"Tem-se assistido em todo o mundo a um desenvolvimento extraordinário das energias renováveis"
A sua intervenção na conferência vai deter-se na Energia Renovável Marinha (ERM), num contexto global e também à escala portuguesa. Do que falamos quando nos referimos à ERM e quais são as suas principais fontes?
As Energias Renováveis Marinhas são todas as que podem ser produzidas através do oceano ou com localização no oceano, incluindo, por ordem decrescente de contribuição potencial para produzir energia, a energia eólica offshore, a energia das ondas, a energia do gradiente salino, a energia do gradiente térmico (OTEC) e a energia das marés.
Quais são as metas previstas para o desenvolvimento de energia eólica offshore no mundo e na Europa, o que, naturalmente, inclui Portugal? Num momento anterior referiu que "com tecnologia que já existe, seria possível retirar exclusivamente do oceano ".
Embora uma análise macro do potencial de produção de energia elétrica das ERM aponte para que seja possível produzir por essa via toda a energia elétrica consumida no mundo [consumo de 2015], com o consumo crescente de energia elétrica e a intensificação da transição energética esta afirmação vai deixando de ser verdadeira. Por exemplo, em Portugal estima-se que em 2030 seja consumido o dobro da energia elétrica de 2022. Precisamente devido à transição energética, essencial para se cumprirem as metas de emissão de GEE, tem-se assistido em todo o mundo a um desenvolvimento extraordinário das energias renováveis, nomeadamente da energia eólica offshore. Em 2020, tinham sido instalados em todo o mundo cerca de 35 GW de turbinas eólicas offshore e em 2022 este número subiu para 65 GW. As previsões de crescimento apontam para 380 GW em 2030 e 2,200 GW em 2050. A China tem sido o maior investidor em energia eólica offshore, com cerca de 50% de todo o investimento, enquanto a Europa é responsável por pouco mais de 40%. Os Estados Unidos só agora estão a reagir, prevendo-se programas bastante ambiciosos para as próximas décadas.
Sucintamente, quer explicar-nos quais as principais linhas de orientação para o programa de 10 GW de energia eólica offshore em Portugal?
Seguramente que na linha da frente das preocupações do Governo estarão os termos dos leilões para atribuição de locais para a instalação e potências de ligação dos futuros parques eólicos. O reforço das infraestruturas portuárias para acomodar a construção e montagem das cerca de 700 turbinas e o reforço da rede elétrica, quer em terra, que no offshore, serão igualmente essenciais, pois sem estas infraestruturas não há condições para haver parques. Por outro lado, pretende-se que este programa de 10 GW potencie o aparecimento de uma nova indústria de alto valor acrescentado, pelo que é necessário prever medidas de apoio público para incentivar e preparar a participação da nossa indústria neste processo. Do lado ambiental vai ser necessário assegurar que os impactos sejam mitigados e que os conflitos de uso, nomeadamente com as pescas, sejam resolvidos.
Crê que Portugal conseguirá cumprir a meta dos 10 GW de energia produzida a partir dos ventos turbinados em plataformas marítimas em menos de uma década?
Tanto quanto percebi, o Governo pretende licenciar até 2030 10 GW de energia eólica offshore e não tê-los em operação. Nesse sentido, creio que a meta, sendo muito ambiciosa, poderá ser cumprida, embora o agravamento significativo de preços de fabrico e instalação das turbinas eólicas offshore, em resultado da Pandemia e da guerra na Ucrânia, possa vir a reduzir o ritmo do lançamento dos leilões e dessa forma comprometer a meta anunciada. A expectativa de ter os 10 GW em operação em 2030 é completamente irrealista.
Quais são os principais fins inerentes à introdução desta energia elétrica de base renovável, uma vez que serve diferentes metas e setores com características distintas?
A introdução dos parques eólicos offshore, e das outras formas de energia renovável, tem por objetivo satisfazer o crescimento do consumo de energia elétrica, mas também, a médio e a longo prazo, a produção de hidrogénio e combustíveis sintéticos, elementos essenciais para descarbonizar as indústrias grandes consumidoras de energia, como a petroquímica, a siderurgia, a cimenteira, entre outras, que não é possível abastecer diretamente com energia elétrica dada a elevadíssima potência de que necessitam. Estão numa situação semelhante, embora por causa do peso e volume das baterias, os transportes marítimos, rodoviário pesado e aeronáutico.
Uma outra questão prende-se com a capacidade e rede para suportar a quantidade de energia gerada prevista. Antevê aí entraves?
A rede elétrica portuguesa já está saturada hoje, ainda antes das ambiciosas metas para a energia eólica offshore e a energia solar fotovoltaica em terra. Assim, há aqui um claro estrangulamento, que irá requerer um investimento significativo e implicar uma execução demorada, entre outros aspetos devido aos processos de licenciamento deste tipo de infraestruturas.
A eólica offshore é competitiva em termos económicos?
Há que distinguir a situação entre as turbinas fixas ao fundo do mar e as flutuantes. No primeiro caso temos uma solução de grande maturidade tecnológica e comercial e, no segundo, uma solução com maturidade tecnológica, mas ainda sem expressão comercial e preços claramente superiores. Em 2022, dos 65 GW instalados em todo o mundo só cerca de 65 MW são flutuantes. Também em 2022 houve vários leilões no Reino Unido com valores muito competitivos. No entanto, a guerra na Ucrânia veio provocar uma subida de preços significativa, que levou ao abandono de um dos parques e a dúvidas sobre a execução dos restantes. Nesse mesmo ano quer na Alemanha, quer na Holanda, houve leilões para a atribuição de parques eólicos que vão a mercado, isto é, que competem diretamente com as outras fontes de energia elétrica. Contudo, em 2023, vários leilões europeus de energia eólica offshore ficaram vazios por terem como preço de referência valores considerados muito baixos pela indústria.
Estas novas tecnologias trazem associadas oportunidades de inovação. Quer destacar algumas?
Sem dúvida, como no caso de novos conceitos de plataformas flutuantes, produção combinada de eletricidade e hidrogénio, turbinas de maiores dimensões, sistemas de manutenção e inspeção mais eficazes e de menor custo, partilha do espaço do parque eólico para produção de aquacultura.
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