Alexander Graham Bell quando fazia a primeira chamada telefónica transcontinental entre Nova Iorque e São Francisco.
Alexander Graham Bell quando fazia a primeira chamada telefónica transcontinental entre Nova Iorque e São Francisco.

“Sr. Watson, venha cá, preciso de si.” A primeira chamada telefónica transcontinental

Em junho de 1914, o último poste telefónico fechava a distância que une dois extremos dos Estados Unidos, entre São Francisco e Nova Iorque. A primeira chamada telefónica transcontinental ocorreria em julho desse ano. Mas o protagonismo coube a Alexandre Graham Bell em janeiro de 1915.
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A 8 de julho de 1776 os cidadãos da cidade de Filadélfia receberam uma convocatória. A urbe fundada em 1682 respondeu ao apelo e escutou as palavras que verteram do documento de declaração de independência das 13 colónias americanas face à Grã-Bretanha. Naquele momento repicou o Sino da Liberdade. Moldado em cobre e estanho na cidade de Londres pela casa Whitechapel Bell Foundry (a mesma que moldaria o Big Ben), a peça, datada de 1752, viria a ecoar em momentos-chave da construção dos Estados Unidos como nação. Em 1837 o sino ressoou em louvor do movimento abolicionista, como também repicara anteriormente, às mortes dos presidentes John Adams e Thomas Jefferson, em 1826, e ao centenário do nascimento de George Washington, celebrado em 1832. Na primavera de 1915 o Sino da Liberdade encetou uma viagem continental de comboio, entre Filadélfia e a cidade de São Francisco, na Califórnia. Uma estirada de cinco mil quilómetros na garupa do cavalo de ferro ao encontro do certame que, entre fevereiro e dezembro de 1915, reuniu 24 países sob o mesmo objetivo. A cidade nascida no século XVIII prestava uma dupla homenagem aos feitos do ainda jovem século XIX. A Exposição Internacional Panamá-Pacífico, fundada nos progressos da indústria e da agricultura, do comércio, da ciência e das artes, celebrava a inauguração do Canal do Panamá. Com 77 km de extensão, a obra de engenharia, inaugurada a 15 de agosto de 1914, ligava as águas dos oceanos Atlântico e Pacífico. França iniciara a construção em 1880, empresa malograda, assumida em 1904 pelos Estados Unidos. A mostra internacional em São Francisco recordava outro feito, o da reconstrução da cidade após o horror do terramoto de 1906. O certame que fez mostra do Sino da Liberdade e de uma linha de montagem automóvel da fábrica Ford foi palco de uma ação de marketing que atraiu os olhos e os ouvidos da nação. A 25 de janeiro de 1915 dois homens sentaram-se em dois pontos dos Estados Unidos, apartados milhares de quilómetros.

Alexandre Graham Bell, “pai” do telefone, e Thomas Augustus Watson, inventor e assistente de Bell, trocaram palavras através de uma linha telefónica. Em poucos minutos, as vozes dos dois homens transpuseram as alturas das Montanhas Rochosas, galoparam nos cabos telefónicos nas vastas pradarias do Centro-Oeste do país, ziguezaguearam nas ruas das metrópoles em crescimento da costa Leste. Nova Iorque e São Francisco comunicaram diretamente nas palavras de Bell e Watson. A exposição mundial dava o mote oficial à primeira chamada telefónica transcontinental.

Longe do burburinho mediático da ribalta, a verdadeira primeira chamada ocorrera seis meses antes, ainda em julho de 1914. Desta feita na voz do homem que em 1909 se comprometera publicamente em traçar uma linha de comunicação telefónica entre os dois extremos ocidental e oriental do continente norte-americano, o empresário e magnata Theodore Newton Vail.

Quando a Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras para o Progresso e Paz Permanente arrancou, a 4 de julho de 1915, no seio da Exposição Internacional Panamá-Pacífico, já a América havia acomodado a ideia de um serviço telefónico de extensão continental, estabelecido em janeiro desse ano. As 500 delegadas dos Estados Unidos e 11 países convidados debateram até 7 de julho, sob a tutela de May Wright Sewall, educadora e feminista nascida em 1844, militante pelo direito das mulheres ao sufrágio. Na linha telefónica estendida entre São Francisco e Nova Iorque viajavam as notícias saídas do encontro de mulheres: “A necessidade de a humanidade despertar para uma compreensão mais intensa dos perigos que ameaçam acabar com a civilização”, afirmavam os autos do encontro.

Longe, a Europa desmembrava-se sob o primeiro conflito mundial. Mais discretas também navegavam as novas a propósito de uma delegação europeia à exposição mundial. Portugal, sob os auspícios da presidência de Manuel de Arriaga, organizara uma comitiva para se apresentar em São Francisco. O pavilhão luso, de inspiração manuelina, dava mostra do património nacional à boleia de fotografias em grande formato, também das artes, com a presença de obras de notáveis como José Malhoa e da singeleza dos bordados tradicionais da Madeira. Uma mostra que não esquecia os Descobrimentos, materializados na estatuária. As estátuas do Infante D. Henrique e Pedro Álvares Cabral integravam uma representação de 10 esculturas e 134 pinturas a óleo. Assim nos dá nota o livro Manuel de Arriaga e a Construção da Imagem da República, coordenado por Maria João Neto, docente no Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Para o sucesso mediático da linha telefónica transcontinental em mostra na exposição de São Francisco contribuíra uma figura maior das telecomunicações norte-americanas no século XIX, início do século XX, Theodore Vail, nascido em 1845, fundador e presidente da American Telephone and Telegraph Company (AT&T). Em 1885, a rede telefónica de longa distância estendia o seu braço a partir da cidade de Nova Iorque. Sete anos depois a linha tocava na cidade de Chicago e em 1899 avançou rumo a oeste, para, no ano de 1911, alcançar a cidade de Denver, no Estado do Colorado. Até 1871, uma linha telefónica de longa distância afigurava-se uma impossibilidade devido a constrangimentos técnicos. O pioneiro da eletrónica, Lee de Forest, haveria de entregar nas mãos dos engenheiros da AT&T a solução com a invenção a que chamou “Audion”, um inovador tubo de vácuo. À medida que o sinal de voz viajava pelos fios, este enfraquecia naturalmente. Agora, sempre que atingia um Audion, o sinal era aumentado e prosseguia o seu caminho. A 17 de junho de 1914, após a instalação de linha telefónica transcontinental, estava aberto o caminho para a primeira chamada. Coube a Theodore Vail as honras dela - um sucesso, embora sem repercussão mediática. O palco para a primeira chamada transcontinental estava reservado às palavras de Graham Bell. A partir de São Francisco, o inventor repetiu a frase tornada célebre em 1876 aquando da primeira chamada telefónica em Boston: “Sr. Watson, venha cá, preciso de si”, ao que obteve como resposta, a partir de Nova Iorque: “Vou levar cinco dias para aí chegar.” Uma conversa inaugural que contou com testemunhas. O presidente norte-americano Woodrow Wilson assistiu à troca de palavras.

Mais tarde falaria, a partir da Casa Branca, para uma audiência em São Francisco. Sobre o feito, referiu Woodrow Wilson: “É um apelo à imaginação falar a todo o continente.”

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