Médicos já tiveram regime de exclusividade entre 1990 e 2009.
Médicos já tiveram regime de exclusividade entre 1990 e 2009.Artur Machado Glonal Imagens

PS propõe exclusividade e Governo aceita discutir, mas para os médicos a prioridade é o aumento dos salários

Anterior governo PS aprovou regime de Dedicação Plena para os médicos, apesar da contestação dos sindicatos, em detrimento da exclusividade. Este ano, Pedro Nuno Santos coloca o tema na negociação orçamental. Para a classe e gestores a valorização dos profissionais tem de ser feita, em primeiro lugar, pela base.
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O regime de exclusividade para os médicos foi criado por uma ex-ministra do PSD, Leonor Beleza, no final da década dos anos de 1980. A partir daí, os médicos puderam trabalhar de forma opcional e com remuneração majorada no Serviço Nacional Saúde (SNS). Na altura, a medida integrava o decreto das carreiras médicas e o objetivo já era evitar a saída de profissionais do serviço público para o setor privado, que começava a emergir. Mas este mesmo regime foi abolido pela ex-ministra da Saúde do PS Ana Jorge, num decreto aprovado em 2009 que veio alterar as carreiras médicas. Ao longo dos tempos, pode dizer-se que a própria classe se tem dividido sobre a existência de um regime de exclusividade no SNS ou de um regime misto que lhe permita também trabalhar noutras entidades.

O certo é que desde 2009 não houve mais contratos de exclusividade - os que existem na área hospitalar ainda são desse tempo - embora a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) defenda há muito o seu regresso, sendo esta uma das suas principais reivindicações, e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) a considere “determinante para o futuro do SNS”. 


No ano passado ainda houve a expectativa de este modelo poder regressar às carreiras médicas, mas o Governo de António Costa cortou essa possibilidade ao criar um  regime de Dedicação Plena, aprovado em setembro de 2023 e em vigor desde janeiro de 2024.

Os sindicatos contestaram este regime. A FNAM pediu mesmo a fiscalização constitucional do diploma por considerar que este continha matéria que violava direitos adquiridos pelos médicos, como jornadas diárias de nove horas e a perda de um dia de folga a seguir a uma noite de urgência, mas nada aconteceu.

5700 médicos funcionam em dedicação plena

A Dedicação Plena  aprovada pelo Governo anterior está em vigor e é obrigatória  para todos os médicos em cargos de chefia e médicos de família em  Unidades de Saúde Familiar, e opcional para os restantes. Começou por ter baixa adesão, mas em julho cerca de 5700 médicos já a tinham escolhido. 


Agora, o Partido Socialista volta a trazer o tema para a negociação orçamental, através da proposta que fez ao Governo de Luís Montenegro, como uma das linhas vermelhas para a viabilização do OE2025. O PS propõe mesmo uma parcela de “despesa permanente de 200 milhões de euros  com um regime de exclusividade dos médicos no SNS”, com o objetivo de valorizar a classe.


Ouvidos pelo DN, médicos e administradores hospitalares continuam a defender que o importante para o OE 2025 é a inscrição de “medidas que valorizem os profissionais no seu salário base”, argumentou Joana Bordalo e Sá, embora tivesse sublinhado que “um regime de exclusividade opcional e remunerado de forma justa e majorada é, sem dúvida, uma medida que consideramos que fixará mais médicos no SNS”.  

Para a presidente da FNAM, não é surpresa uma  proposta deste teor. “Andámos a reunir com todos os grupos parlamentares e a todos apresentámos esta medida, que teve o apoio de alguns, embora verbalmente”.


Para os administradores hospitalares, a exclusividade “é, eventualmente, uma medida importante, mas o que é fundamental nesta fase são medidas que permitam, de alguma forma, aumentar o salário base. É desta maneira que o SNS se tem de tornar mais competitivo, bem como ao nível do desenvolvimento profissional, para que os próprios médicos queiram ficar no SNS”.

Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), vai mais longe e defende que, em última análise, “a valorização dos médicos, além de poder ser feita através da base salarial, deveria ser também em função de um processo de avaliação de desempenho”. 


Na opinião do gestor, “os sindicatos defendem habitualmente  salários iguais, mas isto contraria a evidência da gestão de recursos humanos, porque nem todos os médicos têm o mesmo desempenho ou os mesmos resultados,  por variadíssimas razões que depois podem ser discutidas. Por exemplo, uns podem querer empenhar-se mais no SNS do que outros. E podemos estar a aumentar em cerca de 40%, ou o que for, todos os médicos quando a evidência de gestão diz-nos que o que temos de fazer é pagar mais aos melhores”. Por isso mesmo, reforça, que, tendo em conta a crise que se vive com a falta de médicos, “a exclusividade pode ser importante, mas fazem falta medidas mais competitivas”.


Setor da saúde pode avançar com mais greves


O DN tentou ouvir o secretário-geral do SIM sobre esta matéria, mas tal não foi possível. Contactou também o gabinete da ministra Ana Paula Martins para saber se haveria algo de concreto sobre um novo modelo de exclusividade, mas não obteve resposta. 


Na contraproposta apresentada por Luís Montenegro ao líder do PS, pode ler-se que “o Governo está de acordo com a importância de valorizar as condições de remuneração dos médicos e demais profissionais de saúde do SNS”, embora considere que “tem percorrido um caminho decisivo na valorização de várias carreiras essenciais ao Estado Social, alcançando acordos com professores, forças de segurança, oficiais de justiça, militares e, dentro do SNS, com os enfermeiros” - a plataforma que reúne cinco sindicatos da classe de enfermagem assinou um acordo com a tutela na véspera da paralisação decretada pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP). 


No documento, é sublinhado que “o Governo já anunciou que no final do presente ano será acelerada a negociação com os médicos”, o que também está no acordo assinado entre a tutela e o SIM. Mas, e tendo em conta “os objetivos gerais afirmados na proposta do PS, o Governo está disponível para, no quadro dessa negociação com os representantes dos médicos, reforçar significativamente o incentivo à permanência, com novo modelo de exclusividade no SNS, com vista a substituir soluções globalmente ineficientes como a contratação de prestações de serviço”.


A inscrição de medidas que valorizem as grelhas salariais dos médicos e de outras classes da saúde tem sido motivo de braço de ferro entre alguns sindicatos e o Ministério da  Saúde e pode continuar. Os médicos completaram dois dias de greve nacionais, decretados pela FNAM, a 24 e 25 de setembro, e os enfermeiros também.

A FNAM e o SEP já ameaçaram mesmo com ações de protesto com todas as outras classes do setor da saúde se o OE 2025 não incluir medidas de valorização nos salários base.  

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