Serviços públicos fazem disparar reclamações

Telecomunicações estão no topo dos processos entregues nos Centros de Arbitragem. No total, devem ser apresentadas cinco mil queixas até final do ano
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Nos últimos dois anos aumentaram bastante as reclamações contra os serviços públicos essenciais apresentadas no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo em Lisboa, em especial as referentes a telecomunicações e energia. A maioria resolve-se com um pedido de esclarecimento, mas 37% vão para o tribunal arbitral. Os casos apresentados este ano ultrapassam já o total de 2016 e prevê-se que atinjam os cinco mil.

Desde o final de 2015 que os prestadores de serviços públicos essenciais são obrigados a anunciar a morada do meio alternativo de resolução de problemas mais próximo, o que fez que aumentasse substancialmente o número de situações apresentadas. Há queixas sobre o abastecimento de água, sobre o funcionamento dos correios, mas são as telecomunicações que se destacam, sobretudo os multisserviços (televisão, internet e telefones), representando a maioria dos contactos no centro de arbitragem de Lisboa: 1799 nos primeiros 11 meses do ano. É aberto um processo em cada quatro situações, mas a maioria resolve-se por mediação.

Não foi o caso da consumidora que pediu uma indemnização a uma operadora de telecomunicações por estar mais de seis meses sem telefone fixo quando trocou de empresa. Queria manter o mesmo número e a nova fornecedora não pediu a sua portabilidade, como decorria do contrato de adesão. E, segundo os regulamentos da portabilidade, o cliente tem direito a ser compensado pelos danos.

Em maio de 2016, este consumidor contratou o serviço de TV, Net, voz e móvel por uma mensalidade de 66,99 euros, salientando desde logo que queria manter o número do telefone fixo. Preencheu o respetivo formulário mas nunca mais conseguia aceder à rede, seguindo-se uma troca de correspondência entre cliente e empresa. Em dezembro desse ano, recorreu ao Centro de Arbitragem, exigindo a reparação dos prejuízos. A reclamada não pagou e foi agendada a arbitragem para 22 de fevereiro deste ano.

Iniciado o julgamento, tentou-se um acordo, sem êxito. A prestadora do serviço alegou que faltavam documentos, uma assinatura, para pedir a portabilidade, o que não foi provado. O juiz considerou que a reclamante tinha razão, que a reclamada não provou que fizera diligências para que o número transitasse para a nova operadora e condenou a empresa ao pagamento de 480 euros.

Faturação indevida

Num outro processo que envolve telecomunicações, a empresa reclamada nem sequer compareceu à arbitragem. Tinha apresentado uma fatura de 569,90 euros a uma cliente por esta anular o serviço alegando existir um período de fidelidade. A consumidora diz ter detetado irregularidades com a nova operadora, além de que a box lhe estragou a televisão, o que foi comprovado por um relatório técnico da marca do aparelho. Além disso, a reclamada não apresentou prova de ter informado a reclamante da existência de um período de fidelização. O juiz deu razão à cliente e anulou a fatura.

Luz com menos acordos

O fornecimento de eletricidade é outra fonte de conflitos, embora origine um quarto dos problemas das telecomunicações: 474 casos este ano. Tem a agravante de serem praticamente tantos os pedidos de informação (254) como queixas (220). Destas, 43 % vão para julgamento e três em quatro seguem até à sentença por falta de acordo.

Num caso que acabou de ser julgado, o juiz considerou parcialmente procedente a reclamação. Anulou uma fatura de eletricidade de 2274,56 euros, dando razão à cliente que alegava que o consumo que lhe queriam faturar ocorrera em data anterior à celebração do seu contrato com a empresa.

Uma auditoria técnica da fornecedora da eletricidade detetou uma ação ilícita no aparelho de medição, destinada a falsear a contagem. Calculou que num período entre 17/10/2013 e 15/10/2016, teriam ficado por cobrar mais de dois mil euros. O juiz árbitro considerou que não foi provado o período exato do vício, data a partir da qual a empresa teria três meses para apresentar uma fatura. Assim sendo, anulou a que foi enviada posteriormente. E considerou, no entanto, que a reclamante devia pagar 198,78 euros pelo período em que já habitava no local e beneficiou da ação ilícita, mais 69 euros de encargos administrativos e 13,40 do contador, totalizando 282,18 euros.

Compra e venda

A compra e venda de eletrodomésticos estão na segunda linha de conflitos. Registaram-se 283 casos este ano, mas apenas 21% se traduzem em reclamações (59). Destas 39 foram para julgamento e 14 acabaram com uma decisão judicial por não haver acordo das partes. Mais cem casos em 2017 do que em 2012, quando eram a principal fonte de problemas no âmbito do consumo. Há cinco anos, havia praticamente metade dos casos do que atualmente (2542), sendo que 44% eram reclamações a necessitar de mediação. Hoje a percentagem é inferior, o que a diretora do Centro de Arbitragem de Conflitos do Consumo, Isabel Cabeçadas, considera ser o resultado do aumento do número de empresas no sistema (ver entrevista). O Centro tem 25 955 aderentes, o que é importante neste tipo de processos já que o princípio-base é que ambas as partes concordam com a arbitragem.

Outro exemplo: um consumidor fez exames de optometria numa ótica, acabando por comprar uns óculos de leitura, com a oferta de uns de sol, ambos com lentes progressivas, no valor de 483,33 euros. Fez um pagamento inicial de 240 euros, ficando o restante para um mês depois. Verificou depois que havia um problema nas lentes e os óculos nunca ficaram operacionais. O consumidor escreveu no livro de reclamações da loja, para a ASAE, até acabar no centro de arbitragem. O juiz decidiu que o pagamento inicial devia ser devolvido mediante a entrega do par de óculos. É que o consumidor teve de comprar uns segundos óculos para leitura por nunca ter conseguido usar os primeiros.

Numa outra situação, a consumidora queixou-se que uma lavandaria lhe teria estragado um blusão de cabedal. A peritagem concluiu que o forro devia ter sido limpo em separado e que a cliente deveria ter sido informada dos problemas que poderiam ocorrer na limpeza. O juiz condenou a reclamada a substituir o forro por um novo e fazer uma limpeza especializada ao cabedal, já que ficou provado que o bem poderia ser recuperado.

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