Recrutamento de polícias vai incluir testes para despistar ligações à extrema-direita
Os novos critérios de seleção dos futuros elementos da PSP, GNR e SEF vão ser concretizados no próximo ano. O recrutamento passa a incluir testes de personalidade "que servem para despistar eventuais ideários contrários ao Estado de Direito", refere a Inspeção-Geral da Administração Interna.
O recrutamento dos futuros polícias vai passar a incluir, a partir de 2022, testes de personalidade para despistar eventuais ligações à extrema-direita ou comportamentos contrários ao Estado de Direito, segundo a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).
Relacionados
Os novos critérios de seleção dos futuros elementos da PSP, GNR e SEF inserem-se no Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança, um documento elaborado pela IGAI e que conta com a participação destas três instituições.
O documento foi aprovado no passado mês de março e está "praticamente executado", sendo apresentado até ao final do ano o relatório de monitorização, disse à Lusa a inspetora-geral da administração interna, Anabela Cabral Ferreira, que juntamente com o subinspetor-geral, José Vilalonga, fez um balanço deste plano que tem como objetivo prevenir qualquer forma de discriminação nas polícias.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Segundo a IGAI, no âmbito do plano foi criado um grupo de trabalho, que integrou membros das forças e serviços de segurança, psicólogos e algumas pessoas ligadas aos recursos humanos, que resultou pela introdução de novos campos no processo de seleção dos futuros polícias.
"Na área do recrutamento, o que estava previsto no plano era definir e reforçar critérios de recrutamento de forma a poder despistar comportamentos contrários ao Estado de Direito, falta de empatia, agressividade, era aqui que se previa a constituição de um grupo técnico e isso foi feito", disse Anabela Cabral Ferreira.
Por sua vez, José Vilalonga precisou que no recrutamento "foram estabelecidas alterações aos métodos de recrutamento inserindo alguns campos de análise relacionados com aspetos de personalidade que tentam avaliar questões tais como o nível de empatia e adesão aos valores do Estado de Direito".
Segundo a IGAI, estas mudanças no recrutamento, nomeadamente ao nível dos testes de personalidade, vão ser concretizados no próximo ano.
"Isto é um passo importante. Os testes que existiam não tinham essa especificidade. Como resultado deste grupo de trabalho, há aspetos perfeitamente identificados nesses testes de personalidade que são feitos e que servem para despistar eventuais ideários contrários ao Estado de Direito", disse.
Além do recrutamento, a formação também vai merecer alguns ajustes, que vão ser introduzidos quando a PSP, GNR e SEF alterarem os currículos dos cursos.
"Um dos aspetos que identificamos e onde há alguma necessidade de intervenção é a questão da discriminação, que não pode ser englobada num grande caldeirão dos direitos humanos, porque os direitos humanos é tudo. Identificamos uma necessidade de formação específica na área da discriminação, que é uma área dentro dos direitos humanos, mas que ainda não tem tido um tratamento específico e terá de começar a ter pela importância que têm na relação entre as forças e serviços de segurança com a comunidade", disse a IGAI.
"O plano não teve a pretensão de ser um toque de mágica que resolva o problema da discriminação"
O plano prevê igualmente formações avulsas ministradas pela IGAI sobre matérias relacionadas com discriminação, tendo já sido realizadas, em novembro, quatro ações com inspetores do SEF e, em dezembro, duas com todos os comandantes territoriais e de posto da GNR.
De acordo com a IGAI, ações semelhantes estão previstas para a PSP durante o primeiro trimestre de 2022.
Anabela Cabral Ferreira avançou igualmente que no próximo ano a IGAI vai também ministrar ações de formação junto dos militares da GNR e agentes da PSP sobre casos concretos de discriminação.
O subinspetor-geral da IGAI afirmou que o plano tem também a preocupação de acompanhar os polícias ao longo da carreira, sendo um trabalho feito pelos psicólogos de cada força de segurança.
"O plano não teve a pretensão de ser um toque de mágica que resolva o problema da discriminação. O plano tem medidas concretas com um olhar especial para este problema e para minimizar este problema", sustentou José Vilalonga, que é o interlocutor da IGAI com as forças e serviços de segurança para a execução do plano.
A juíza desembargadora disse ainda que este plano pretende prevenir a entrada nas polícias de racistas, xenófobos e homofóbicos "ou de qualquer outra forma de discriminação", mas caso sejam integrados, há formas de prevenir, ou através da formação, ou "em fim de linha, através do sistema sancionatório".
IGAI critica "discurso populista" sobre problema de racismo nas polícias
A inspetora-geral da Administração Interna criticou o "discurso populista" segundo o qual há um problema generalizado de racismo ou xenofobia nas polícias, considerando que os casos de discriminação "não são uma prática recorrente e enraizada" nas forças de segurança.
"Não podemos cair na generalização populista de que há um problema generalizado de racismo ou xenofobia ou homofobia nas forças e serviços de segurança, porque isso não é justo, não é correto, nem é verdadeiro. Isto é um discurso que eu considero perigoso", disse Anabela Cabral Ferreira, em entrevista à Lusa, em que fez um balanço do Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança (FSS), em vigor desde março.
A inspetora-geral da Administração Interna (IGAI) sustentou que este tipo de "discurso populista" pode ter um efeito "fortemente desmoralizador.
"Um homem e uma mulher que faça parte das forças e serviços de segurança e que veja a força que integram enxovalhada em permanência com o grande chavão as FSS são racistas, são homofóbicas, são xenófobos', é evidente que potencia uma enorme desmotivação que nós também queremos evitar porque estes homens e mulheres também merecem muito reconhecimento", frisou.
"Queremos prevenir que não entrem, racistas, xenófobos e homofóbicos ou qualquer outra forma de discriminação" nas forças de segurança
Sobre o Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança, a inspetora-geral afirmou que é feito de "uma forma integrada, muito participativa" e "não de costas voltadas" para a PSP, GNR e SEF.
Anabela Cabral Ferreira disse também que esta iniciativa não decorre da identificação de um número crescente ou assinalável de problemas de discriminação nos processos instaurados pela IGAI.
Para a responsável pela entidade que fiscaliza a atividade das polícias, este plano "não é resultado do aumento exponencial" de casos de discriminação nas forças e serviços de segurança, mas "é um problema grave" porque toca "na dignidade do ser humano".
A mesma responsável garantiu também que todas as situações são investigadas pela IGAI.
"Este plano não foi feito porque identificamos isto [discriminação] como uma prática recorrente e enraizada nas FSS. Identificamos é que nas FSS, como na comunidade, haverá casos pontuais em que essas práticas poderão ocorrer. Se isso é inadmissível na comunidade é absolutamente proscrito nas FSS pelo poder em que estão investidos", sustentou.
Para a juíza desembargadora, qualquer atuação de um membro das forças e serviços de segurança contrária ao Estado de Direito, seja no uso excessivo, desadequado ou desproporcional do uso da força ou na vertente discriminatória, "é sempre algo que afeta o Estado de Direito".
Anabela Cabral Ferreira considerou ainda que a sociedade portuguesa não é racista, mas há cidadãos racistas, xenófobos e homofóbicos e muitos deles podem entrar nas forças de segurança.
"É isso que nós queremos prevenir que não entrem, racistas, xenófobos e homofóbicos ou qualquer outra forma de discriminação, tudo faremos para que não entrem" nas FSS, salientou.
O plano, que define áreas de intervenção, objetivos e medidas específicas relacionadas com o recrutamento, formação e atuação dos elementos das forças de segurança, foi elaborado pela IGAI e contou com a participação da Guarda Nacional Republicana (GNR), da Polícia de Segurança Pública (PSP) e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).