Teletrabalho, máscaras e confinamento aumentam cirurgias estéticas

Especialistas indicam que aumento das cirugias estéticas está relacionado, por exemplo, com as reuniões virtuais que evidenciam rugas, com as pálpebras descaídas que são mais destacadas pelo uso da máscara.
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O teletrabalho, com reuniões virtuais a evidenciar rugas, a máscara a destacar pálpebras descaídas, tempos longos ao espelho a ver imperfeições ou sonhos escondidos são algumas das razões do aumento de cirurgias estéticas durante a pandemia, revelam especialistas.

"A pandemia veio obrigar-me a recentrar-me em mim própria e foi no primeiro confinamento que decidi marcar as cirurgias à barriga e ao peito", conta Rosa Margarido, 56 anos, de Aveiro, afirmando que a vontade de se sentir melhor com o seu corpo era um "sonho antigo", que se começou a desenhar após as gravidezes e os cancros na mama e tiroide.

Rosa, que ficou viúva em 2016, revela que o clique para avançar com a mudança corporal foi durante o confinamento.

"Olhei para o espelho e decidi fazer algo por mim. Levantar a cabeça e voltar a ter um sorriso na cara, como o meu marido gostava de me ver", recorda, afirmando que, depois da cirurgia combinada (mastopexia e abdominoplastia), "ganhou mais autoestima" e voltou a sentir-se "feliz", com "os olhos a brilhar".

Segundo Rita Valença Filipe, médica cirurgiã, houve um aumento de procura da cirurgia estética e de procedimentos estéticos não cirúrgicos na clínica do Porto onde trabalha, desde o primeiro confinamento, logo a partir de março de 2020, "naturalmente devido à covid-19 e à pandemia que surgiu nessa altura".

"As pessoas passam mais tempo em casa, centraram-se mais em si, na sua imagem, olharam-se mais vezes ao espelho e repararam em pontos, assimetrias ou até imperfeições que se até à data passavam mais despercebidas, passaram a ter um novo impacto nas suas vidas", explicou, considerando um motivo válido para cirurgia facial, mas também para a corporal.

A rinoplastia (remodelar e diminuir o nariz), o lifting cervico-facial (reduzir gordura da face), a blefaroplastia (cirurgia da pálpebra) e procedimentos de harmonização facial não cirúrgicos, como a aplicação da toxina botulínica e os fillers (preenchimentos) dérmicos como o ácido hialurónico, são os principais pedidos nestes tempos de covid-19, elencou a médica.

A cirurgiã disse que verificou, na cirurgia corporal, um aumento de 13% a 15%, e de 15% na cirurgia facial e procedimentos faciais.

"Mesmo com as limitações do confinamento e com os colégios de especialidade a limitar a atividade não emergente e não urgente num período de seis semanas, houve um aumento durante o primeiro confinamento de 13% a 15% na cirurgia corporal e de 15% na cirurgia facial e procedimentos faciais", acrescentou Rita Valença Filipe.

Rosa D., 51 anos, com uma filha e a residir na Mealhada (Aveiro), também decidiu fazer uma cirurgia às pálpebras dos olhos (blefaroplastia) e uma lipoaspiração durante o confinamento, e assevera que os resultados a deixaram "mais sorridente, mais confiante e com mais autoestima".

"Era um sonho que andava na minha mente há vários anos. Tinha um semblante muito pesado devido a características de família e, agora, toda a gente repara nos meus olhos verdes", conta, satisfeita, referindo que o confinamento veio, de certa forma, ajudar na recuperação das cicatrizes, principalmente nos olhos, porque assim ninguém viu "os pontos nos olhos, nem os olhos inchados e as nódoas negras".

A máscara na cara é, por outro lado, outro motivo para tratamentos na zona dos olhos, porque destacar o olhar.

"Ao destacar o olhar, destaca imperfeições, como a ptose palpebral (queda da pálpebra superior), dermatocalasia palpebral (aumento de peso ou gordura nas pálpebras superiores, podendo causar diminuição do campo visual superior) e também, por esse motivo se verificou o aumento da procura pela blefaroplastia", explica.

Cristina Queirós, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, considera que o trabalho online com vídeo vem revelar "todas as imperfeições" a que geralmente não se daria importância.

"As pessoas a ficarem a ver-se a si próprias durante horas numa câmara como se estivessem ao espelho, os detalhes são ampliados", aumentando os sentimentos de desagrado constantemente e afetando a autoestima".

A médica dermatologista Susana Vilaça registou na sua clínica do Porto um aumento de pedidos de tratamentos de estética facial na ordem dos 20% em relação a período igual de 2019, mesmo de jovens adolescentes que chegam com mais doenças de pele, como o acne, derivado do uso de máscaras nas aulas e do stress relacionado com a covid-19.

Quando recomeçou a prática médica, depois de quase três meses parada, fez o "dobro dos tratamentos" em 2020 do que havia feito em 2019.

"Em junho, quando se abriu, foi impressionante a tendência a procurar os tratamentos de estética", disse.

O stress, o confinamento, o teletrabalho com a reuniões 'online' a fazer notar de forma mais exuberante os sinais de envelhecimento e ou cansaço, e desejo de aumentar a autoestima e a própria emancipação da mulher portuguesa em querer tratar dela são fatores que explicam o aumento de procura, na opinião da dermatologista Susana Vilaça.

Paulo Pinho Costa, médico cirurgião, também registou um aumento de procura de consultas online e presenciais e de tratamentos na área da cirurgia estética durante a pandemia e a "disponibilidade de tempo" das pessoas é a sua justificação.

"As pessoas reduziram a sua vida social e em muitos casos e passaram a ter atividade ao domicilio e, portanto, tiveram mais tempo para se debruçarem sobre eventuais problemas. Estes períodos em que existe maior risco para a saúde público, as pessoas aproveitam também para pensar sobre alguns problemas que tenham, algumas dúvidas que tenham e como têm mais tempo, fazem mais perguntas", disse.

Inês Correia de Sá, cirurgia plástica num hospital privado do Porto, acrescentou que após o primeiro confinamento, observou-se "pontualmente", um aumento do número de cirurgias decorrente do aumento de procura de cirurgia estética e da diminuição da capacidade de resposta dos hospitais" e que atualmente "continua a haver atividade cirúrgica no âmbito da cirurgia plástica reconstrutiva e estética".

Sandra Torres, docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e especialista no luto e comportamento alimentar, explicou que a crescente procura de consultas de cirurgia estética não tem um motivo único na sua base, avisando existir uma investigação recente que sugere que os "sentimentos de ansiedade e stress causados pela covid-19 estão associados a um maior desejo de magreza nas mulheres, e muscularidade nos homens".

Segundo avançou à Lusa, Inês Tomada, especialista em doenças de comportamento alimentar num hospital do Porto, a pandemia veio "potenciar o recurso às suas consultas de nutrição", mas também às da "especialidade de medicina e cirurgia estética".

"Temo que a história se repita e que, em abril e maio de 2021, as consultas de nutrição e de estética voltem a ser muito solicitadas e teremos um novo 'boom' para ajudar a remediar o estrago. Preocupa-me particularmente os jovens. Na vertente da nutrição pediátrica que desenvolvo, chegaram-me crianças que em três meses engordaram 10 quilos. É assustador".

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