Problemas agravam-se na Urgência e chefes escrevem de novo à administração e ao CEO do SNS
Médicos dizem que nada foi feito em 50 dias, depois da primeira carta que escreveram a demitir-se, e pedem "medidas urgentes e indispensáveis". Administração elogia profissionais, pelo espírito de missão, mas garante que está a tomar decisões para mitigar constrangimentos.
A 29 de novembro de 2022, oito chefes e sete subchefes do Serviço de Urgência Geral do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) demitiram-se em bloco dos seus cargos numa carta enviada à diretora clínica da unidade, Ana Valverde, justificando a decisão, "de caráter excecional, mas seguramente ponderada". Em causa, estavam as condições em que o serviço estava a funcionar.
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Na altura, o CA do HFF acedeu a uma reunião com os médicos e apresentou propostas para resolver a situação, mas 50 dias depois, chefes e subchefes de equipa, voltam a reenviar uma missiva ao Conselho de Administração do HFF e ao Diretor Executivo do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), Fernando Araújo, para reforçar que "nada tem sido feito para melhorar a situação".
Pelo contrário, segundo referem na carta, "os problemas mantém-se e a situação tem vindo a degradar-se", não só pela "continuada saída de elementos sénior das equipas de urgência", como também "pela carência de novos internos de Medicina Interna", já que das oito vagas que o hospital tinha, apenas duas foram preenchidas no início deste ano. Esta situação reforçou mesmo a "preocupação e a angústia" dos profissionais, "na medida em que torna ainda mais exíguos os recursos humanos das equipas".
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Para os médicos, o facto de a unidade ter sido preterida na escolha de novos especialistas reflete também "a instabilidade, desmotivação e precariedade com que se trabalha no serviço".
Na nova carta, datada de 30 de janeiro, e entregue ao CA do HFF, à Ordem e ao CEO do SNS, na passada terça-feira, dia 7, os médicos salientam ser urgente a tomada de medidas indispensáveis, porque "cinquenta dias depois, e com exceção de algumas medidas de âmbito regional e nacional, não é visível nem teve impacto no funcionamento do Serviço de Urgência Geral, nenhuma das medidas anunciadas na reunião de 7 de dezembro, nem mesmo aquelas cuja implementação dependia apenas de diligências e/ou medidas internas".
Além de que, sublinham os profissionais, até agora "não foi promovido nenhum tipo de coordenação ou reunião por parte da Direção Clínica ou da Direção do Serviço de Urgência Geral junto das chefias de equipa, de forma a dar corpo às medidas anunciadas pelo próprio Conselho de Administração".
Os médicos destacam no mesmo documento que, apesar de demissionários, têm mantido "integralmente as suas funções, não só no escrupuloso cumprimento do Código Deontológico que rege a profissão, mas igualmente na prossecução das funções administrativas associadas ao cargo, numa demonstração inequívoca de boa-fé e abertura à implementação das medidas enunciadas pelo conselho".
Silêncio da administração obrigou a nova carta
No entanto, a ausência de medidas e o silêncio da administração obrigou-os a uma nova missiva para reforçar "junto do CA a manutenção da demissão apresentada a 29 de novembro, apelando à tomada de medidas urgentes e indispensáveis à resolução dos problemas estruturais e de funcionamento do Serviço de Urgência Geral".
Após a primeira carta, também subscrita pela maioria dos Internistas do hospital, incluindo os três Diretores dos Serviços de Medicina, o CA, presidido por Joana Chêdas, reuniu com os chefes e subchefes de equipa da urgência, onde fez saber que aceitava "o pedido de demissão do Dr. Hugo Martins do cargo de Diretor do Serviço de Urgência Geral, e que nomeava o Dr. Luís Cuña na qualidade de Diretor Interino do mesmo Serviço", e que não iria "prosseguir com a criação de um Centro de Responsabilidade Integrada associado ao Serviço de Urgência Geral", mas, ao mesmo tempo, apresentou algumas propostas para mitigar a situação.
A saber: "A intenção manifestada pelo Ministério da Saúde em negociar com os dirigentes da Ordem dos Médicos eleitos nas eleições de 19 de janeiro 2023, a reformulação da participação das especialidades médicas no Serviço de Urgência; A majoração do preço/hora para a contratualização de médicos especialistas e não especialistas em regime de prestação de serviços para o exercício de funções na Urgência Geral, com início em dezembro de 2022; A intenção de alargar o horário de funcionamento da equipa fixa do Serviço de Urgência Geral para 12 horas diárias, das 08.00 às 20.00, e quiçá ainda para as 24 horas; e a ainda a implementação da Via Verde ACES, medida de abrangência nacional, com a disponibilização de 30 vagas diárias em Centros de Saúde de Sintra (10 vagas) e Amadora (20 vagas)".
"Serviço de Urgência do HFF tem a maior área demográfica do país e SNS, servindo mais de 550 mil utentes. Em 2022, foram atendidos 135 218 doentes, o que dá uma média 370 doentes/dia."
No documento são elencadas mais propostas por parte do CA que não tiveram ainda qualquer avanço e que poderiam melhorar a situação no Serviço de Urgência, como: "A implementação no HFF de uma consulta diária para o doente não urgente, paga ao preço de 18,00 € por doente observado; a reformulação do plano de inverno do Serviço de Urgência Geral, cujos pressupostos não estariam alinhados com os do plano de inverno do HFF; a reestruturação dos Serviços de Medicina Interna, consubstanciada na abertura da manifestação de interesse para diversas Direções de Serviço, incluindo 2 novas Direções de Serviços 2/4 Medicina, que assim passariam de 3 para 5; a abertura das camas do Serviço de Medicina Intensiva fechadas à data da reunião; o aumento da capacidade de internamento da Unidade de Hospitalização Domiciliária; a alocação de um médico dedicado à prescrição no Hospital de Dia Polivalente, cujo horário de funcionamento seria alargado até às 20.00; a contratualização de assistentes sociais dedicadas ao Serviço de Urgência; A disponibilização pela ARSLVT de 300 vagas para doentes sociais; A contratualização de 8 camas sociais, elevando a um total de 51 desta tipologia contratualizadas externamente pelo hospital."
A questão, reforçaram ao DN, é que 50 dias depois e apesar de tantas propostas "os problemas mantém-se com a agravante de falta de recursos humanos". Daí que chefes e subchefes tenham reiterado a sua demissão.
Administração diz que está a tomar medidas
Contactado pelo DN, o Conselho de Administração confirma a receção da carta, dizendo que tem menos a assinatura de uma chefe e de uma subchefe, e garante que "tem vindo a adotar medidas de forma a mitigar os constrangimentos", nomeadamente no que toca à "contratação de horas de prestações de serviço adicionais, majoração dos valores hora de prestação de serviços no que respeita a especialistas e não especialistas e o lançamento de processos de recrutamento de médicos".
E justifica a pressão que o HFF sente, sobretudo no Serviço de Urgência por este ter de responder à "maior área demográfica de Portugal e do SNS". Ao todo, são mais de "550 mil utentes com características sociais e culturais muito desafiadoras". Na resposta por escrito ao DN, a administração do HFF sublinha que, "em 2022, foram atendidos no SUG 135.218 doentes, o que corresponde a uma média de 370 doentes por dia. Deste total, foram internados na instituição 14 941, o que representa 11% dos doentes atendidos (ou seja, 40 utentes por dia)".
Segundo o CA do HFF "a pressão que se tem verificado sobre o SUG do HFF, resulta do aumento de procura, em grande medida do subdimensionamento do internamento para a população servida", ao que acresce também "uma utilização indevida das camas de internamento de agudos por utentes que aguardam resposta de estruturas sociais", dando como exemplo que, no dia de ontem, "dez por cento dos doentes à responsabilidade do HFF são casos sociais (78 doentes)", sublinhando que "o elevado número de camas, ocupadas por utentes com alta clínica e a aguardar resposta social, estrangula o Serviço de Urgência, onde os doentes que necessitam de internamento para tratamento e permanecem mais tempo do que seria desejável à espera de vaga/cama de internamento em enfermaria."
Mas o CA reconhece que a realidade vivida diariamente no SUG "impõe uma palavra de agradecimento aos profissionais de saúde do HFF que, com espírito de missão e sacrifício, prestam os melhores cuidados de saúde possíveis à população dos concelhos da Amadora e de Sintra".