Recuo na queixa a Bruxelas "fragiliza" Portugal

Presidente da Comissão Europeia empenhou-se na solução agora encontrada. Vozes críticas dizem que Portugal fica a perder.
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A necessidade de manter a coesão da União Europeia num momento difícil da geopolítica internacional levou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a intervir no conflito entre Portugal e Espanha por causa da central de Almaraz, e os dois países ibéricos assinaram o "acordo amigável" ontem anunciado.

Portugal retira a queixa que fez em Bruxelas - sem prejuízo de voltar a fazê-lo no futuro - e enceta-se aqui um período de dois meses de diálogo, em que Espanha se compromete a facultar toda a informação relativa à segurança nuclear e ambiental do novo armazém de resíduos nucleares (ATI), em construção na central de Almaraz. Para a Comissão foi um sucesso, mas as ondas de choque já aí estão, com a oposição em Portugal e o BE a criticarem o acordo e os ambientalistas dos dois países ibéricos indignados com o que consideram um "recuo inaceitável de Portugal".

"Sendo um europeísta inveterado", o presidente Juncker entendeu que a União Europeia "não é um espaço para conflitos que não tenham outra solução que não o diálogo". E, foi por isso que, num intervalo da Cimeira de Malta, procurou António Costa e Mariano Rajoy "para lhes propor uma solução", que na prática significa que "o diálogo é retomado", afirmou ao DN fonte do gabinete de Juncker.

O presidente da comissão procurou "por um lado que Espanha fosse ao encontro do que Portugal precisa de saber em relação à central, por outro que Portugal retirasse a queixa", lembrando os "interesses" que os dois países partilham "até em matéria de energia".

O acordo assinala, aliás, que os dois países se comprometem em "acelerar" os trabalhos do grupo de alto nível sobre as interligações energéticas na Europa. Este é um tema que se arrasta há anos e que a Comissão assume como prioritário, que se prende com o fim das ilhas energéticas na UE. As interligações ligariam as redes de energia da Península Ibérica à Europa, permitido que Portugal e a Espanha exportassem, por exemplo, eletricidade de fontes renováveis.

França, no entanto, tem colocado entraves à travessia dos cabos de alta tensão, as interligações, através dos Pirenéus. "Ao incluir o tema no acordo, o presidente lembra que é muito mais o que une os dois países do que o que os separa", disse fonte da comissão. "Sem tirar importância"a Almaraz, Juncker prefere que os dois Estados se concentrem nos "enormes desafios económicos, sociais e geopolíticos que a UE enfrenta nesta altura".

Em Portugal, porém, o acordo foi recebido com indignação e surpresa tanto pela oposição (PSD) como pelo Bloco de Esquerda, que apoia o governo, e pelos ambientalistas, que o consideram "um recuo" que "fragiliza a sua posição negocial do governo português".

Pelo contrário, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou que este é um "acordo preliminar para dar um tempo, a ver se é possível um acordo definitivo". Na sua opinião, os dois governos e os partidos que os apoiam devem agora trabalhar para isso.

Pela voz de Berta Cabral, o PSD acusou o governo de António Costa de "atirar areia para os olhos" dos portugueses, ao "adiar o problema"."Não é um bom acordo para Portugal", disse. Já os bloquistas falam de "um recuo em toda a linha". Segundo o deputado Jorge Costa é "lastimável" que o governo tenha aceite os termos do acordo, porque existia unanimidade, nomeadamente entre os deputados na Assembleia da República, para exigir a Espanha o estudo de impacto ambiental transfronteiriço.

Entre os ambientalistas, a mesma deceção. "O diálogo é sempre positivo, mas face ao incumprimento da lei europeia sobre avaliação de impactos ambientais, por parte de Espanha, não tem sentido retirar a queixa, porque isso fragiliza a capacidade negocial de Portugal", afirmou ao DN Francisco Ferreira, presidente da associação Zero. "É estranho que o estado espanhol, que tem apoiado o nuclear, tenha agora esta súbita disposição para o diálogo", nota o dirigente, sublinhando que "é bom que haja transparência e que sejam clarificados todos os detalhes do acordo, de que se sabe pouco em concreto".

António Eloy, o coordenador para Portugal do Movimento Ibérico Antinuclear (MIA), que engloba associações portuguesas e espanholas, também não poupa palavras. "É uma cedência inacreditável sem qualquer contrapartida em relação à matéria de fundo que era o motivo da queixa em Bruxelas", afirmou ao DN, garantindo que o MIA mantém a frente judicial. O movimento entregou no fim de janeiro um recurso ao governo espanhol para travar a construção do novo ATI e seguirá para tribunal se não houver resposta nesse sentido.

Sobra a questão do fecho da central de Almaraz, tudo indica que não se concretizará em 2020. Ontem, no anúncio do acordo, o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva afirmou que a eventual decisão de Espanha de prolongar a vida da central "será tratada a seu tempo". Mas o facto é que as empresas proprietárias já anunciaram que vão solicitar a continuação da sua operação. Segundo o El País, a queixa que Portugal levou a Bruxelas, e que agora retirou, punha em risco esse plano.

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