Pronomes e linguagem. Uma Língua Portuguesa mais inclusiva
A existência de uma linguagem neutra ou inclusiva é algo que cada vez mais surge na nossa sociedade. É uma realidade que tem como objetivo a inclusão. Em Portugal a questão da utilização dos pronomes, e quais pronomes, está a ficar cada vez mais premente e a levar a uma atualização do idioma.
"Quando não nos temos de preocupar com que pronomes as outras pessoas vão usar connosco, isso é um privilégio. Se temos esse privilégio então devemos estender o mesmo respeito às outras pessoas", disse ao DN Carlos Costa, psicólogo e fundador do Coletivo Humanário, numa resposta por escrito.
Na língua inglesa a adaptação a essa realidade foi facilitada. Já existe um pronome neutro They e os adjetivos são, igualmente, neutros. Já a língua portuguesa coloca marcas de género em praticamente todas as suas palavras.
No fim da década de 90, começou a utilizar-se o X e a @ nas palavras para demonstrar a neutralidade. O problema deste formato gera-se devido a impossibilidade da oralidade e deteção de texto.
Citaçãocitacaonão conseguimos adivinhar o género de toda a gente pela sua aparência, mas também não devemos porque não é um jogo. Para muitas pessoas os pronomes são sempre os mesmos ao longo do tempo, para outres mudamesquerda
O grupo de psicólogos Coletivo Humanário tem tido internamente esta discussão constante, chegando à conclusão de que o uso do X não é suficiente. "Se não é possível ser dito, torna-se mais difícil existir no nosso dia a dia e, mais uma vez, acaba por limitar a representação destas pessoas", explicam ao DN. Nos últimos anos, tem-se desenvolvido um sistema com os pronomes neutros elu/eli como forma de responder a esta problemática o mais rapidamente possível. Estes pronomes são usados sobretudo em duas situações: pessoas cujos pronomes são desconhecidos; ou quando alguém a quem nos referimos utiliza pronomes neutros. Segundo Carlos Costa, os pronomes não devem ser assumidos e devem ser, sim, perguntados, quando não os sabemos.
"A verdade é que por mais que achemos o contrário não conseguimos adivinhar o género de toda a gente pela sua aparência, mas também não devemos porque não é um jogo. Para muitas pessoas os pronomes são sempre os mesmos ao longo do tempo, para outres mudam", refere Carlos Costa.
No entanto, pronomes e identidade de género não são sinónimos. Uma pessoa pode identificar-se como não-binária, homem ou mulher, e pode usar pronomes masculinos, femininos ou neutros. Não são unicamente as pessoas não-binárias que usam pronomes neutros.
Para as palavras que terminam em A/E, é utilizada a letra U, como é o caso dos pronomes. Já nas palavras terminadas em A/O no feminino e masculino, respetivamente, troca-se pela letra E. Por exemplo, linde em vez de lindo ou linda. Outro exemplo desta regra é dizer amigues em vez de amigos ou amigas.
É também possível utilizar uma linguagem mais neutra sem modificar as letras. Pode-se utilizar o discurso passivo. Em vez de se dizer, por exemplo, "Estás muito atento/atenta", pode utilizar-se apenas "Estás com muita atenção".
Desde de crianças que aprendemos a escrever, ler e falar com o masculino e o feminino. Por isso, no início, pode ser difícil a adaptação para uma linguagem mais inclusiva e neutra.
Esta linguagem é consensual nas redes sociais, no ativismo e na comunidade LGBTI+, ou seja, daqueles que têm estado à procura de soluções. "Fora dessa bolha é mais difícil, porque nós temos um depósito linguístico muito tradicional e muito conservador. Não faz mudanças na linguagem muito facilmente. Entretanto, enquanto é só uma coisa não-oficializada, ainda está muito nas comunidades que a usam", disse ao DN Daniela Filipe Bento, elemento da direção da ILGA Portugal e coordenadora do GRIT (Grupo de Reflexão e Intervenção Trans).
CitaçãocitacaoA língua é das pessoas e deve ser uma coisa orgânica. O que temos são instâncias superiores que tomam decisões sobre a língua e estas são mais conservadoras.esquerda
Daniela vê a linguagem como algo orgânico. "A língua é das pessoas e deve ser uma coisa orgânica. O que temos são instâncias superiores que tomam decisões sobre a língua e estas são mais conservadoras", acrescentou.
A língua evolui de várias formas, seja pela alteração de sons ou pela introdução de palavras novas, que vai acontecendo em função de novos conceitos e realidades. Ao longo dos tempos houve também uma adaptação da língua portuguesa em relação ao feminino das profissões, devido às mulheres não exercerem, até então, certos cargos na sociedade. "Quando começaram a aparecer mulheres em determinadas funções, os termos femininos não eram aceites. Hoje em dia já não é assim", afirmou Margarita Correia, coordenadora do Portal de Língua Portuguesa e colaboradora do DN. No entanto, a língua portuguesa está ainda a adaptar-se a encontrar as melhores combinações linguísticas. "Tenho a sensação de que, aqui, ainda estamos a ver o início. Temos de fazer muito mais pressão para que as coisas mudem. Ainda é muito difícil as pessoas entenderem qual é a importância do discurso neutro", refere a representante da ILGA.
A primeira razão é o respeito pelo outro. Ao nomear algo, esse algo passa a existir, trazendo esta realidade para a esfera comum. Ao fazermos o contrário e não incluirmos o outro na nossa linguagem do dia a dia, ajudamos a invalidar essa existência.
Segundo Carlos Costa, do Coletivo Humanário, muitos podem sentir-se disfóricos, ou seja, descontentes com o aspeto físico e social, que traz também problemas a nível de saúde mental, quando não se utilizam os pronomes corretos.
"O conceito de disforia de género é importante, pois contempla não só o sentido de que o problema não é a identidade da pessoa, mas sim o sofrimento e a angústia que podem sentir quando existem incongruências entre o género com que somos registados à nascença e o género que experienciamos", explicou o psicólogo.
Por outro lado, quando são utilizados os pronomes corretos as pessoas sentem euforia, validação e sentem-se reconhecidas.