Proprietários em Arroios seguem sem saber futuro das esplanadas
Uma pequena rotunda entre a Rua Carvalho Araújo e a Rua José Ricardo, em Lisboa, divide dois bairros com posições distintas em relação às esplanadas que se tornaram ponto de encontro nos mais diferentes bairros da cidade desde a pandemia. De um lado da rotunda, a rua pertence à Junta de Freguesia da Penha de França e, do outro, à Junta de Arroios, onde, quase um mês após receberem o ofício para a retirada das esplanadas e reagirem com uma providência cautelar, os proprietários ainda não sabem qual será o futuro dos negócios.
Para estes proprietários, o motivo certo da retirada é também ainda uma questão por responder. Desde a decisão, as assembleias semanais da Junta de Arroios passaram a contar, além dos proprietários na luta pela manutenção das esplanadas, com dezenas de moradores do bairro sensibilizados com a causa.
Na primeira delas, a assembleia teve um recorde de participação em 20 anos de reuniões do Executivo, mas com respostas pouco animadoras. Para a presidente da Junta de Freguesia de Arroios, Madalena Natividade (CDS-PP), não há motivos para uma surpresa acerca da retirada.
“Todos os comerciantes sabem que quando houve essa exceção (esplanadas na rua), foi por causa da pandemia da covid-19, não é novidade para ninguém. Portanto, agora não venham dizer: ‘Ai, porque eu comecei um negócio.’ Não. Todos sabiam que era temporário”, defendeu Madalena Natividade, na assembleia no dia 28 de junho.
Temporária ou não, a chegada das esplanadas trouxe benefícios ao bairro, como contam os próprios residentes de Arroios. Há mais de 50 anos na zona, Vasco Gonçalves, sentado numa das esplanadas de restaurante que receberam o ofício para a retirada, defendeu a manutenção das mesmas.
“Por algum tempo, o bairro estava um pouco largado. Era uma zona de prostituição, tráfico de drogas, escurecia e já ficava mais incómodo de andar por cá. As esplanadas, além de proporcionarem um espaço de convívio entre nós, residentes no bairro desde sempre, ainda dão uma sensação maior de segurança. Temos é que agradecer aos comerciantes do bairro. (A junta) já retirou os bancos, portanto que mantenham as esplanadas”, conta Vasco, ao se referir aos espaços onde ficavam bancos e cadeiras nas imediações do Mercado de Arroios e que agora são ocupados por carros e motas.
Após receberem o ofício, os proprietários de bares e restaurantes responderam na esperança de conseguir um acordo, algo que, até agora, não foi confirmado. Entre idas e vindas em assembleias, este acordo ainda não andou para frente e fez com que os proprietários entrassem com uma providência cautelar.
“Ainda não sabemos nada. Eu respondi ao ofício que a junta mandou, e agora estou à espera de ver qual é o próximo passo. Ela [Madalena Natividade], na última assembleia, disse que ia analisar, mas já tinha dito isso também na outra e até agora nada. E há também uma confusão no discurso: no princípio, a questão era os lugares do estacionamento, depois era, na verdade, o ruído e, nesta última assembleia, já não era nem um, nem outro. Ora, se for pelo ruído, que mostrem as queixas. No nosso caso, nunca recebemos nenhuma coima ou alerta da polícia”, argumenta Ricardo Maneira, proprietário do restaurante A Viagem das Horas, na Rua José Ricardo.
Proprietário da Taverna Lusa, localizada em frente ao estabelecimento de Ricardo, Bruno Carvalho faz coro com as palavras do vizinho. Tendo o seu restaurante já na parte pertencente à Penha de França - freguesia que mantém os espaços -, afirma que as esplanadas dinamizam a zona e diz-se disponível para ajudar no que for preciso, além de alertar que a justificativa da Junta de Arroios não tem fundamento.
“Na prática, esse discurso do ruído é uma falácia. A única vez que apareceu aqui a polícia foi no bar ao lado, que nem sequer tem esplanada, mas aos sábados tem música ao vivo. Ou seja, justamente o único espaço que não tem esplanada exterior é que já teve queixas. Também já tivemos jam sessions aqui dentro, mas preferimos deixar de lado justamente porque priorizamos a boa convivência. Esse é um bairro residencial e quem frequenta essas esplanadas são os moradores da zona, e esses moradores estão felizes com as esplanadas, elas vieram para ficar”, realça Bruno, antes de complementar: “Usam a desculpa do ruído, porque, convenhamos, justificar que é para um lugar de estacionamento pega muito mal. As cidades europeias vão todas na direção oposta, de ter menos carros na cidade. Enfim, para o ano há eleições e, pelo menos até lá, aqui na Penha de França a retirada das esplanadas não é uma ameaça. E quem me disse foi a própria presidente, Sofia Oliveira Dias (PS), que não está de acordo com a política aplicada em Arroios”, finaliza.
Atualmente, a Junta de Arroios conta com mais de 7500 lugares de estacionamento e o ofício enviado às 38 esplanadas faria o bairro ganhar também pouco menos de 40 lugares. Nas assembleias, Madalena Natividade negou mais de uma vez que os lugares de estacionamento tenham a ver com tais vagas, mas sim, para contribuir para o “descanso dos residentes”, assim como já aconteceu noutras freguesias de Lisboa.
Contactada pela reportagem do DN, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não soube dizer quais os bairros que passaram pelo processo, mas afirmou que cada junta tem autonomia para decidir o que fazer com as esplanadas. Em relação às negociações com a Empresa de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), a Câmara declarou que as conversas também são feitas entre as juntas e a empresa, podendo apenas ter “algum termo burocrático” a passar pela CML.
“Há outros bairros que retiraram, mas também não precisamos de ir muito longe para ver outros que mantiveram, como a Penha de França. E cada bairro é um bairro, sendo que Arroios é um bairro muito específico, não dá para comparar: aqui estamos a falar de comércio local, algo que está a acabar cada vez mais em Lisboa. A maioria dos negócios que ela [Madalena Natividade] quer tirar são de pessoas que vivem em Arroios e são pequenos comerciantes”, complementa Ricardo Maneira.
Em relação aos próximos passos no processo de despejo das esplanadas, a assessoria da Junta de Freguesia de Arroios não quis dar mais detalhes, mas informou que o Executivo avançará com conversas com cada proprietário. Até agora, no entanto, não há previsão para que as conversas ocorram, o que, conta Bruno Ribeiro, responsável pelo Primo do Queijo, na Rua do Forno do Tijolo, tem tornado a situação cada vez mais angustiante.
“Estamos a aguardar uma resposta, que nos procurem, que venham tomar uma decisão definitiva. Esta situação é muito desgastante, andarmos em assembleias, troca de cartas e depois não saber o que vai acontecer. Fora a agonia: estamos no verão, é a altura em que conseguimos equilibrar as contas. E nosso espaço interior é minúsculo, sem esplanadas dificilmente se consegue sobreviver. Portanto, queremos uma decisão rápida para podermos decidir a nossa vida e como vamos reorganizar o negócio sem a esplanada”, afirma o empresário.
Bruno Ribeiro ainda descreve a situação como “ridícula”, ao indicar que há um conflito de interesses entre a junta, a EMEL e a CML e indica que a decisão da junta foi de “despachar a situação, sem pensar na organização do bairro”. Além disso, afirma que a retirada das esplanadas daria prejuízo financeiro à CML.
“A Câmara Municipal oferecia 50% do valor da construção das esplanadas. Isto quer dizer que ao remover as esplanadas, todo esse dinheiro do Estado e dos contribuintes que foi usado para as montar está a ser literalmente deitado ao lixo. Se a câmara dá dinheiro para construir as esplanadas e, depois de um ou dois anos decide retirá-las, é literalmente deitar o dinheiro ao lixo. É um bocado ridículo”, conclui Bruno Ribeiro.
O proprietário do O Primo do Queijo conta que a mobilização dos moradores e de partidos políticos tem ajudado a manter certo otimismo e até agora um abaixo-assinado contra o encerramento das esplanadas já foi assinado por quase 7000 pessoas. Um número relevante, mas ainda assim menor do que as 7500 vagas de estacionamento disponíveis no Bairro de Arroios.