Quem trabalha por turnos consome mais açúcar e gorduras

Um em cada cinco trabalhadores na Europa trabalha por turnos. A Direção-Geral da Saúde prepara-se para lançar um manual dedicado à alimentação de quem tem estes horários
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Há 13 anos que Fernanda Fonseca, enfermeira, de 35, faz turnos rotativos: manhã, tarde e noite. Conhece bem o impacto que estes horários têm. "Há uma alteração nos padrões de sono, que leva a uma alteração nos hábitos alimentares". Refere, por exemplo, um maior consumo de bebidas com cafeína e menos refeições completas. "Por outro lado, à noite há mais vontade de ingerir hidratos de carbono, gorduras e açúcares. Mas o metabolismo à noite não é igual".

Quem trabalha por turnos tem uma dieta com mais calorias, mais gorduras e mais açúcar. Foi esta a principal conclusão de um estudo coordenado pela nutricionista Cátia Moreira, que avaliou os hábitos alimentares de trabalhadores por turnos da TAP. Atendendo às consequências graves que este tipo de trabalho apresenta, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elaborou um conjunto de recomendações alimentares para trabalhadores por turnos e prepara-se para lançar um manual sobre o tema.

"Os trabalhadores por turnos da TAP apresentavam uma dieta com mais calorias, mais gorduras saturadas, colesterol alimentar e açúcar, quando comparados com aqueles que tinham horários normais", adianta Cátia Moreira. Associados aos turnos estão também problemas como "insónias, sonolência e alterações gastrointestinais como obstipação e flatulência".

Na Europa, estima-se que uma em cada cinco pessoas trabalhe por turnos. Segundo Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da DGS, estes trabalhadores "têm maior risco de sofrer de obesidade, diabetes tipo II e problemas cardiovasculares." Muito frequentemente surgem "desordens no sono, depressão e carência de vitamina D". A literatura refere também que estes trabalhadores apresentam níveis mais elevados de stresse e menor atividade física.

Maior apetência por doces

Daniela Pereira, 27 anos, trabalha há cinco numa loja de um centro comercial, onde alterna entre o turno da manhã e da tarde. Entre as refeições, comia frequentemente "bolos e coisas do género". Aos horários desregulados e má alimentação juntou-se o stresse e a pressão. "Em seis meses, engordei oito quilos". Deu-se o "clique" e passou a levar as refeições de casa. "O lanche passou a ser sandes de pão integral com queijo fresco".

Preparar as refeições em casa é uma das sugestões de Pedro Graça. "Isso significa planear de forma atempada a refeição, o que permite privilegiar hortícolas e uma alimentação mais variada". Outra recomendação é "fazer a refeição principal antes do turno, mas não pode ser pesada - porque aumenta a sensação de sono - e pequenas refeições durante o turno". O diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável refere, ainda, a importância de uma boa hidratação, acompanhada de uma ingestão moderada de bebidas com cafeína.

Trabalhar por turnos implica, muitas vezes, comer mais snacks e doces. Carina Malaquias, operária fabril de 28 anos, confirma que quando faz o turno da noite tem "mais tendência para levar chocolates e rebuçados" para se "manter desperta". "E torna-se difícil comer comida de faca e garfo", acrescenta. Quando começou a trabalhar à noite tentava fazer uma refeição às 04.00, mas deixou de conseguir. "O meu estômago não aceitava". Passou para o pão, mas também não se sentia bem. "Agora levo uma sopa e um iogurte".

Alimentos para despertar
Cátia Moreira, autora do livro Alimentação Saudável para Trabalhadores por Turnos diz que há alimentos que permitem "manter a pessoa mais desperta quando tem de trabalhar e mais sonolenta quando quer dormir". E dá alguns exemplos. Para ingerir durante o turno sugere alimentos ricos em proteína (carne, peixe, ovos, leite, iogurte, queijo, soja, tofu, seitan, tempeh) e bebidas ou alimentos com cafeína/teína/teobromina (café, chá, cappucino, chocolate). No máximo, alerta, quatro cafés por dia e até quatro horas antes de deitar.

Para provocar sonolência, ou seja, para comer antes de dormir, a nutricionista sugere aqueles que são ricos em hidratos de carbono e baixo teor de gordura (cereais integrais, pão integral, tostas integrais e bolachas integrais, batata, massa integral, arroz integral) e os que são ricos em triptofano (pão, amendoins, aveia, ameixa, banana e maçã).

Mas não chega dar recomendações aos trabalhadores. Pedro Graça considera importante que os locais de trabalho "desenvolvam estratégias que permitam que os trabalhadores façam escolhas saudáveis", como disponibilizar sopa quente e fruta, e oferecer "espaços que convidem a fazer uma refeição".

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