PIco das reformas de médicos só deve atenuar em 2025 ou 2026
PIco das reformas de médicos só deve atenuar em 2025 ou 2026

Reformas de médicos abrandaram até junho em relação a 2023, mas “isto não resolve problemas”

Até final de maio, 242 médicos pediram a reforma. No mesmo período de 2023, já eram 300. Mas a ACSS indica que até fim de 2024 há 1901 médicos que podem reformar-se pela idade. Mesmo que sejam menos, médicos de família pedem medidas.
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Em 2023, bateu-se um recorde de reformas de médicos. Ao todo, 822, mais do que em 2022 quando foram 782. Este ano, a tendência parece estar a inverter-se com o abrandamento que se está a sentir nos primeiros meses do ano. Mas quem está no terreno diz que “o adiar da reforma torna a situação menos grave, mas não resolve o problema da falta de médicos. Quem não se reformar agora tem de o fazer, no máximo, daqui a três anos, e o problema é que não estamos a conseguir fixar os médicos que acabam de se formar e é neste aspeto que precisamos de medidas concretas”, defende ao DN o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto.

Não é a primeira vez que o diz, nem a segunda. Até porque, esta é a especialidade mais afetada pelo pico de reformas que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) vive nos últimos anos, estimando-se que só atenue em 2025 ou em 2026. E, como sublinha Nuno Jacinto, “sem médicos não conseguimos fazer nada”. 

A ministra Ana Paula Martins tem apelado aos médicos para que continuem a trabalhar no SNS, mesmo depois da reforma, sendo que tal é permitido por lei desde 2016, mas até maio deste ano só 640 dos profissionais que se reformaram nos últimos anos é que aceitaram manter-se em funções (400 dos quais dos cuidados primários). Se não fosse assim, destaca ainda o presidente da APMGF, “a situação seria mais grave”, tendo em conta que de fevereiro a junho deste ano há mais 77 mil utentes sem médico de família. Ao todo, são 1,6 milhões e o número de médicos de família em falta é de cerca de um milhar, considera o médico. 


De acordo com Nuno Jacinto, o abrandamento que revelam os números disponibilizados ao DN pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) “não é sentido no terreno”. Ou seja, “essa diferença no número de reformas em relação a 2023 acaba por não ter qualquer tradução na perceção de cada um de nós e na nossa atividade. Sabemos que uma boa parte dos colegas não sai de imediato assim que atinge os 66 anos e quatro meses, mas a verdade é que continuamos a empurrar o problema com a barriga, porque os quase dois mil médicos que este ano atingem a idade para a reforma (1901 segundo a ACSS) têm de sair até aos 70 anos. Podemos continuar a fazer contratos com estes, mas o problema é que não estamos a conseguir compensar todas as saídas com os médicos que acabam de se formar, porque não há medidas que os motivem a fixar-se no SNS”. E dá um exemplo: “Este ano, as novas regras para os concursos médicos atrasaram o processo de fixação de médicos e temos os jovens especialistas a fazerem outras opções, que não a de ficar no SNS”.


Portanto, mesmo que os médicos adiem a reforma, “o défice de profissionais nos cuidados primários está instalado e vai continuar”. A questão não é nova, e como destaca, “há 30 anos que se sabia que nesta década haveria um pico de reformas nos médicos, é a demografia. Na altura, decidiu-se, e bem, aumentar o número de vagas para os internatos, no caso da Medicina Geral e Familiar quase 500 vagas para formação, mas sempre a pensar que todos os médicos ficariam no SNS, o que não acontece”.


O mundo mudou, o paradigma da profissão também e as ofertas são muitas a nível global, e “o que se deveria estar a fazer era compensar este défice com medidas concretas que permitam aos médicos escolher o SNS, senão vamos continuar com a conversa que há mais não sei quantos utentes sem médico de família”.

De acordo com a realidade, Nuno Jacinto diz ser do conhecimento geral que as 500 vagas que se lançam para formação nunca são todas ocupadas. “À partida, perdemos logo em média entre 15% a 20% de colegas que não escolhem uma especialidade. E dos que entram há alguns que desistem no primeiro ou no segundo ano. A formação chega ao fim com apenas dois terços dos que entraram, logo não temos todos os anos 500 médicos para substituir os que se reformam”.


Nas vésperas de mais uma greve de médicos, decretada por um dos sindicatos, para 23 e 24 de julho, porque as negociações com a tutela falharam, o presidente da APMGF reconhece que há “um clima de tensão há muito tempo, que não é só de agora com esta tutela, e o limiar de tolerância dos médicos é menor para ficarem a aguardar medidas que só terão resultados daqui a um ou dois anos”, argumentando ainda: “Evidentemente que os médicos sabem que uma tutela não pode mudar tudo de uma vez, mas sempre que entra um novo governo não se pode voltar à estaca zero. Os sindicatos não recorrem à greve por tudo e por nada. Usam-na quando tudo o resto já falhou ou quando entendem que já não há margem para negociar, o que é sempre um mau sinal. Isto significa que mais uma vez não houve capacidade capacidade para delinear uma estratégia que mostre qual é o caminho e com o que estamos comprometidos e vamos todos trabalhar para dar mais condições aos profissionais”.

A atual tutela apresentou no final de maio um Plano de Emergência e Transformação da Saúde, um dos eixos prioritários são cuidados primários, diminuindo o número de utentes sem médico de família e as listas de espera, mas quem está no terreno continua a dizer que este ainda não está a ter efeitos no terreno.

Mas não só. O representante dos médicos de família queixa-se ainda de que “continuamos a não ser ouvidos para participar nas soluções. Há muito tempo que propomos soluções e caminhos para resolver situações que tardam em ser resolvidas, que somadas só aumentam a insatisfação dos médicos”, diz Nuno Jacinto. Como associação, “pedimos aos nossos médicos que continuem a acreditar na especialidade, mas que continuem também a exigir aquilo que consideramos essencial para que os nosso utentes tenham cuidados de qualidade”.

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