Raquel Fragoso de Carvalho - A empresária agrícola que produz arroz no Vale do Sado

Mulheres do meu país - século XXI
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Raquel Carvalho é exemplo da crescente participação das mulheres na agricultura, ainda que a regra continue a ser um maior número de mulheres (relativamente ao sexo masculino) a frequentarem o curso de Engenharia Agronómica, mas um reduzido número de profissionais femininas a exercer a profissão. Ela própria só conhece "duas ou três de outros anos a trabalhar", apesar de no seu curso ter havido cerca de setenta por cento de mulheres.

Nascida em Lisboa, já em criança acompanhava o pai ao campo para avaliar o desenvolvimento das culturas, das forragens, da criação de gado bravo e da distribuição de tarefas entre os empregados.

Logo que o progenitor lhe atribuiu a responsabilidade de manear o gado bravo a cavalo, compreendeu o fascínio que tal lhe produzia, não só por poder acompanhá-lo num ambiente eminentemente masculino, como também pela adrenalina que o perigo das lides originava.

Assim nasceu a sua paixão pelo campo e a certeza de querer estudar algo que lhe permitisse trabalhar com animais. Veterinária foi a primeira opção, mas como não entrou, escolheu Engenharia Agronómica, com a ideia de solicitar permuta no 1.º ano. No entanto, tal não chegou a acontecer pois apercebeu-se da importância do que estava a aprender para o trabalho que desenvolvia com o pai.

Começou a aplicar os conhecimentos adquiridos na exploração agrícola familiar, assumindo cada vez mais responsabilidade, quer na supervisão dos trabalhadores permanentes, quer dos que eram contratados em épocas de colheita. As suas funções incluíam a distribuição do pessoal pelos locais de trabalho, a supervisão da aplicação de fitofármacos, o acompanhamento na calibração de alfaias agrícolas e o apoio nas intervenções sanitárias do gado bovino, entre muitas outras.

Posteriormente, com a entrada no novo milénio, devido à falta de mão de obra portuguesa para trabalhos manuais, foi necessário contratar imigrantes vindos de Leste, que ficavam muito admirados quando viam uma mulher liderar os trabalhos e as equipas.

Nessa fase teve vários desafios que colocaram à prova a sua capacidade para superar as dificuldades do trabalho no campo. Conta um episódio em que, em plena vindima, com 15 pessoas a trabalhar na colheita, o único tratorista disponível, nessa semana, ameaçou despedir-se, tal como já era hábito, até que Raquel de Carvalho o mandou mesmo embora. O problema seguinte foi encontrar outro tratorista, pois não havia nenhum disponível, e teve de ser ela a subir para o trator e fazer o serviço. Assumiu o controlo e assim ganhou o respeito e reconhecimento pela sua capacidade de trabalho.

Em 2004, aceitou o desafio de ir trabalhar para uma grande empresa agroflorestal, onde pôde desenvolver atividades relacionadas com a componente silvo-pastorícia em propriedades privadas, no Ribatejo e no Alentejo, desenvolvendo forte ligação com o montado de azinho e sobro.

Acumulou funções técnicas e comerciais, tendo de avaliar a capacidade produtiva dos montados e o número de porcos a instalar durante o período de produção de bolota, para além de acompanhar as explorações e coordenar as intervenções aos animais, quer no maneio alimentar, quer no sanitário.

O seu empreendedorismo levou-a a criar, em 2010, com mais dois sócios, uma empresa vocacionada para o trabalho de consultadoria e prestação de serviços na área agroflorestal, permitindo que as boas práticas e a correta técnica fossem implementadas na gestão florestal de várias propriedades de montado português.

Em 2014, ficou responsável pela exploração agrícola familiar, da mãe e do tio, de produção do arroz. Um desafio enorme, pois apesar desta cultura não lhe ser totalmente desconhecida, não tinha experiência profissional na área.

Mas, a pouco e pouco, foi compreendendo que as técnicas utilizadas na produção de arroz no Vale do Sado eram as mesmas desde há várias décadas, e que talvez fosse bom inovar. Como tal, importou do Ribatejo, para a zona de Alcácer, algumas técnicas, como é o caso, por exemplo, da abertura de valas no interior do canteiro, de forma a que a dispersão e saída de água fosse mais rápida e de maneira a, assim, aumentar a eficiência das mondas no arroz.

Posteriormente, como já tinha alguns familiares que faziam parte do agrupamento de produtores de arroz, o Aparroz, valorizando a vantagem competitiva de se associar a uma central de compras e de vendas, decidiu aderir também, e ao fim de dois anos convidaram-na para a direção.

Nos últimos anos, a redução do preço de venda do arroz em casca, a dificuldade de venda para a indústria, o aumento dos custos de produção e a redução de subsídios, têm esmagado os resultados das contas de cultura dos associados da Aparroz.

Como resposta ao problema, este agrupamento decidiu implementar um projeto de valorização do arroz que consiste na transformação do arroz em casca para arroz branco monovarietal (sem mistura de variedades) e no embalamento e venda ao cliente final, com um reconhecimento e uma diferenciação, permitindo que o arroz evolua de uma simples mercadoria para produto gourmet, com a correspondente valorização de preço no mercado.

Neste sentido, a sua contribuição tem sido na área agrícola, através da procura de culturas alternativas para as áreas em que o arroz não produz o limiar mínimo de rentabilidade e da aplicação da técnica de rotação de culturas, para que o combate às infestantes se torne mais eficiente.

*Autoras do livro Mulheres do Meu País - Século XXI inspirado na obra homónima de Maria Lamas. O livro, que tem design gráfico de Andrea Pahim, está à venda nas livrarias online e no FB. O DN publica nesta segunda quinzena de agosto uma seleção de 15 perfis de portuguesas notáveis.

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