Subida de preços faz crescer protestos e associativismo

Alimentação, habitação, energia, combustíveis têm sofrido constantes aumentos e com valores que não eram registados há 30 anos. Os rendimentos não acompanham essas subidas e os consumidores unem-se. CGTP contesta acordo com parceiros e tem manifestações marcadas para Lisboa e Porto no próximo sábado.

O cabaz de compras para consumo doméstico leva cada vez menos produtos pagando-se o mesmo valor de há umas semanas. Sobe também a prestação do empréstimo bancário e as casas são alugadas a preços proibitivos. A eletricidade e o gás estão mais caros, os preços dos combustíveis voltaram a subir, depois de leve descida. A inflação está nos 9,3%, o valor mais elevado dos últimos 30 anos. Perante este cenário, os consumidores tentam sobreviver, pedem ajuda e cada vez mais exigem e defendem os seus direitos.

E é por estes motivos que a CGTP tem protagonizado durante as últimas semanas ações de protesto em vários pontos do país, num mês de chamada de atenção para as dificuldades que os trabalhadores enfrentam devido à situação económica. É também por considerarem insuficientes os apoios e decisões tomadas pelo governo no âmbito dos acordos sociais e com o Orçamento do Estado de 2023 - que será entregue hoje no Parlamento - na mira que a central sindical liderada por Isabel Camarinha marcou para o próximo semana duas manifestações em Lisboa e no Porto.

Descontente com o panorama económico que antevê para 2023, a CGTP decidiu ainda não assinar o acordo alcançado na sexta-feira na concertação social. A justificação foi de que "é muito insuficiente" para responder aos problemas dos trabalhadores, reformados e pensionistas. Por isso Isabel Camarinha faltou ontem à cerimónia que juntou os presidentes da Confederação dos Agricultores Portugueses, da Confederação Empresarial de Portugal, da Confederação do Turismo de Portugal e da União Geral dos Trabalhadores. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) não esteve presente mas rubricou o compromisso.

No entender da CGTP, o conteúdo deste acordo "é muito insuficiente" a nível dos salários em geral e de não conter questões que eram essenciais, frisou à Lusa.

Aumentos de 15%

Entre outubro de 2021 e agosto de 2022, o custo do cabaz alimentar subiu 15% e em alguns produtos mais de 20%, como é o caso dos cereais e da carne, revelou na sexta-feira passada o Banco de Portugal (Boletim Económico de outubro). Os laticínios e vegetais registaram aumentos acima dos 10%.

Na edição deste mês, a Deco Proteste dá conta de um aumento de 11% do custo dos bens alimentares em seis meses. Desde 1 de março que compara o preço de 63 alimentos vendidos online pelos supermercados. Uma semana depois de a Rússia invadir a Ucrânia [24 de fevereiro deste ano], intensificou-se a escalada dos preços, que já se sentia diariamente. Neste trabalho, a Deco compara mercearias, laticínios, carne, peixe, fruta, legumes e congelados, e 55 destes (97,3 % do total) estão mais caros.

"O cabaz aumentou de 187,17 para 206,39 euros, mais 11%. A pescada fresca e os brócolos tiveram um maior aumento, 67% e 47%, respetivamente", refere a revista da associação de consumidores. Na lista dos 10 produtos com maior subida entra ainda a couve-coração e o óleo alimentar (36 %), a batata vermelha (33%), o frango (30 %), os bifes de peru (25 %), os cereais de mel (23%), as costeletas (20%) e as bifanas de porco (18 %).

"Os mesmos a pagar"

O aumento do custo de vida levou não só a um maior contacto junto das associações e organismos que tutelam o consumo como ao aparecimento de novos grupos de protesto. A 22 de março foi criado no Facebook o movimento "Os mesmos de sempre a pagar" e depressa saltou da rede social para as ruas. Buzinando, exibindo cartazes e gritando palavras de ordem, os organizadores desenvolveram várias iniciativas em 40 cidades, raio de ação que tem vindo a alargar-se.

Anabela Silva esteve na origem deste movimento e conta: "Surgiu em conversa com amigos e famílias, todos nos questionávamos sobre o aumento dos preços e sentíamo-nos asfixiados. E este movimento, que ainda é bebé, está a crescer." Reconhecimento dos pares, mas não das entidades oficiais, o alvo das críticas. E ainda não conseguiram reunir com um membro do Ministério da Economia, a quem pediram audiência.

Criticam que há sempre desculpas para aumentar: "A crise, a covid-19, a guerra na Ucrânia. Aumentam o preço dos produtos alimentares e, em alguns casos, reduzem o tamanho das embalagens e sobem o preço; os combustíveis e a energia estão mais caros, o mesmo acontece com as rendas, o que afeta principalmente os jovens. Os salários não acompanharam estas subidas, a precariedade é grande e as pessoas não conseguem pagar. Como é que querem que suba a taxa de natalidade?", pergunta Anabela Silva.

Trabalha num call center do setor energético e todos os dias sente que está a perder poder de compra. O seu salário praticamente estabilizou e está agora ao nível do salário mínimo nacional. Tem na cabeça todas as variações de preços dos bens essenciais e aproveita as promoções. Defende que é nesses momentos que o valor de um artigo está mais próximo do custo real: "Se não pudessem vender a um preço mais baixo, não vendiam."

E refere como exemplo o custo do óleo alimentar, um dos que mais aumentou. "Chegou a estar a mais de quatro euros o litro. O que aconteceu é que as pessoas deixaram de comprar, como eu, e tiveram que baixar o preço. Custa em promoção 2,39 euros." Um raciocínio que a leva a concluir: "Há um grande aproveitamento das empresas."

Outro grupo ativo é o Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos (MUSP), nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Manuel Vilas Boas, da área do Porto, refere: "Está a aumentar o protesto em vários setores, nomeadamente na saúde. Não tem havido uma política adequada para um Serviço Nacional de Saúde universal e de qualidade. Nos transportes, as queixas têm a ver com a necessidade de melhorar a qualidade do material circulante e os horários. Nos correios, são os atrasos na entrega da correspondência."

Luísa Ramos, da direção nacional do movimento, adianta que as dificuldades em suportar o custo de vida são transversais. "Os salários e as pensões não são atualizados na base da inflação e há constrangimentos em toda a população. Estou muito preocupada que as pessoas deixem de ter uma alimentação saudável." Defende que seja fixado um valor máximo para os alimentos, combustíveis e rendas, a par com a redução dos impostos na energia e o aumento de salários e pensões.

Aconselhar e não reclamar

À Deco têm chegado mais pessoas, e não tanto para reclamar, mas para se aconselhar e perceber o que fazer. Tendência que também está a acontecer na Europa. A mediação da associação de consumidores tem tido bons resultados, segundo os responsáveis. Sobretudo no que diz respeito a problemas com viagens, os créditos bancários e a transferência, ou não, para o mercado regulado na energia.

"As famílias estão a ser estranguladas por causa do aumento do custo de vida, dos produtos alimentares, da eletricidade , do gás e dos combustíveis, principalmente. As de menores rendimentos ou com taxas de esforço elevadas são as que têm mais problemas, o que se compreende. Temos muitas famílias com rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional e são estas as primeiras a ser confrontadas com as dificuldades em cumprirem os compromissos assumidos", explica Natália Nunes, do Gabinete de Proteção Financeira (GPF) da Deco.

O GPF é um dos que têm sofrido uma maior pressão por parte dos consumidores. Outro é o Gabinete de Aconselhamento Energia, criado em finais do ano passado.

O Portal da Queixa é uma rede de consumidores online. Tiveram um aumento de 103% das reclamações no que diz respeito à inflação e aumento de preços. Entre 1 de janeiro e 6 de outubro receberam 59 reclamações deste tipo. O aumento dos bens alimentares, por exemplo a manteiga de marca branca, que passou de 1,39 para 2,19 euros, dos combustíveis e energia, mas também a diminuição das pensões. Várias reclamações sobre o ajuste Mibel, taxa que está a ser cobrada pela Iberdrola.

Uma organização com maior volume de trabalho é a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). "O número de pedidos de informação escritos e telefónicos aumentou na sequência do aumento de preços e da possibilidade de regresso ao mercado regulado. Sem prejuízo de também existirem reclamações, a maioria procura esclarecer dúvidas sobre o que fazer, como encontrar melhores ofertas ou como regressar ao mercado regulado na eletricidade e no gás natural (quem contactar, que meios utilizar, quanto tempo demora)", responde fonte do gabinete de comunicação. O Banco de Portugal disse ao DN não ter dados deste ano sobre os clientes bancários, tal como a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos.

Habitação é a maior fatura

O aumento das prestações bancárias para quem fez um crédito à habitação é mais um esforço financeiro e constitui a principal fatura, segundo Natália Nunes . "A questão começa agora a colocar-se, dependendo de as pessoas escolherem uma taxa variável de seis meses ou um ano, findo o qual a prestação é revista. Há famílias que sofrem aumentos consideráveis e muitas entram em incumprimento", explica. Ainda não se está "numa situação idêntica aos anos da crise financeira [2010-2014] e esperamos que não se chegue lá, que as pessoas estejam mais resilientes e com maior capacidade de resistência a estes aumentos".

A jurista dá vários conselhos (ver texto ao lado) para resistir à inflação. Além de tentarem poupar, "os consumidores devem ter presente essa hipótese para quando acontecer um período de aumentos como estamos a atravessar", diz, reconhecendo: "Nem todos têm essa capacidade, para alguns o desafio mensal é sobreviver durante o mês com o rendimento que têm."

O aumento das rendas também está em cima da mesa e com maior pressão nos últimos meses do ano, refere António Mesquita, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses. "Há um ligeiro acréscimo de pessoas a contactar-nos, principalmente a partir de setembro, mas pensamos que poderá crescer mais. Os inquilinos só agora começam a receber as cartas com a atualização das rendas. Outra coisa que poderá acontecer é a não renovação dos contratos, o que também faz aumentar os contactos com a associação."

Os senhorios podem aumentar as rendas ao fim de um ano de contrato, mas, em geral, acabam por só o fazer no início de cada ano. "Os inquilinos estão a receber as cartas com a alteração, mesmo nos casos em que os senhorios o não podem fazer. As pessoas também devem estar atentas à percentagem de aumento, que não deve exceder os 2%", acrescenta.

PREVENIR

Crédito à habitação

Os juros do crédito à habitação sobem e há que estar atento e fazer simulações de quanto se irá pagar. Logo que perceba que não consegue pagar, contacte o banco, que está obrigado por lei a realizar diligências para evitar o incumprimento. Deve integrá-lo no Plano de Ação para o Risco de Incumprimento, avaliar a sua capacidade financeira e propor formas de pagamento. E esteja atento às condições de outros bancos e à hipótese de mudar, se forem melhores.

Comissões bancárias

As comissões e outras taxas bancárias podem representar custos desnecessários. A Deco aconselha a quem tem apenas uma conta bancária a pedir para que seja convertida numa conta de serviços mínimos.

Compras mensais

Fazer uma lista do que necessita é fundamental quando se precisa de esticar o rendimento mensal até ao último dia do mês. Deve ser feito tendo por base um plano dos gastos - refeições, por exemplo - e o orçamento disponível. Poupa-se dinheiro e evita-se o desperdício. Compare os preços das diferentes lojas.

Consumos domésticos

Luzes apagadas quando não são necessárias e não precisam de estar tantas lâmpadas acesas ao mesmo tempo. Os aparelhos eletrónicos gastam energia desligados com o botão on-off ou comando. Gasto zero só mesmo desligando a tomada ou ter fichas com interruptor, que pode desligar facilmente. Torneira aberta só quando se está a usar a água, recomenda-se a reutilização, por exemplo, da água que se desperdiça enquanto não sai quente.

Energia

O gás natural e a eletricidade do mercado regulado estão mais baratos que o comercial e a ordem é para mudar. Não antes de fazer a simulação na ERSE, para ver a melhor opção. Se compensar, é alterar. Poderá voltar a mudar se o mercado regulado deixar de compensar. A entidade reguladora (site como mudar para o mercado regulado) e a Deco (GAE) ajudam.

Valor da assinatura

Antes de adquirir um serviço, analise as condições contratuais. Uma assinatura não é apenas uma rubrica, é dizer que se concorda com todos os custos inerentes ao serviço que está a comprar. Deve ler com muita atenção, ter tempo para pensar e só depois assinar.

ceuneves@dn.pt

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