Ainda falta saber quais são os números de dezembro, mas os últimos dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) indicam que, até ao final de novembro, só cerca de 30% dos médicos que poderiam reformar-se pela idade é que avançaram com o processo e o concretizaram. 2024 pode mesmo ser um dos anos em que menos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) passaram à fase da aposentação, pelo menos desde 2019. Dos 1901 médicos que se poderiam reformar, até final de novembro só 564 (cerca de 30%) é que entraram, de facto, nesta etapa. Menos do que aqueles que se reformaram em 2022 (781) e em 2023 (817), dois anos em que se bateram verdadeiros recordes de aposentações da classe, mais do que, em 2014, no período pós-troika, em que houve 712. A informação disponibilizada ao DN pela ACSS indica ainda que, em 2021, época pandémica, houve 579 aposentações, me- nos do que em 2020 (654), mas mais do que em 2019 (410).O número de reformas registadas a um mês do fim de 2024 é ainda mais significativo porque este era o ano em que se previa maior número de aposentações pela idade (1901), já que em 2025 esta cifra começa a diminuir (1424), estimando-se que em 2026 reduza ainda mais, embora esteja previsto que cerca de um milhar destes profissionais possam reformar-se. Segundo a explicação da ACSS, 2024 pode mesmo ser o ano em que “se começa a sentir uma quebra no número de pessoas que podem pedir a reforma pela idade”. Mas para o bastonário dos médicos o adiamento da reforma “não é, de todo, a solução ideal para a falta de recursos do SNS”, argumentou ao DN. Carlos Cortes faz uma primeira análise do que estas reformas podem significar, mas destaca que era importante saber-se as especialidade dos médicos que se reformaram, porque se a maioria tiver ocorrido na Medicina Geral e Familiar “temos um problema grande”, já que o número de utentes sem médico de família ainda está em cerca de 1,5 milhões. Portanto, avisa, “seria bom saber-se o impacto que este número de reformas pode ter no SNS”.O representante da classe diz que menos reformas dm 2024 “é uma boa notícia para o SNS”, devido à falta de médicos, considerando até tratar-se de “um ato de altruísmo e de solidariedade dos profissionais, que poderiam agora virar um pouco a página na sua vida, reformar-se e descansar, e acabam por ficar para ajudar”.Mas, não há bela sem senão, “e o lado negativo é que esta solução é a prazo”, porque dentro de três a quatro anos, estes médicos têm mesmo de se reformar de acordo com as regras da Administração Pública, quando atingirem os 70 anos.Por outro lado, lamenta que “sejam os médicos com mais idade a terem de ajudar o SNS e não ser este a criar condições atrativas para conseguir reter os médicos mais jovens”. Frisa, por isso, que os médicos que agora adiam uma decisão “só estão a evitar que a rutura aconteça mais cedo”. Para Carlos Cortes, “o que é verdadeiramente importante para o SNS é que este se torne competitivo a ponto de conseguir aliciar, reter e manter os médicos que forma”.Outro dado a destacar é que 2024 foi também o ano em que se registou maior número de médicos na reforma a voltarem ao SNS para poderem trabalhar. A ACSS indica que no fim de novembro havia 716 médicos aposentados que voltaram ao SNS: 469 nos cuidados primários, 232 na área hospitalar e 15 nos serviços centrais. Há mais enfermeiros a irem para a reforma Em relação à enfermagem, os dados da ACSS dão conta de que, em 2024, havia 699 que poderiam ir para a reforma pela idade e que 449 concluíram o processo, até final de novembro. Falta saber os números de dezembro, mas este é já o número mais elevado dos últimos cinco anos. Em 2023, reformaram-se 323 enfermeiros, em 2022, 235, em 2021, 179, em 2020, 161, e, em 2019, 110, segundo a ACSS.O bastonário da classe, Luís Filipe Barreira, confirma serem “muito poucos os profissionais que adiam a decisão da reforma”. Em 2025, há 499 que se podem reformar pela idade e não é previsível que se aposentem menos. Tudo por causa da “exaustão” e do “estado de saúde mental em que se encontram os colegas”, justifica o bastonário, alertando: “O último estudo sobre as condições de trabalho dos enfermeiros portugueses e a sua saúde mental demonstram exatamente isto, ao indicar que estes têm níveis muito elevados de desgaste físico e mental.”Luís Filipe Barreira recorda que existem cerca de 14 mil enfermeiros em falta no SNS (dados oficiais do final de 2023) e que tal se repercute no trabalho daqueles que continuam a preferir o serviço público, “comprometendo, ao mesmo tempo, a qualidade dos cuidados prestados”. E dá números: “Cerca de 30% dos enfermeiros do SNS apresentam sintomas de depressão grave e 45% reportam sofrer, pelo menos, de uma doença física ou mental.”Uma situação que “é agravada pelo facto de a atividade ter de se desenvolver por turnos, o que acarreta também algumas disfunções sociais”, afirma. Perante isto tudo, o bastonário considera ser natural que haja “um maior número de enfermeiros a recorrer à reforma”.Luís Filipe Barreira diz mesmo que a situação em que se encontram os profissionais de enfermagem tem sido um tema constante nas reuniões com a tutela, já que “é preciso contrariar a carência de enfermeiros no SNS”. “É preciso fazer um levantamento urgente das necessidades e criar um plano que seja estruturado para a contratação de profissionais, não se estando, de forma sistemática, a oferecer contratos de apenas seis meses”, sustenta.Por outro lado, “há muito que uma das reivindicações da classe é a profissão ser considerada de risco, devido às funções que são desempenhadas, com as implicações necessárias na reforma, antecipando a idade”, explica. Acrescenta que foi constituído “um grupo de trabalho, que envolve a Saúde e a área do Trabalho e Segurança Social, ainda no Governo anterior para se trabalhar esta questão, mas nada se fez”.