Sair de casa dos pais é objetivo dos jovens portugueses. Mas não conseguem

Os jovens em Portugal querem ganhar a sua independência, mas fatores como a guerra ou a pandemia de covid-19 atrasam os planos. Rita Esteves, Inês Teixeira e Cristiana Agostinho falaram com o DN sobre as suas experiências.

Portugal é o país da União Europeia em que os jovens em média saem mais tarde de casa dos pais: aos 33,6 anos. A pandemia de covid-19 e agora a guerra na Ucrânia, estão a intensificar este processo de saída tardia, tal como outros desafios que enfrenta: empregos e salários precários. Esta tendência não é nova em Portugal mas tem-se vindo a intensificar e foram confirmados pelo Eurostat.

"Estamos a tratar de uma condição que ela própria é transitória, no sentido em que há uma fase de transição para a vida adulta e de entrada no mercado de trabalho [com empregos cada vez mais precários] que sempre foi marcada por alguma flexibilidade e por experiências mais ou menos transacionais", explica Vítor Ferreira, sociólogo e investigador auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa).

Vítor Ferreira explica que as condições atuais perante o trabalho fazem com que as pessoas experimentem cada vez até mais tarde a entrada nesse mercado. "Neste momento já não estamos só a lidar com uma fase de transição para a idade adulta mas com a própria transformação daquilo que é a idade adulta", argumenta o sociólogo. Os jovens e "faixas cada vez mais alargadas de pessoas ditas jovens" estão a deparar-se com uma insegurança profissional, no sentido em que tentam procurar empregos que de facto tragam condições de subsistência e não conseguem.

A ansiedade e a depressão que já tinham presença assídua na vida de muitos jovens, vieram a ser acentuados pela pandemia. Segundo o sociólogo, estas questões de saúde mental criam sentimentos de insegurança perante o futuro e incapacidade de planeamento da vida.

A natalidade é um dos indicadores que sofre as consequências desta saída mais tardia de casa dos pais. Portugal já tem um longo percurso de redução das taxas de natalidade tanto que, há mais de uma década, que não consegue regenerar as gerações. "Começa a ver-se muito nitidamente que a opção pelo não ter filhos ou por não ter o segundo filho são decisões feitas racionalmente por questões de precariedade e de adiamento da própria maternidade e paternidade", explica Vítor Ferreira.

O sociólogo frisa que a dificuldade em arranjar habitação também tem obrigado os jovens a aderir a arranjos domiciliares que não eram comuns entre os jovens do pós 25 de abril, altura em que maioritariamente se saía de casa para casar e constituir família. Viver com amigos ou em quartos são arranjos normais entre uma população que pretende ter mais autonomia mas que tem de lidar com a flutuação do mercado imobiliário.

Apesar de tudo isto, ao continuar em casa dos pais os jovens ganham uma maior margem de negociação da autonomia com os pais. Noutras gerações as relações parentais eram mais autoritárias e apesar de continuar a haver uma relação de poder, há uma maior flexibilidade.

Para Vítor Ferreira, a intervenção a nível da habitação e dos salários é fundamental. "Neste momento há um conjunto de cidades portuguesas, incluindo Lisboa, Porto, cujo mercado imobiliário entrou num mercado transnacional". Os clientes já não são só nacionais e por isso o preço das casas começam a ser estabelecidos em função de salários e condições de trabalho internacionais.

O sociólogo lembra que os jovens são a camada mais facilmente descartável em momentos de crise pois " há um conjunto de direitos aos quais não conseguiram aceder de uma forma coletiva e mais permanente como os pais ou avós".

Rita Esteves: sair e regressar a casa dos pais

Rita Esteves tem 30 anos, é técnica de laboratório e já saiu da casa dos pais e voltou várias vezes. Saiu de casa pela primeira vez assim que terminou o mestrado e começou um emprego remunerado. "Sempre que estive desempregada tive a necessidade de voltar a casa dos meus pais por não ter poupanças que me permitissem continuar a pagar o arrendamento de um quarto", diz Rita.

Passou por sete apartamentos partilhados nos últimos seis anos e espera agora encontrar uma situação mais estável e uma casa onde possa criar algumas raízes. Neste momento, partilhar casa com outras pessoas é a solução que encontrou para ter a sua independência, pois não vê ter as condições para arrendar um apartamento sozinha num futuro próximo.

A relação com os seus pais é próxima, mas Rita considera que a saída de casa aumentou a qualidade do tempo que passam juntos. Apesar de todas as dificuldades que tem encontrado ao longo destes anos, não se arrepende da sua decisão.

Inês Teixeira: deixar casa dos pais é desejo, mas...

Aos 23 anos Inês Teixeira trabalha a tempo inteiro na área do marketing e está a fazer o mestrado. Ainda não saiu de casa dos pais mas esse é um desejo que sempre teve consigo. "O desejo tornou-se mais real depois de ter feito Erasmus em Madrid durante seis meses, e ter percebido que era mesmo capaz de estar sozinha numa casa e fazer todas as tarefas domésticas. Senti-me mais independente e quando voltei os meus pais concordaram", diz Inês.

Apesar deste apoio e do sentimento de independência que ganhou, considera que ainda não tem o rendimento nem condições suficientes para sair de casa. Há dois anos que trabalha numa agência de marketing e publicidade mas entende que o seu salário atual não iria chegar para ter uma vida confortável. "Planeio ir viver para Madrid durante dois ou três anos para conseguir juntar mais dinheiro e depois então viver no centro de Lisboa".

O facto de os jovens portugueses saírem de casa tão tarde é um dado que por um lado assusta Inês, mas que por outro a motiva a procurar um futuro melhor tal como melhores oportunidades de trabalho que tragam alguma estabilidade financeira. "Sinto que o Estado deveria dar mais apoio ao jovens adultos no que toca à procura e sustento de habitação", considera Inês. O panorama atual pode ser desanimador mas a jovem mantêm a esperança de que terá oportunidade de sair de casa dos pais.

Cristiana Agostinho e o "sentimento de falha"

Aos 31 anos Cristiana Agostinho teve de voltar para casa dos pais, um passo que não esperava ter de tomar nesta fase da sua vida. "O mais difícil no processo de regressar foi a tomada de decisão de que o tinha de fazer. Custa muito traçar um percurso de independência, e depois sermos confrontados com a sensação de regressão. Há um sentimento de falha muito grande", diz Cristiana. Aos 18 anos saiu de casa para estudar e desde aí que não olhou para trás, até agora. A necessidade de construir uma poupança levou-a de volta à casa dos seus pais.

"A vontade de sair para me procurar começou cedo". A sua revolta atualmente é com o facto de ter investido na sua formação e crescimento pessoal, e estar numa posição em que não consegue comprar uma casa, trocar de carro ou constituir uma família. O que mais assusta Cristiana neste momento é não saber exatamente quando é que este regresso temporário vai deixar de o ser. "Não faço ideia quando terei condições para poder voltar a sair."

Para Cristiana, voltar a viver com os pais está a correr melhor do que alguma vez imaginou. O facto de todos estarem mais maduros, terem uma maior tolerância com os outros, tal como uma maior capacidade de resolução de conflitos tem permitido que Cristiana e os pais tenham uma relação mais pacífica do que aquela que os anos da adolescência permitem.

A técnica de recursos humanos entende que esta saída tardia acaba por ser uma forma de atrasar a vida. "Mais tarde compramos casa, casamos, equacionamos ter filhos. E estamos sempre com medo de poder já ser tarde demais para qualquer coisa. Entretanto somos velhos demais para pedir um empréstimo, para engravidar ou para nos sentirmos confiantes para dar o salto". No entanto, Cristiana está motivada para continuar a reunir as condições para construir a sua vida.

sara.a.santos@dn.pt

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