Saúde mental afeta 20% dos portugueses e custa 15 mil milhões a seguradoras
Os problemas de saúde mental estão a sobrecarregar cada vez mais a sociedade, desde os indivíduos à economia, com perdas de produtividade e encargos crescentes das seguradoras com compartipações e indemnizações.
Portugal destaca-se como o 5º país da União Europeia onde a prevalência destas doenças é maior, com 12% de diagnosticados com depressão crónica (contra 7,2% na UE). E é o primeiro a nível da OCDE no consumo de ansiolíticos. Os números não são bonitos: cerca de 20% da população portuguesa tem uma doença mental e 50% ou já teve ou virá a ter.
A nível mundial sabe-se que estas doenças passaram do 13 º lugar de importância neste sub-ramo do setor segurador para o 7º lugar em 2023, segundo o The Geneva Association, o maior think tank de seguros do mundo. E são a primeira causa de incapacidade para o trabalho. Embora, em Portugal, o setor segurador ainda não disponha de dados separados para a saúde mental, pode admitir-se que não estará a divergir da tendência global, até porque, nas últimas duas décadas, tem apresentando indicadores preocupantes, nomeadamente no consumo de ansiolíticos (como Xanax e Valium) que, em 2020, por exemplo, foi 45% superior ao do segundo país mais próximo, a Espanha.
A má saúde mental custará ao mundo cerca de 6 triliões de dólares em perda de produtividade em 2030, de acordo com as conclusões do The Geneve Association, apresentados há dias em Lisboa no Encontro Internancional de Resseguros. É um volume maior do que o produto interno bruto (PIB) de muitos países.
Neste momento, já são pagos 15 mil milhões de dólares anuais em indemnizações de seguros de invalidez relacionados com a saúde mental, de acordo com aquele think tank. Só a Covid terá sido responsável por 53 milhões de novos casos de depressão e 73 milhões novos casos de ansiedade, entre as situações conjunturais e as relacionadas com a chamada covid longa, de acordo com o Institute for Health Metrics and Evaluation. Na sequência da Covid, os mais jovens e as mulheres foram as populações mais vulneráveis à doença mental.
Seguros de saúde crescem 10% ao ano
A evolução recente da subscrição de novos seguros de saúde em Portugal revela que esta é das áreas que mais tem crescido em Portugal. “O ramo tem crescido em torno dos 10% ao ano nos últimos anos, numa tendência que já vinha de trás, mas que se intensificou, sobretudo, a partir de 2018”, disse o presidente da Associação Portuguesa de Seguradores, José Galamba de Oliveira, em declarações ao DN.
Segundo aquele responsável, a tendência contínua de crescimento deste setor “explica-se pelas dificuldades de acesso ao Serviço Nacional de Saúde”. "Se antes, a adesão se devia mais ao facto de as pessoas procurarem mais liberdade de escolha, agora é cada vez mais por necessidade efetiva de garantir diagnósticos, tratamentos ou cirurgias atempadamente”. Essa necessidade é bastante evidente, reforça aquele responsável, pois “nos inquéritos às empresas, o seguro de saúde é a ‘regalia’ que os trabalhadores mais valorizam”.
E a tendência veio para ficar. No ano passado, o número de portugueses com seguros de saúde em Portugal contava-se em 3,3 milhões de pessoas, “mas as estimativas apontam que até ao fim do ano o universo de pessoas com estes produtos chegue aos 3,7 milhões”, disse o presidente da APS ao DN. Ou seja, em apenas um ano, haverá mais 400 mil pessoas a tratar-se em clínicas e hospitais privados com comparticipação coberta pelos seguros.
O que pode o setor fazer?
No seu plano de emergência para a saúde, o Governo acaba de anunciar ações para a saúde mental, sinalizando que esta é uma área crítica. Questionado sobre o que setor segurador, enquanto parte interessada, pode fazer para minorar as várias dimensões da má saúde mental, José Galamba de Oliveira disse que já há algumas seguradoras em Portugal a promoverem workshops e ações de formação junto das empresas para aconselharem sobre boas práticas como existência de locais de convívio, possibilidades de exercício físico, visto que os espaços de trabalho são frequentemente fatores de stress e ansidedade, seja por excesso de trabalho, receio de reestruturações, etc. “Ainda são poucas, mas é uma prática que já existe”. O setor também poderá usar algumas ferramentas tecnológicas, de carater voluntário, como apps para controlar a pressão arterial e as pulsações cardíacas que podem permitir a prevenção e intervenções mais atempadas.
E como resolver a ainda baixa cobertura pelas apólices de seguro de consultas de psicologia e psiquiatria, tendo em conta que nem todas cobrem estas consultas de valor não despiciendo? José Galamba de Oliveira recomenda que as pessoas “comparem as ofertas do mercado, através de um mediador de seguros, por exemplo, pois há produtos que têm uma cobertura mais robusta e outros menos, com um custo necessariamente diferente para consultas de psicologia ou psiquiatria”. Em função das necessidades pessoais, as pessoas devem escolher de forma informada, aconselha. Em regra, as apólices só comparticipam até um número limite baixo destas consultas por ano.
Em Portugal ainda não está devidamente tipificado o valor do ‘mercado saúde mental’, mas Galamba de Oliveira admite fazer esse questionário junto das seguradoras que aqui operam já no próximo ano, para perceber como está a evoluir e o que os utentes estão a pedir. Atualmente, a preponderância é ocupada pela diabetes, cancro e doenças crónicas. Em segundo lugar surgem os rastreios, ecos, análises e meios de diagnóstico e, em terceiro lugar, as cirurgias de risco com internamento, indicou o presidente da APS.
A saúde já é, no entanto, o segundo ramo mais importante do setor, a seguir ao automóvel, valendo qualquer coisa como 1,2 mil milhões de euros anuais em prémios. O Serviço Nacional de Saúde representa mais de 24 mil milhões de euros, enquanto aquilo que os portugueses gastam do seu bolso em saúde, incluindo farmácia, ronda os 7 mil milhões de euros. É, de resto, das percentagens mais altas da União Europeia, o que coloca Portugal entre os países europeus com maior desproteção financeira no acesso à saúde, conclui um estudo do Observatório da Despesa em Saúde. Quase 30% da despesa em saúde é financiada diretamente pelos utentes portugueses. Em 2021, apenas quatro países (Lituânia, Letónia, Grécia e Bulgária) apresentavam valores de pagamentos diretos mais elevados que Portugal.