Protetores solares devem ter uso diário, mesmo no inverno, mas alguns compostos prejudicam saúde humana
O uso de protetores solares é essencial para quem vai à praia mas eles também devem ser aplicados todo o ano, mesmo no inverno, assegurou a dermatologista Maria Goreti Catorze.
Secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), destacou à Lusa que a exposição solar intensa, como a que ocorre na praia, “aumenta o risco de queimaduras solares, envelhecimento precoce e cancro da pele”.
Por isso, afiançou, o uso de protetores solares é uma medida essencial de fotoproteção, especialmente nestes contextos, mas recordou que a radiação UV (ultravioleta) está presente todo o ano, mesmo em dias nublados ou frios.
“A exposição solar cumulativa contribui para danos cutâneos ao longo da vida, pelo que se recomenda o uso diário de protetor solar, especialmente no rosto e outras áreas expostas”, disse.
Investigadores ouvidos pela agência Lusa alertaram para os prejuízos que os protetores solares causam nas massas de água, seja nos oceanos, nos lagos ou rios, ainda que nunca pondo em causa a importância que têm para a saúde humana.
Ouvida pela Lusa, a secretária-geral da SPDV, que é também vogal da Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo (APCC), disse que o uso todo o ano de protetores é fundamental, como é fundamental que as pessoas de pele clara, com antecedentes de cancro cutâneo ou em contextos de elevada radiação UV, usem índice de proteção “50 ou superior”. Em uso urbano e diário fator 30 “pode ser suficiente” desde que “reaplicado corretamente”.
Não usar protetor, frisou a especialista, apenas em casos de reações alérgicas ou intolerância a determinados componentes, devendo nesses casos optar-se por fórmulas hipoalergénicas ou protetores minerais.
Goreti Catorze disse também à Lusa que na escolha de um protetor deve ser tido em conta o tipo de pele, a idade e o tipo de exposição, sendo que é sempre importante garantir que o produto tem proteção de largo espetro (UVA e UVB, dois tipos de radiação ultravioleta) e idealmente que seja resistente à água.
Especialistas ouvidos pela Lusa admitiram que os protetores solares químicos sejam mais prejudiciais para o ambiente do que os minerais, mas Maria Goreti Catorze, em relação à pele, não faz distinções.
“Ambos são seguros e eficazes”, considerou, explicando depois que os minerais, como o dióxido de titânio e o óxido de zinco, são mais indicados para peles sensíveis, enquanto os químicos podem ser preferíveis em peles mais escuras.
Para a dermatologista o protetor ideal para o verão será com índice de proteção 50+, proteção UVA e UVB, adaptado ao tipo de pele, “com boa tolerabilidade e formulação eco-responsável”. E com reaplicação a cada duas horas.
Mas além do protetor ideal, recordou, é fundamental evitar o sol entre as 11:00 e as 17:00, usar chapéu e roupa adequada, usar óculos escuros com proteção UV e aplicar o creme 15 a 30 minutos antes da exposição ao sol
Porque “a fotoproteção não é apenas uma questão estética”, é “um verdadeiro investimento na saúde da pele e na prevenção de doenças graves como o melanoma”.
Compostos podem provocar uma desregulação endócrina
A professora e investigadora Rita Maurício alertou este sábado que os protetores solares prejudicam os ambientes marinhos e alguns também contêm compostos que podem provocar uma desregulação endócrina.
A professora da faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCT), investigadora do MARE e especialista em drenagem e tratamento de águas residuais, falou à Lusa dos malefícios que os protetores solares podem ter no ambiente.
Como outras especialistas ouvidas pela Lusa, a também engenheira do ambiente Rita Maurício não defendeu que se deixem de usar protetores solares, já que são fundamentais para proteger a pele e prevenir doenças, mas avisou para os problemas que podem provocar no meio marinho, mas também na saúde humana.
Em determinadas quantidades, compostos presentes nos protetores podem contribuir para a desregulação endócrina, uma alteração nociva do sistema hormonal dos seres humanos (e dos animais).
A Agência Europeia das Substâncias Químicas (ECHA) também alerta para o problema e nota que os efeitos provocados por uma substância desreguladora do sistema endócrino podem só ser observados muito tempo depois da exposição.
“Quando há uma exposição de determinadas substâncias o sistema deixa de ser resiliente e a partir daí surgem doenças”, seja algum tipo de cancro, seja Alzheimer, exemplificou Rita Maurício, explicando que há legislação em relação a concentrações dessas substâncias no ser humano mas não para o meio aquático.
A oxibenzona, um composto que está nos protetores solares, é permitida na União Europeia com limites mas ainda assim, segundo estudos, pode ser prejudicial para os meios aquáticos.
Mas há outro problema, nas palavras da investigadora: se uma ameijoa (que é bioacumuladora) acumula uma concentração mais elevada e se o ser humano a consome está a consumir esse composto, que de resto já chega ao ser humano pela colocação na pele nos dias de praia e nas águas residuais, já que as estações de tratamento não estão preparadas para o remover.
Para Rita Maurício, a “concentração significativa” de compostos desreguladores endócrinos tem tendência para aumentar em termos gerais, e sobre os protetores solares falou ainda dos que contém nanopartículas (oxido de zinco e oxido de titânio), que não são assimiladas pelos humanos, mas sim pelos organismos aquáticos, como acontece com os microplásticos.
Não se sabe, disse, os efeitos das nanopartículas. Mas também destacou que há efeitos que não se manifestam no momento da absorção mas mais tarde ou mesmo em gerações futuras. E por isso “é muito difícil de aferir a desregulação endócrina”.
Rita Maurício falou ainda da perigosidade das hormonas, como a presente na pílula, ou da exposição a outros compostos, referindo que há mais de 800 substâncias classificadas como desreguladoras endócrinas, e concluiu: “Isso é assustador, as próximas gerações terão naturalmente dois a três cancros ao longo da vida. Pela exposição crónica, não por estar exposta um dia”.
Nos organismos marinhos, segundo a especialista, o aparelho reprodutor é o que mais rapidamente é afetado e é também mais fácil de detetar. Há peixes machos com órgãos característicos das fêmeas, o que é uma “desregulação imensa”. “Estamos a comer uma coisa que não sabemos qual será o efeito em nós”.
E esses compostos, alguns, já foram detetados na água para consumo (na Alemanha) e estão até no leite materno, “nos solos, na roupa, no ar”, sem que se saiba os efeitos que terão.
É certo, disse, que se fazem ensaios clínicos, mas também é certo que uma coisa é o laboratório e outra é o ambiente. “No ambiente não sei que reações vão acontecer”.
Certo ainda é que é impossível controlar tudo o que vai para o meio aquático. “Mas deve haver um alerta”, e as pessoas devem ser informadas e decidir, escolher os produtos consoante as substâncias. Porque “quanto mais souberem melhor para todos”.
Protetores solares protegem a pele mas não o ambiente, alertam especialistas
Os protetores solares, fundamentais para proteger a pele dos raios solares nocivos, são prejudiciais para a natureza e para a saúde dos organismos aquáticos, e possivelmente até para os humanos, alertaram especialistas.
Quando se aproxima a época de praia, investigadoras ouvidas pela Lusa não põem em causa o uso do protetor solar, lembrando os malefícios da exposição direta ao sol, nomeadamente o cancro, mas avisaram também para os problemas para o ambiente de alguns dos compostos, e dizem que nem todos os efeitos estão ainda estudados.
Eva Iñiguez, bióloga, mestre em biologia marinha, está atualmente a fazer um doutoramento sobre a temática no MARE-Madeira (MARE é um centro de investigação marinha que envolve várias universidades).
Em declarações à Lusa afirmou: “os protetores solares são um conjunto de compostos químicos, criados pelo Homem para proteger a pele. Qualquer composto criado pelo Homem colocado no ambiente não é um benefício, todos têm um impacto negativo, embora em medidas diferentes”.
Mas não há filtros solares inofensivos para o ambiente? Eva Iñiguez julga que não. Disse que há a crença de que os inorgânicos (minerais) são menos agressivos para o ambiente do que os orgânicos (químicos) mas “não será bem assim”, embora admita que alguns podem ser menos maus. “Mas não podemos dizer ainda que não têm impacto”.
Uma coisa é certa, afirmou, há compostos orgânicos associados aos filtros solares que causam o branqueamento de corais.
O efeito dos protetores nos corais já é conhecido. Uma entidade pública norte-americana, HRSD, estimou que entre seis a 14 mil toneladas de protetor solar, contendo entre um a 10% de oxibenzona, são libertadas em áreas de recife de coral todos os anos. Muitos estudos mostram que a oxibenzona, também conhecida por ser um desregulador endócrino, pode causar branqueamento de corais, que acontece quando as colónias de pólipos que formam os corais expulsam as algas que com eles vivem.
A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), dos Estados Unidos, também alertou que os filtros que bloqueiam a radiação ultravioleta (UV) também têm um impacto negativo nos recifes de coral e noutros ecossistemas aquáticos. A oxibenzona e o octinoxato são compostos nocivos mas há outros.
Esses compostos, e outros, são levados para o oceano quando as pessoas vão nadar, mas também são descarregados pelas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR).
Estudos citados por Eva Iñiguez indicam que na costa atlântica francesa são descarregados por dia mais de oito quilos de cremes protetores, nas costas do Havai (que há vários anos proibiu protetores solares com oxibenzona e octinoxato) 36 quilos por dia, e no Caribe mexicano, uma das zonas com mais corais, são despejadas quase 230 toneladas de protetores por ano.
Rita Maurício, professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCT), investigadora do MARE, engenheira do Ambiente, especialista em drenagem e tratamento de águas residuais, também em entrevista à Lusa deixa outro número: “Numa praia com mil visitantes são descarregados 35 quilos de compostos”.
A especialista também disse que há vários anos há evidências das presenças de compostos dos protetores solares em organismos aquáticos, e mesmo humanos, mas que a concentração desses compostos tem vindo a diminuir.
Eva Iñiguez adianta ainda que compostos presentes nos protetores foram encontrados no fundo do mar Adriático mas também em análises feitas a urina e ao leite materno.
Rita Maurício, professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCT), investigadora do MARE, engenheira do Ambiente, especialista em drenagem e tratamento de águas residuais, também em entrevista à Lusa disse que há vários anos que há evidências da presença de compostos dos protetores em organismos aquáticos e no ser humano.
E acrescentou que “numa praia com mil visitantes são descarregados 35 quilos de compostos”.
Rita Maurício explicou que são os mesmos compostos que estão presentes em produtos de coloração do cabelo, em champôs, em muitos cremes de dia e em roupas (para não perderem a cor) e que são espalhados quando as pessoas lavam roupa ou tomam banho, por exemplo.
Ou então são absorvidos pela pele e saem na urina e nas fezes, acabando nas ETAR. Só que as ETAR não foram concebidas para reter esse tipo de compostos e eles acabam por ir parar aos rios e oceanos.
Assim, explicou, os organismos marinhos acabam afetados de duas formas: diretamente pelos resíduos dos protetores dos banhistas, em dias de sol, e indiretamente pelas águas que as ETAR não filtram, durante todo o ano.
Também professora da NOVA FCT e investigadora do MARE, Marta Martins, especialista em poluição marinha e ecotoxicologia, coordenadora do mestrado em Recursos Vivos Marinhos, falou da falta de eficácia das ETAR e admitiu que nos oceanos o perigo dos compostos dos protetores pode ser menor, devido ao facto de se diluir, ao contrário do que acontece num lago ou rio.
Mas salientou os estudos que indicam que os compostos dos protetores podem afetar os organismos aquáticos, por exemplo ao nível da reprodução, do sistema nervoso central ou a nível hepático.
E depois, acrescentou, podem também ter efeitos nas microalgas, no plâncton, o que irá afetar a cadeia alimentar, nomeadamente as larvas e os peixes juvenis, mais suscetíveis.
A especialista destacou a importância de mais estudos, sobre as concentrações e os diferentes efeitos. “Os protetores efetivamente causam efeitos, mas como são importantes para a saúde (proteger a pele) não se fala muito”.
Marta Martins defendeu que devia ser dada prioridade à comercialização de protetores com menor toxicidade ou mesmo zero tóxicos. E considerou “um pouco tonto” que os protetores solares com um menor nível de contaminação sejam mais caros.
A aplicação de protetores, afiançou, não está em causa, o que está em causa são as escolhas. “Mas só um cidadão informado consegue fazer escolhas”.