Revigorar ou minar a democracia é um dos poderes do digital

Em tempo de extremismos e ataques cibernético, reforça-se o apelo ao uso da tecnologia para o bem. Utilizar a inteligência artificial para promover a igualdade e uma sociedade livre, transparente e justa é uma das ferramentas.
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A tecnologia é apenas uma ferramenta. Uma ferramenta que tanto pode ser usada para o bem, como para o mal, pelo que deveria ter o ser humano como objetivo máximo. Esta foi a principal conclusão do Digital 4Good que decorreu ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e que foi organizado por Portugal, Estónia e Malta.

A verdade é que a tecnologia mudou a forma como vivemos, trabalhamos e interagimos com o outro. Sendo que a pandemia acelerou o processo de digitalização das empresas (e sociedade). A questão é se a tecnologia está (também) a ser usada para fins sociais e filantrópicos. Basicamente se é uma (boa) tecnologia, que está a ser usada para o bem da sociedade.

Na última década, a forma como encaramos e usamos as redes sociais e a tecnologia mudou. Hoje há uma maior envolvência e envolvimento por parte das comunidades. O caso do Irão, onde recentemente as redes sociais foram utilizadas como forma de protesto é um bom exemplo, como lembrou Tove Bruvik Westberg, embaixadora da Noruega em Portugal. Ou seja, a revolução digital empoderou não só empresas como governos e a sociedade civil.

Opinião partilhada por Geoff Mulgan, da Stanford University, que deu como (segundo) exemplo a forma como a Ucrânia está a usar a tecnologia para fazer face às tropas russas. Não só o seu presidente usa as redes como meio de comunicação e divulgação da situação para o mundo, como os cidadãos usam fotografias das tropas russas para, através do recurso à georreferenciação, passar informações valiosas para o seu Exército.

No entanto, se tem havido muita inovação no que concerne ao mundo comercial e material, o consenso é o de falha na perspetiva social e filantrópica. O pensar em como usar todo o potencial da tecnologia para termos uma sociedade mais equitativa, transparente, justa e democrática. Porque o que se verifica até hoje é que, basicamente, a ascensão das plataformas foi, na opinião de Geoff, uma oportunidade perdida para a sociedade.

Isto em termos gerais, porque, como apontou Alexiei Dingli, da University de Malta, há todo um conjunto de utilizações, nomeadamente na saúde e na inclusão, que a tecnologia já está a ajudar. E deu como exemplo dois projetos onde a universidade está a trabalhar com a realidade virtual.

No caso da esquizofrenia, por exemplo, tudo começou como uma forma de dar formação aos alunos. Dando-lhes uma ideia do que os pacientes sentem e como vivem a sua realidade. A ideia agora é avançar para que os próprios pacientes possam ajudar a tecnologia. Porque, como afirmou Alexiei, "quando confrontados com as alucinações começam a conseguir geri-las".

A tecnologia pode ajudar e muito. Mas o seu mau uso pode ser igualmente prejudicial. Quando mal usada, também pode ser potenciadora da difusão de desinformação, o que, em última análise, acaba por minar a própria democracia. Mas também é verdade que, no decorrer do dia, ficou provado que existe todo um potencial para que as organizações sociais e sem fins lucrativos poderem atuar e beneficiar da tecnologia.

Depois há que contar com a parte da regulação. Porque o que se verifica, muitas vezes, é que quem define as leis não conhece - ou sequer percebe -- o assunto. O que leva Filipe Santos, da Universidade Católica Portuguesa, a defender que a regulação deveria ser feita por uma entidade independente constituída por especialistas.

E há ainda uma outra questão. A ética. Até que ponto a tecnologia, as ferramentas e soluções que são desenvolvidas cumprem os princípios da ética? Mais uma vez, a opinião unânime é que "depende do seu uso". A solução, para Maria do Céu Patrão Neves, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade dos Açores, passa por a tecnologia colocar as pessoas no seu centro. Ser o objetivo primordial aquando de qualquer tipo de desenvolvimento.

No entanto, há uma coisa de que não nos podemos esquecer. Os cidadãos têm de ser mais ativos e exigir os seus direitos.

Como referiu Riitta Vänskä, especialista em digital learning e data economy, a maioria das pessoas não questiona - e por isso não sabe - que dados as empresas recolhem ou o que fazem com eles. E um estudo levado a cabo pela SITRA mostrou que há uma correlação entre a noção de privacidade e proteção de dados pessoais e a idade. Ao contrário do que seria de prever as camadas mais jovens têm menos cuidado com- e sabem menos sobre - os seus dados. O que leva a especialista a defender que deveria haver literacia nas escolas. Quanto mais cedo - em termos temporais e de idade - melhor. Mas atenção. Esta tem de ser mais diversa, colaborativa e inclusiva.

A tecnologia é uma ferramenta. E os avanços na revolução levantam questões éticas. No entanto isto não pode ser encarado como um obstáculo ao progresso, mas sim para um compromisso com uma revolução tecnológica centrada no ser humano.

dnot@dn.pt

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