Saúde mental. "Ganhamos ferramentas para lidar com situações diferentes"

Ansiedade, stress e hiperatividade são as maiores queixas dos portugueses. Solidão e desemprego fazem aumentar pedidos de ajuda
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Maria sentia que se estava a perder como pessoa. "Queria entender o que se estava a passar", conta ao DN. Tem consultas semanais na Associação Olhar há ano e meio. A recomendação feita por um amigo, a empatia com a terapeuta, os preços baixos fizeram a diferença. As palavras parecem inexistentes para explicar o que sentia. Mas são imediatas para dizer o que ganhou. "É como estarmos a ver um filme mudo e o filme foi passando a ter legendas para explicar o que estava a acontecer. É uma coisa lenta, mas vale mesmo a pena. Ganhamos ferramentas para lidar com situações diferentes", afirma Maria. Ajudou-a lidar com o divórcio, a conhecer-se melhor, a saber que o que pensa e sente é válido.

Carlos Silva é um dos fundadores da associação Olhar, um projeto que nasceu há 14 anos com o objetivo de tornar o apoio psicológico mais acessível, em resposta e em preços, duas barreiras que podem travar que precisa de ajuda. As consultas custam entre 22 e 25 euros. "Há 14 anos o acompanhamento psicológico era pouco acessível à classe média. O privado era caro e nos centros de saúde a ajuda não era imediata nem regular. Este cenário mantém-se", explica. A propósito do dia mundial da Saúde Mental, que se assinala hoje, o bastonário da Ordem dos Psicólogos disse ao DN que há doentes a esperar quatro meses por uma consulta.

A equipa, que começou pequena, tem hoje 25 elementos. Em 14 anos realizaram 75 mil consultas. Os pacientes vão dos três aos 84 anos. Chegam recomendados por outros pacientes, porque viram os preços baixos na internet, porque um médico de um centro de saúde os indicou. A ansiedade, stress, hiperatividade e adições são os casos mais frequentes. Também a solidão e o desemprego levaram muitos a procurar ajuda para apreenderem a lidar com outra realidade.

"O psicólogo é uma peça importante que, em conjunto com o paciente, vai escavando a vida, limpando a areia suja à volta dos alicerces existenciais para que a pessoa percebem quem é e o que quer", explica Carlos Silva, que defende que tratar da saúde da mente com a mesma naturalidade que se trata do corpo. "É quando estamos bem que devemos prevenir. Porque o problema vem de repente com a morte, o desemprego, as expectativas não cumpridas. Enquanto a escola não tiver mais psicólogos, os centros de saúde mais resposta, a cultura do emprego não mudar, a doença mental vai ganhar um espaço cada vez maior", alerta.

Consultas de psicologia baratas

André fez uma pesquisa simples na internet. "Consultas de psicologia baratas. Estava desempregado e nunca na vida conseguiria pagar 80 euros/hora", conta. E sentia que sem ajuda já não podia ficar. "Achava que estava a cair num fundo sem luz, que os objetivos que tinha não eram os certos para mim, que a minha vida não valia nada. Acho que a minha geração foi muito protegida. Depois quando temos uma contrariedade a sério não estamos preparados para ela", diz. Para André o gatilho foi o desemprego. Hoje as perspetivas começam a ser diferentes: "Aprendi que as rotinas podem ser boas. Rotinas vem de rota e quando temos uma rota vamos para algum lado. Sinto que sou mais útil para mim e para os outros. O que digo a todos é que não tenham vergonha de pedir ajuda."

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