De 30 de dezembro a 5 de janeiro, a Linha SNS24 atendeu 126 449 chamadas. Destas, 44% foram encaminhadas para serviços de hospitalares, 40% para os cuidados de saúde primários, com 15 298 consultas agendadas, 11% ficaram em autocuidados e 5% foram direcionadas logo para o INEM. Ou seja, a esmagadora maioria dos casos atendidos foram considerados urgentes ou a necessitar de observação de um médico. Isto quer dizer que os utentes estão a cumprir o seu papel e a contactar os serviços de saúde só quando necessitam?O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, e o presidente da Associação Portuguesa da Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto, consideram que sim. “Se há um ano perguntássemos à maior parte das pessoas se era possível desviar cerca de 40% de utentes das s hospitalares, estas achariam que era impossível. Ou seja, achariam impossível haver uma pré-triagem referenciada que levasse as pessoas a deixarem de se dirigir à pelo próprio pé”, refere Xavier Barreto, sublinhando ainda que, “apesar dos 44% encaminhados para os hospitais, há que celebrar este avanço”. Aliás, destaca ainda, “se não fosse esta pré-triagem não tenhamos dúvidas de que as urgências hospitalares estariam bem piores, como estiveram em épocas de gripe anteriores. As pessoas é que esquecem rapidamente o que aconteceu no passado, porque, todos os anos, e independentemente da pandemia, houve hospitais com grandes dificuldades, até maiores do que aquelas que estão a ter este ano”. Por isto mesmo é que o presidente da APAH diz “não partilhar totalmente da opinião de que o trabalho de planeamento ou de preparação dos hospitais foi mal feito”, como defendeu ao DN anteriormente o bastonário dos médicos. “A verdade é que estão a ser aplicadas algumas medidas muito recentes, como o acesso pela Linha SNS 24, e já se conseguiu que, pelo menos, 40% dos utentes desviados para os cuidados primários não fossem às urgências hospitalares, o que antes poderia acontecer. Além destes, ainda houve 11% que ficaram em autocuidado. Houve referenciação e isto é importante”, sustenta. “É claro que só isto não chega, mas se não fosse esta linha os serviços estavam hoje muito pior”, reforça o administrador. Mas os 44% dos doentes encaminhados para os hospitais eram de facto urgentes? A esta questão Xavier Barreto diz não conseguir responder com precisão, por “não haver cruzamento de dados”. Admite que “talvez não fossem todos urgentes ou com necessidade de ali estarem, porque continuamos a ter especialistas hospitalares a dizerem que alguns doentes que chegam à não deveriam chegar”, mas acrescenta que “se são encaminhados é por cautela”. Defende, no entanto, que “há margem para repensar e melhorar os algoritmos para a pré-triagem” e que a questão “deve ser trabalhada no futuro, não é para discutirmos isso agora”.Do lado dos médicos de família, Nuno Jacinto também afirma não poder dizer com rigor se os utentes encaminhados para os cuidados primários foram bem encaminhados ou não. “É algo que não sabemos exatamente porque não temos dados que nos permitam fazer essa leitura”. O DN contactou o organismo que gere a Linha SNS24, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), para poder falar com alguém sobre o trabalho que está a ser feito e sobre se de facto há mesmo necessidade de rever os algoritmos de triagem, mas não houve disponibilidade para que tal acontecesse. Mas o presidente da APMGF alerta para o facto de o processo de “triagem não ser uma ciência totalmente exata”. “Tem de haver uma avaliação e evolução constante. E deste ponto de vista haverá sempre doentes triados com pulseiras verdes que podem evoluir rapidamente para doentes urgentes ou estes para doentes muito urgentes. Ou até haver doentes que poderiam ter ficado em autocuidado e não ficaram. A questão é que não temos s com 80% dos doentes triados como verdes, se tal acontecesse era preocupante e sinal de que alguma coisa estaria a falhar. Não diria tanto na resposta da pré-triagem, mas na maneira como as pessoas estavam a aceder ao serviço de saúde”, refere Nuno Jacinto. Até agora, e segundo os dados da SMPS, não parece ser o caso. Aliás, não tem havido reporte de situações em que os utentes estão a chegar em grande afluência pelo próprio pé. Por isso, considera Nuno Jacinto, os números da SPMS vêm demonstrar que “os cuidados de saúde primários estão a dar resposta como sempre deram”. “Foi possível agendar com dia e hora 15 298 utentes para consultas, o que prova também que a maioria da doença aguda é atendida nos cuidados de saúde primários. E é assim que deve ser. Não podemos é passar a ideia de que nos centros de saúde não há resposta”, argumenta. Por outro lado, diz que tem de ser encontrado um equilíbrio, porque a população não pode deixar de contactar diretamente o seu centro de saúde. "Afinal, somos a resposta de proximidade". Neste momento, e no planeamento da resposta às infeções respiratórias, há 231 unidades com horário alargado à semana e ao fim de semana. No entanto, “as unidades onde faltam médicos e enfermeiros, não conseguem responder desta forma”. Por isso mesmo, diz Nuno Jacinto, esta situação continua a necessitar de uma resposta estrutural.Tanto Nuno Jacinto como Xavier Barreto consideram que as unidades de saúde estão a dar a resposta que lhes é possível dar com os recursos que têm e que, por vezes, a questão principal não são os tempos de espera dos utentes, mas os recursos que estão a ser ocupados e desviados para situações que se calhar não são assim tão urgentes. A verdade é que a época da gripe ainda está no início e algumas urgências já só funcionam em pressão, obrigando os hospitais a acionar planos de contingência. Nuno Jacinto recorda que a população portuguesa está envelhecida e que talvez isso possa explicar haver mais casos complexos, “têm outras doenças associadas”, mas defende que tem de haver uma aposta na mensagem informativa sobre a gripe, porque a maioria dos casos pode ser “facilmente controlada em casa”.