Cristina Mendes Santos, investigadora Sénior na Fraunhofer Portugal AICOS, venceu a quarta edição do FLAD Science Award Mental Health, prémio anual que tem como objetivo “apoiar projetos de investigação clínica de jovens psicólogos, psiquiatras, médicos de família, neurologistas e outros profissionais desta área em Portugal, em cooperação nos Estados Unidos”, de acordo com a Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento (FLAD), promotora da iniciativa..O prémio num total de 300 mil euros é entregue esta sexta-feira, 17 de maio, à investigadora que desenhou o projeto PRODROMUS. “O prémio é um reconhecimento da necessidade de intervenções clínicas não estigmatizantes, disponíveis em tempo útil e bem-adaptadas em função do risco de transição de um indivíduo para a psicose. O recurso a tecnologias digitais e inteligência artificial vão contribuir para a avaliação precisa das condições psicóticas para a previsão da evolução da psicose em pessoas com elevado risco e, certamente, para o desenvolvimento de intervenções bem-sucedidas em contextos reais”, sublinha Elsa Henriques, membro do conselho executivo da FLAD, administradora com o pelouro da Ciência e Tecnologia..“As perturbações psicóticas, como a esquizofrenia, apesar de não serem as mais prevalentes - afetam cerca de 3 a 4% dos indivíduos - correspondem às doenças psiquiátricas mais graves dado o seu mau prognostico e impacto negativo nas diversas esferas da vida do doente e dos seus familiares”. Perda de contacto com a realidade, delírios, alterações do pensamento, alucinações, sintomas negativos, como por exemplo desinteresse, alheamento e embotamento afetivo e comportamentos bizarros surgem associados à Psicose. Inerente está “um elevado sofrimento psicológico. Tipicamente, têm o seu início na adolescência e primeiros anos da idade adulta, tendo por isso um impacto socioeconómico significativo, estando associadas a um elevado consumo de recursos e serviços de saúde”, enfatiza Cristina Mendes Santos..A vencedora do FLAD Science Award on Mental Health 2024 licenciou-se em Psicologia Clínica e frequentou o Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde. Nesse âmbito, estudou o tópico da qualidade de vida em sobreviventes de cancro colo-rectal. “À data, o IPO-Porto, instituição onde estava a recolher dados para a tese de mestrado, estava a criar a Unidade de Investigação Clínica”, adianta Cristina Mendes Santos que, após um estágio, integrou aquela unidade enquanto coordenadora de ensaios clínicos. Nesse contexto, percebeu o potencial e importância de otimização de processos e recursos de saúde, o que a levou a inscrever-se numa Pós-graduação de Gestão de Unidades de Saúde..“O interesse em pôr em prática esses conhecimentos levou-me a Angola em 2013, onde comecei a trabalhar na Clínica Sagrada Esperança. A infraestrutura de redes de telecomunicações era surpreendentemente confiável”, sublinha a investigadora, para acrescentar: “na altura, falava-se pouco na utilização de tecnologias digitais e dispositivos móveis para fins de prestação de cuidados de saúde”. Em 2016, Cristina Santos ingressou, como nos relata, num “Programa Doutoral financiado pela União Europeia para explorar como desenhar soluções digitais para promoção e intervenção em saúde mental, mais especificamente como desenvolver e avaliar intervenções psicológicas entregues através da Internet para tratamento da ansiedade e depressão em sobreviventes de cancro da mama. Para aquisição deste conhecimento, foi fundamental a integração na Linköping University na Suécia”. Ali, a investigadora trabalhou com pares “pioneiros nesta área, na Escola Nacional de Saúde Pública e realizei um estágio na Fraunhofer Portugal AICOS. Hoje, sou investigadora sénior na Fraunhofer Portugal AICOS e docente na área da Saúde Digital na Universidade Fernando Pessoa, trabalhando essencialmente no domínio da Saúde Digital. O projeto PRODROMUS insere-se neste domínio”..“Os tratamentos antipsicóticos atuais, tais como as intervenções farmacológicas e psicossociais, são limitados no tratamento e melhoria das causas, fisiopatologia, sintomas e evolução das perturbações psicóticas crónicas. Assim, nos últimos anos, a atenção tem-se voltado para a prevenção e intervenção precoce em indivíduos em risco de transição para a psicose”. Neste âmbito, consideram-se indivíduos em risco aqueles que, como nos diz Cristina Santos, “apresentem antecedentes familiares em primeiro grau de psicose, perturbação esquizotípica da personalidade, sintomas atenuados ou breves, limitados e intermitentes tipicamente associados às perturbações psicóticas. No entanto, atualmente, o início de uma perturbação psicótica não pode ser diagnosticado com precisão a partir de um sintoma ou conjunto de sintomas e existem dificuldades no acesso a cuidados especializados por estas pessoas em risco”, adianta..“Em Portugal, decorrem cerca de dois anos desde a manifestação dos primeiros sintomas psicóticos até ao seu tratamento. Uma proporção significativa de indivíduos em risco evita procurar ou não é referenciada e avaliada em serviços especializados durante a fase prodrómica [fase que precede o aparecimento de sintomas]”, acrescenta a investigadora. Desta forma, “é necessário desenvolver abordagens inovadoras e não-estigmatizantes, capazes de diagnosticar e prever com precisão o risco de transição para a psicose, que monitorizem objetivamente este risco em contextos de vida real e que permitam intervir atempada e oportunamente, de modo a prevenir a transição para a psicose em grupos de risco. Esta é precisamente a visão do projeto PRODROMUS que pretende codesenvolver com pessoas em risco de transição para a psicose, os seus familiares e profissionais de saúde uma solução digital para prevenção desse quadro de transição”..Do desenho do programa para o terreno, esta solução “composta por uma aplicação móvel para pessoas em risco e uma aplicação web para profissionais de saúde, utilizará dados recolhidos através de smartphones e pulseiras desportivas que serão analisados através de modelos matemáticos avançados [inteligência artificial] para identificar sintomas/sinais precisos e característicos do início das perturbações psicóticas”..“Antecipamos que um jovem em risco possa utilizar o seu smartphone para monitorizar sem esforço o seu estado de saúde e risco de transição para a psicose, sendo alertado quando este risco aumenta. Prevemos também que este possa aceder no seu smartphone a uma intervenção de autocuidado, ou seja, uma espécie de curso em formato e-learning. No que se refere aos profissionais de saúde, estes poderão diagnosticar e acompanhar de forma mais precisa os seus utentes, sendo alertados quando o risco de transição para a psicose aumenta e podendo intervir atempadamente”..“Se bem-sucedido, antecipamos que o projeto tenha um impacto significativo na facilitação do diagnóstico, acesso a cuidados especializados e acompanhamento de pessoas em risco, evitando-se a transição para condições crónicas, o que salvaguardará a qualidade de vida destas pessoas e promoverá a sustentabilidade dos sistemas de saúde”, conclui Cristina Santos..Anteriormente, venceram o FLAD Science Award on Mental Health, Pedro Morgado, psiquiatra e investigador da Universidade do Minho, em 2021; Manuela Silva, psiquiatra e investigadora do Hospital de Santa Maria, em 2022 e Nuno Madeira, psiquiatra e investigador na Universidade de Coimbra, em 2023.