Sílvio de Almeida: “Xenofobia contra brasileiros deve ser discutida na UE”
A xenofobia contra brasileiros em Portugal deve deixar de ser discutida apenas entre os Governos dos dois países e chegar à sede da União Europeia, defendeu Sílvio de Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Governo de Lula da Silva. Em conversa com o DN, à margem do Festival de Inverno do Cordão, em Avaré, cidade a 280km de São Paulo, o ministro sublinhou ainda que os fluxos migratórios são, além de inevitáveis, necessários para as economias dos países de destino.
“A questão migratória não é uma novidade na história da Humanidade e esses fluxos têm de ser vistos na perspetiva do que eles têm de interessante e de potente para os países que os recebem, estudos mostram que os países de destino estão entre os que mais registam desenvolvimento económico e isso é ainda mais importante para países, como os europeus, em que a pirâmide etária mostra a existência de pessoas cada vez mais velhas”, disse Almeida, que é filósofo de formação.
“Nesse sentido”, prossegue, “o discurso antimigratório, que se traduz na xenofobia, é algo que tem sido levado a cabo pelos partidários da extrema-direita que, na impossibilidade de encontrar soluções e transformações para a vida das pessoas, ficam procurando culpados para a própria decadência das suas economias.”
Questionado sobre o caso específico dos brasileiros em Portugal, o ministro recomenda que o problema seja discutido também em Bruxelas. “Em Portugal, especificamente, para onde foram muitos brasileiros, os números de imigrantes são muito expressivos, os relatos de xenofobia sucedem-se e é importante que não só o Governo de Portugal, mas a própria União Europeia discuta o problema de maneira ampla até porque, reforço, a migração é incontornável e importante para economia dos países que a recebem”, sublinhou.
Entre 2017 e 2021, as denúncias de xenofobia contra brasileiros em Portugal cresceram 505%, segundo um balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial. Nunca houve tantos brasileiros a morar em Portugal quanto agora: num ano, o número de residentes legais aumentou 36%.
“Sei, entretanto, que as conversas entre os Governos de Portugal e do Brasil decorrem, nomeadamente através do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, a quem cabe a discussão com o homólogo português, mas que, entretanto, vem-nos mantendo sempre informados no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, porque queremos, claro, estar muito atentos à questão.”
Sobre a atividade do Governo, cerca de dois anos e meio após a posse de Lula sucedendo a quatro anos de gestão de Jair Bolsonaro, o ministro diz que há desafios próprios do Brasil e da região do mundo em que se encontra. “O desafio de pensar os Direitos Humanos no Sul Global é tentar entender como o cuidado pelas pessoas e a busca pela dignidade se adaptam aos problemas sociais e económicos da região”, diz Almeida.
“Ao contrário da Europa, o discurso dos Direitos Humanos no Brasil não pode apenas ser construído na perspetiva de um pilar moral ou por um conjunto de determinações éticas que se traduzam em normas jurídicas. Não, é preciso que nós ataquemos as condições materiais da existência, ou seja, uma das questões fundamentais para nós, no ministério, é o direito ao desenvolvimento”.
“E esse direito ao desenvolvimento”, continua Almeida, “envolve a dignidade no trabalho das pessoas que vivem do seu próprio trabalho, envolve pensar nas assimetrias nos campos tecnológico e educacional das pessoas, ou seja, se há desafios dos Direitos Humanos no Brasil que são comuns aos da Europa há outros com ligação à região e à condição de país que saiu do jugo colonial.”
Sílvio de Almeida, 47 anos, é formado em Direito e em Filosofia, mestre em Direito Político e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo, presidente do Instituto Luiz Gama, organização voltada para a defesa de minorias que homenageia o advogado abolicionista brasileiro do século XIX, além de professor universitário e escritor com vasta obra sobre racismo estrutural.