"Temos que reduzir a mobilidade e reorganizar a nossa maneira de viver"
Palavras como mudança, colaboração ou inovação foram ouvidas múltiplas vezes ao longo dos últimos quatro dias. Na conferência TRA - Transport Research Arena 2022, que contou com mais de 2100 participantes de 80 países, a agenda alinhou-se com as metas do Green Deal europeu para debater os principais desafios com que o "velho continente" e o mundo se confrontam. Mobilidade verde, descarbonização, cidades inteligentes, infraestruturas inovadoras, mas também políticas económicas que ajudem a construir uma Europa mais competitiva - e o primeiro local do mundo neutro em emissões de carbono em 2030 -, foram os grandes temas em cima da mesa, escalpelizados em sessões plenárias, mas também em sessões técnicas e científicas.
O objetivo foi reunir, num mesmo local, representantes do setor dos transportes - um dos mais poluentes -, mas também a comunidade científica, empresas - desde start-ups a grandes organizações -, e representantes da administração pública. A missão, que passava pelo debate de ideias inovadoras que conduzam a novos modelos de negócio, pela partilha de experiências e de desafios, e pela apresentação de soluções tecnológicas e resultados de investigação que permitam concretizar as metas da descarbonização foi, na opinião de Joana Mendonça, "muito bem-sucedida". Para a presidente da Agência Nacional de Inovação (ANI), entidade líder do consórcio que organizou o encontro em Lisboa, a conferência "excedeu todas as expectativas e demonstrou que só em conjunto percorremos o caminho da mudança".
Cumprir as metas da descarbonização exige um trabalho e estratégias concertadas entre os diferentes países da Europa, mas igualmente entre os setores de atividade cuja mudança de paradigma é obrigatória. A redução de emissões no setor dos transportes é uma das prioridades neste caminho rumo à neutralidade, mas esta mudança vai muito além da introdução de veículos elétricos e da utilização de combustíveis verdes. "A verdadeira mudança tem que começar nas pessoas e nos seus comportamentos", disse Joana Mendonça. Uma opinião partilhada por muitos dos oradores que, ao longo dos quatro dias, passaram pelos diferentes debates. O desafio que a Europa enfrenta a nível da mobilidade verde requer soluções tecnológicas novas e, sobretudo, "conquistar as mentes e corações dos cidadãos europeus", ouviu-se em diferentes contextos.
José Cardoso dos Reis, chairman do UIC Europe e conselheiro da administração da Infraestruturas de Portugal não tem dúvidas: "Temos que reduzir a mobilidade e reorganizar a nossa maneira de viver porque se não fizermos mudanças, seremos menos pessoas, mas pelas piores razões". Aquele responsável apontou ainda a urgência de pensar as consequências do uso do transporte individual que, a longo prazo será incomportável em especial nas zonas urbanas. Contudo, alerta, "temos que ter uma boa rede de transportes para oferecer alternativas de mobilidade às pessoas".
Recorde-se que as cidades, na Europa, representam 40% do território e alojam 60% da população, o que significa que são milhões de pessoas a precisar de adotar soluções de mobilidade sustentável. A Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente da União Europeia visa, precisamente, caminhar neste sentido, e será um fator-chave para a transição necessária. Uma das prioridades deste programa passa pelo aumento da aceitação de veículos com emissões zero e por alcançar, pelo menos, o número de 100 cidades neutras em termos climáticos até 2050. Um trabalho que já teve início e que em Portugal apoiará, para já, três cidades nacionais (Lisboa, Guimarães e Porto) a transformar-se, no âmbito da missão Climate-Neutral and Smart Cities. "As cidades podem ser um local de teste para múltiplas soluções de mobilidade, mas não podemos igualmente esquecer as zonas rurais, que têm que ser modernizadas para promover a integração social", lembrou Walter Goetz, chefe de gabinete da comissária para os transportes, Adina Vălean.
O setor dos transportes é, aliás, um dos que enfrenta maiores desafios na transição energética. Com um peso de 6,3% do PIB europeu, o setor "está perante uma revolução, e a União Europeia lidera na resposta a estes desafios", garantia Signe Ratso, diretora-geral da DG Research and Innovation da Comissão Europeia na abertura desta conferência, alertando, contudo, para a necessidade de acelerar a transição apesar do contexto de crise energética e de guerra na Ucrânia. Para já, o programa Horizonte 2030 aplicará cerca de 350 milhões de euros para reduzir as emissões nas cidades, entre 2021 e 2023, mas o caminho até 2050 ainda conta com muitos outros obstáculos que é preciso ultrapassar.