. Também nos recordamos da erupção do vulcão islandês Eyjafjallajökull. O que explica este caráter vulcânico do Atlântico?
Por natureza, todos os oceanos apresentam carácter vulcânico. Isto porque os fundos oceânicos se desenvolvem a partir de magma gerado no manto terrestre que ascende ao nível das cristas médio oceânicas. Esse magma é o responsável pela construção da crosta oceânica, cuja estrutura superior é constituída essencialmente por rochas vulcânicas de composição basáltica. Por isso, a atividade vulcânica é um fenómeno comum nos oceanos e as cadeias vulcânicas mais extensas do planeta situam-se ao longo das designadas cristas médias-oceânicas, ou dorsais oceânicas. Mas, os oceanos manifestam também vulcanismo noutros locais, cuja origem se encontra associada a fontes mantélicas mais profundas, ou seja, associadas a plumas mantélicas, conceito definido a partir do vulcanismo no Havai, vulcanismo intraplaca. Assim, no Atlântico existe vulcanismo associado à Crista Média-Atlântica, à presença de plumas mantélicas, à interação entre estes dois processos e ainda à presença de uma zona de subducção nas Caraíbas.

A placidez da paisagem açoriana dá-nos pistas sobre o comportamento belicoso daquele território?
Sim. Na paisagem açoriana a camuflagem conferida pela vegetação oculta muitos dos aspectos morfológicos deixados pelas erupções mais recentes. Transmite-nos uma sensação de tranquilidade e a ideia de que a atividade eruptiva faz parte do passado. Um bom exemplo é a lagoa das Sete Cidades, considerada uma das “7 Maravilhas de Portugal”, situada no vulcão com o mesmo nome, o qual exibiu nos últimos 5000 anos o maior número de erupções explosivas de entre os vulcões da ilha de S. Miguel ou mesmo do arquipélago. A sua erupção mais recente ocorreu há pouco mais de 800 anos, ou seja, anterior ao povoamento da ilha. Independentemente deste maior intervalo entre erupções, continua a ser um vulcão ativo e, como tal pode vir a retomar a sua atividade eruptiva. No arquipélago dos Açores podem identificar-se cerca de 16 sistemas vulcânicos ativos.

Há indicação de que nos Açores alguns dos sistemas vulcânicos revelam sinal de reativação?
A erupção vulcânica mais recente nos Açores foi submarina, na Crista da Serreta, a noroeste da costa da ilha Terceira e decorreu de 1998 a 2001. Foi distante da ilha e não teve impacto na população. De então para cá, alguns sistemas vulcânicos mostraram sinais de reativação. Em S. Miguel, o vulcão do Fogo em 2005 e 2011-2013 e na ilha de S. Jorge em 2022. Nenhuma destas situações evoluiu para erupção, mas um dia isso irá acontecer, nestes ou noutros sistemas vulcânicos. Também desde 2022, na ilha Terceira, o vulcão de Santa Bárbara tem demonstrado sinais de reativação e a sua evolução continua sob maior vigilância. Qualquer sistema vulcânico pode evidenciar sinais de reativação num curto intervalo de tempo, por isso é que a vigilância sismovulcânica do arquipélago é feita de modo permanente.

Neste quadro, pode indicar-nos o que está a ser feito?
O sistema de monitorização sismovulcânica existente contempla redes nas áreas da geofísica, geodesia e geoquímica. Na geofísica, as redes sísmicas, permitem ir acompanhando em tempo real toda a atividade sísmica que vai ocorrendo no arquipélago, em particular nos sistemas vulcânicos. Na geodesia, as redes GNSS [Global Navigation Satellite System] permitem-nos, não só acompanhar o deslocamento das placas tectónicas, como também caracterizar o estado de deformação vulcânica dos vários sistemas ativos. Na geoquímica dispomos de estações permanentes para a medição de gases como o CO2 H2S ou Radão e ainda de sensores para a caraterização de águas. As redes de observação no terreno são complementadas com informação obtida de imagens de satélites sempre que tal se pode aplicar.

Quais as situações que estão a merecer uma monitorização mais atenta?
Por força da reativação demonstrada, o vulcão do Fogo é aquele que tem sido mais monitorizado. As situações de S. Jorge e da Terceira obrigaram ao reforço das redes de monitorização com a instalação de mais equipamentos no campo, o que tem implicado um maior esforço financeiro e de recursos humanos. Os dados obtidos são analisados do ponto de vista científico para se poderem confirmar estados de reativação e acompanhar a sua evolução, estimar centros de deformação, avaliar volumes de magma disponíveis em profundidade e criar cenários eruptivos. Contudo, continua a ser muito difícil obter elementos que indiquem com precisão onde e quando um centro eruptivo irá surgir. Por isso, também discutimos os nossos resultados com colegas de outros observatórios vulcanológicos.

Esteve ligada ao projeto RISKOT que fez a avaliação dos impactos que uma eventual erupção vulcânica teria no território açoriano. A que conclusões chegaram sobre esse impacto na região?
O projeto RISKOT baseou-se numa avaliação de perigos geológicos. Para o perigo vulcânico a avaliação foi feita considerando os perigos dos diversos produtos vulcânicos e não uma erupção vulcânica específica. Por exemplo, numa determinada ilha que áreas podem vir a ser inundadas por escoadas lávicas? Isto significa que se uma erupção fissural ocorrer nas áreas fonte definidas, as escoadas lávicas irão progredir para uma determinada zona que já estará identificada como zona de inundação. No arquipélago dos Açores, face ao intenso uso do solo em todas as ilhas qualquer erupção vulcânica que venha a ocorrer pode vir a ter um forte impacto económico e social.

As erupções vulcânicas e os fenómenos a estas associados podem gerar um conjunto de perigos muito diversificados.
Os perigos vulcânicos resultam dos diferentes produtos vulcânicos gerados pelas erupções. Por exemplo, uma erupção essencialmente efusiva pode emitir escoadas lávicas, das quais nos poderemos manter bem próximos. O cenário já será diferente se simultaneamente forem emitidas grandes quantidades de gases vulcânicos que representam um perigo diferente. Já uma erupção explosiva pode produzir grande quantidade de depósitos de queda ou de fluxo que podem afetar grandes áreas em torno do vulcão ou mesmo zonas mais distantes, dependendo das condições meteorológicas existentes na altura da erupção. Também podem afetar o tráfego aéreo como sucedeu em 2010 na Islândia.

Já esteve em diferentes cenários de erupção vulcânica. Qual foi o que mais a impressionou e o que se sente nesse momento?
A primeira erupção que tive a oportunidade de assistir foi a do vulcão do Fogo em Cabo Verde, em 1995. Não a acompanhei desde o seu início, mas o que ficou foi o grande contraste entre a espetacular manifestação da natureza, que como visitantes tivemos oportunidade de observar, e a devastação com a qual a população local teve de lidar durante e após a erupção. O mesmo sucedeu durante uma visita, em 2002, à ilha de Monserrate, nas Caraíbas, onde o vulcão Soufriére Hills se encontrava em erupção, a qual durou de 1995 a 2013. Grande parte da ilha deixou de poder ser habitada devido à grande quantidade produtos vulcânicos que foram sendo emitidos pelos sucessivos episódios explosivos.

ID Reunião: 981 4709 9517

O ciclo de conferências “Sismos – onde a ciência encontra a sociedade” prossegue a 16 de outubro (18:00) com o tema “Património em risco” e a participação de Paulo Lourenço, professor Catedrático do Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho.

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