O subsídio de risco e a valorização das carreiras são algumas das reivindicações dos bombeiros sapadores.
O subsídio de risco e a valorização das carreiras são algumas das reivindicações dos bombeiros sapadores.Leonardo Negrão/Global Imagens

Sapadores agitam Assembleia. Sete euros de subsídio de risco “é para nos tapar os olhos”

Centenas de sapadores de todo o país manifestaram-se junto ao Parlamento. Exigem, entre outras medidas, o aumento do subsídio de risco. “Fiquei numa bola de fogo. Sei o que é sentir o fogo no corpo”, conta um destes homens, ao DN.
Publicado a
Atualizado a

"Somos uns infelizes. Ganhamos 7,03 euros para salvar os portugueses e tudo o que respeita à nação. Bens, pessoas, animais, tudo isso é a nossa função”, afirma, emocionado, José Silva, que foi bombeiro sapador entre 1989 e 2012. Apesar de se ter retirado há 12 anos, também ele fez questão de estar ontem em frente à Assembleia da República, em Lisboa, na manifestação dos sapadores, convocada pelo Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores (SNBS). 

José Silva sabe bem o que são os riscos da profissão. “Houve uma explosão num supermercado, nos Olivais, aqui em Lisboa, em 1990. Fiquei uma bola de fogo e os meus colegas cá fora, a salvaguardar a minha segurança. Felizmente sobrevivi e estou hoje, aqui, a falar consigo”, revela. “Estive algum tempo numa unidade de queimados e sei o que é o risco e sentir o fogo no corpo. Nós não somos super-homens, somos homens como os outros. Pura e simplesmente arriscamos porque foi esta a profissão que escolhemos e a população tem de contar connosco”. 

Mesmo depois do acidente que quase o matou, José Silva, que foi subchefe dos Bombeiros Sapadores de Lisboa revela: “O medo é subjetivo, porque nós conseguimos controlá-lo. A adrenalina faz com que se meta o medo de lado e é por isso que nós avançamos, em prol dos outros. É uma missão”.

Para este antigo sapador, o subsídio de risco é a medida mais fundamental a ser aprovada. “A importância, aqui, é a desigualdade que existe entre forças. Se nós formos a contabilizar os bombeiros mortos em serviço, em comparação com outras entidades, como a Polícia Judiciária, o nosso número de mortos é muito superior”. Por isso, lança um repto: “Eu pergunto aos portugueses: somos ou não merecedores de um subsídio de risco? Não é por isso que vamos fazer um melhor ou pior trabalho. Acontece que é algo por que lutamos há muitos anos. O que é que a polícia é mais do que as outras entidades? É que, até hoje, desde 2002, ainda não vimos nada. Esses 7,03 euros foram para nos tapar os olhos”, revolta-se.

E revolta não faltou durante a manifestação. Houve petardos, tochas, pneus queimados e muitos gritos de “Vergonha” e “Respeito”. Os primeiros bombeiros a chegar ao local irromperam pelas escadarias da Assembleia da República e a polícia tentou travá-los, mas os ânimos serenaram.

A PSP rejeita que tenha havido falhas no planeamento do dispositivo de segurança para a concentração dos bombeiros sapadores, embora admitindo imprevistos que obrigaram ao desvio de meios. Segundo o chefe da Área Operacional do Comando Metropolitano de Lisboa, Manuel Gonçalves, a PSP faz, antes de cada manifestação, “uma avaliação prévia”, com base no histórico das manifestações organizadas pelo mesmo grupo de pessoas, sendo que os bombeiros sapadores já tinham estado no mesmo local “há várias semanas e sempre de forma ordeira”.

Ricardo Cunha, presidente do SNBS, advoga: “Estamos aqui para mostrar que os governos se têm esquecido dos bombeiros. Estamos há 22 anos nisto”. Quanto às altercações no início do protesto, afiança: “Não posso discordar porque também sou bombeiro e sofro o que eles sofrem. Não contava que isto acontecesse mas, na sexta-feira, em reunião com o Secretário de Estado, não nos foram dadas respostas”.

Margarida Blasco, ministra da Administração Interna, por sua vez, observa que “os bombeiros sapadores a manifestar-se em frente à Assembleia da República são bombeiros cujo patrão não é Estado, são bombeiros que dependem das autarquias”. O que não ficou sem resposta, dura, por parte do autarca do Porto, Rui Moreira: “A senhora ministra não sabe o que está a dizer.” Moreira lembrou que os bombeiros sapadores, à semelhança de outros, são funcionários do município, mas não é a autarquia que determina as suas carreiras e condições de trabalho, e sim o Estado.

Ainda assim, numa declaração aos jornalistas, a ministra adiantou que “estão a decorrer várias negociações no sentido de chegarmos a um bom termo, a um bom porto, relativamente ao estatuto dos bombeiros”.

Junto aos sapadores estiveram representantes dos vários partidos, exceto do PSD, CDS e PS. André Ventura, líder do Chega, afirma que o Governo continua “a tratar os bombeiros como criminosos”. Dentro do Parlamento Hugo Soares, secretário-geral do PSD, lamentou que “tenham sido ultrapassados alguns limites”, durante o protesto. 

António Leitão Amaro, ministro da Presidência, reiterou o argumento já utilizado pela ministra Margarida Blasco, de que os bombeiros sapadores “são trabalhadores das autarquias”. Ao mesmo tempo, o ministro considera que os sapadores, tal como “muitos outros grupos profissionais, têm “aspirações legítimas”, mas aproveitou para deixar críticas implícitas a alguns partidos. “Nada serve e nada conta a instrumentalização política de aspirações legítimas de grupos profissionais”, acusou.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt