Ministra já assumiu que regiões do Algarve e Lisboa e Vale do Tejo têm de ser reforçadas.
Ministra já assumiu que regiões do Algarve e Lisboa e Vale do Tejo têm de ser reforçadas.Gerardo santos Global Imagens

Primeiros 15 dias de junho serão teste à resposta do SNS. Ministra já reuniu com administrações

Mais um verão e o mesmo problema nas Urgências do SNS: falta de médicos. Há hospitais com dificuldades em assegurar escalas. Este ano poderá ser “mais caótico” do que o anterior. Ana Paula Martins reuniu na sexta-feira com administrações das ULS e com a task force do Plano de Emergência para se tomarem medidas.
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"No primeiro fim de semana de maio, entre Coimbra e Faro, só havia dois hospitais periféricos a dar resposta na área da ginecologia-obstetrícia, o de Santarém e de Setúbal. Se estamos com esta dificuldade agora, em junho, com os feriados consecutivos e as férias, o cenário poderá piorar.” O exemplo é dado ao DN pelo secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Nuno Rodrigues, destacando que “situações destas não podem continuar a existir, porque se são os hospitais periféricos que já assumem o papel de unidades de fim de linha é muito complicado”.

A Região de Lisboa e Vale do Tejo tem sido das mais afetadas com a falta de médicos, precisamente na materno-infantil (ginecologia-obstetrícia e pediatria). E a presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá, reforça: “Em maio, as grávidas continuam a andar de um lado para o outro, fazendo muitos quilómetros, ou, em última análise, são enviadas para o setor privado, o que não foi sequer uma opção delas. Se é assim agora, em junho, já com as férias programadas, ainda vão faltar mais médicos e prevê-se um cenário pior”.

Mas dá outros exemplos: “Falamos muito da área de Lisboa e Vale do Tejo e da área materno-infantil, mas a falta de recursos humanos ocorre em todo o país. Em Bragança, temos um Serviço de Urgência de Cirurgia encerrado desde outubro por falta de médicos.”

A meio de maio e ainda sem um plano para o verão - ou seja, sem um plano que defina o papel e a responsabilidade que cada instituição vai ter no dia a dia, para se saber quem pode ter portas abertas ou vai ter de as encerrar e em que momentos -, os dirigentes das duas estruturas sindicais não têm dúvida de que os primeiros 15 dias de junho vão ser “não só um teste, mas um teste acrescido à resposta do SNS”, sublinha Nuno Rodrigues. 

Joana Bordalo e Sá concorda que será um teste, mas, defende: “Nesta fase, todos os dias são um teste à resposta e capacidade do SNS.” Mais do que isto, a médica considera que a resposta dada será também um teste à nova tutela. “Não tenhamos dúvidas, a resposta que for dada será da inteira responsabilidade do novo Executivo e da ministra Ana Paula Martins”, disse.


Ministra já reuniu com administrações das Unidades Locais de Saúde

O DN sabe que a situação nas Urgências durante o Verão está a preocupar a tutela e que na última sexta-feira a ministra chamou ao Infarmed, para uma reunião, todas as administrações das Unidades Locais de Saúde (ULS) do país, dos institutos oncológicos e das unidades que ainda estão em Parceria Público Privada (PPP). Na mesma reunião estava também a task force  liderada pelo médico Eurico Castro Alves e nomeada por Ana Paula Martins para a elaboração do Plano de Emergência, que o Governo prometeu apresentar ao fim de 60 dias de tomar posse.

Recorde-se que é esta que tem agora a seu cargo a elaboração do Plano de Verão, já que a Direção Executiva em funções se  recusou a fazê-lo. Segundo apurou o DN, muito foi falado nesta reunião e “há já medidas importantes” a serem tomadas pelas unidades, uma vez que cada uma tem o seu Plano de Verão que já está a ser aplicado, mas o importante é serem encontradas medidas que reforcem os recursos humanos e a articulação dos Serviços de Urgências.

Na mesma sexta-feira, a ministra visitou a Região do Algarve e já assumiu que tanto esta como a de Lisboa e Vale do Tejo necessitam de um reforço de recursos humanos.

Os sindicatos médicos alertam que entre maio e junho “já não há muito tempo para as unidades que têm buracos nas escalas poderem contratar médicos em número suficiente”, sobretudo porque o SNS “continua a não ter uma política atrativa de recrutamento”, sublinham. E este verão pode ser mais caótico do que o do ano anterior. “É um risco muito elevado que corremos, se nada for feito rapidamente”, alerta Joana Bordalo e Sá. 

À questão do DN sobre como é possível chegarmos a esta altura sem um plano e com a mesma falta de médicos, a presidente da Fnam responde: “Ainda estamos a pagar a fatura da reorganização dos serviços feita pelo anterior Governo e pela sua Direção Executiva, que mais não foi do que uma reorganização de encerramento de serviços. O problema é estrutural e o anterior Executivo teve a possibilidade de o resolver, mas não o fez. Vamos ver agora qual é a vontade política deste Governo para resolver estas situações e se quer fazer a diferença”, defende a médica.


Risco da prática da Medicina é elevado, diz SIM


Nuno Rodrigues lembra também que “os feriados de junho não são novidade, pois existem todos os anos e vão continuar a existir”, sublinhando que “o problema é a falta de médicos, que tem vindo a agravar-se, assim como os cuidados aos utentes”.

Ao DN, o médico refere mesmo: “Neste momento, temos colegas a queixarem-se de que o risco atual da prática da medicina é elevado. É o risco em que se tem de optar entre duas a três urgências. Nenhum médico quer estar nesse papel, nenhum quer ter de decidir vou a esta urgência porque é mais prioritária deixando outras para trás. Isto não deveria acontecer. Não podem ser os profissionais os responsáveis por esta situação.”

O médico, que confirma terem chegado ao seu sindicato situações de vários hospitais já com dificuldades em adaptar as escalas nas Urgências às férias e aos feriados de junho, sustenta que “não podem ser os profissionais, que já estão completamente sobrecarregados, a sacrificar as suas férias ou folgas para resolver as situações”. E insiste: “As escalas foram aprovadas no início do ano pelos conselhos de administração e não podem surgir agora indicações de que, afinal, estas não podem ser cumpridas. Os médicos não podem continuar a ser penalizados por um problema que é estrutural.”


MAC é a única unidade de fim de linha na Região Sul


 Os sindicatos da classe defendem que “é preciso maior previsibilidade e planeamento” para que não se voltem a ter “Serviços de Urgência, sobretudo das áreas de materno infantil, cirurgia geral e ortopedia, a terem de encerrar portas em determinados períodos”.

“Só pedimos maior previsibilidade. Somos contra o encerramento rotativo das Urgências, como tem vindo a acontecer, porque achamos que as parturientes não podem estar sempre a consultar todas as semanas o site  do SNS para saber quais são os serviços que estão abertos ou fechados e onde podem ter bebé.”

A verdade é que esta situação, que já vinha de anos anteriores, complicou-se ainda mais com o encerramento da Unidade de Obstetrícia no Hospital de Santa Maria, que se encontra em obras. Portanto, neste momento, a Maternidade Alfredo da Costa (MAC) é a única unidade de fim de linha a dar resposta a toda a Região do Sul, que se mantém a funcionar 24 horas todos os dias, sendo uma unidade que está “sob grande pressão”, reconhecem os médicos. O DN tentou falar com a MAC, mas não houve ninguém disponível.

As restantes unidades da Região de Lisboa e Vale do Tejo, do Oeste à Península de Setúbal, encerram rotativamente, acontecendo, por vezes, ainda na área da Ginecologia-Obstetrícia, e na resposta à Região Oeste, haver uma única Urgência a dar resposta (Loures, Hospital Beatriz Ângelo). Na Península de Setúbal, a rotatividade envolve também nesta área os hospitais de Setúbal, Barreiro e de Almada, mas o que acontece é que, por vezes também, alguns casos são enviados para Lisboa.

Os dois sindicatos têm criticado este sistema. “Se já é difícil fazer escalas num hospital, imagine o que é fazer escalas numa região sem previsibilidade, porque desde fevereiro que a rede para os Serviços de Urgência só é conhecida no último dia de cada mês”, argumenta Nuno Rodrigues.


Sindicatos pedem medidas urgentes e nova reunião dia 27


O que foi decidido para fazer face ao ano passado continua em vigor. A Direção Executiva (DE), que aprovou a rede de referenciação para os Serviços de Urgência, com avaliações de três em três meses, desde março que tem vindo a promulgar a mesma rede no último dia de cada mês.

Para o secretário-geral do SIM “isto não pode acontecer. O que vai estar aberto ou fechado tem de ser planeado com alguma antecedência, embora saibamos que há imprevistos, mas o Plano para o Verão, na sua componente dos recursos humanos, tem de ser definido e deve ter uma equipa dedicada só a esta questão, porque senão quem fica com os problemas para resolver e para assegurar as escalas são sempre os médicos”.

Joana Bordalo e Sá concorda que tem de haver “um plano para o verão e também para o inverno, no qual já se devia estar a trabalhar. Senão chegamos também a dezembro e deparamo-nos com um excesso de mortalidade no final do ano e princípio do ano superior ao de qualquer outro país da União Europeia”, sublinha.

E sobre o que esperam para o Plano de Verão deste ano , a presidente da Fnam é clara: “Que dele façam parte medidas concretas que permitam contratar médicos nas várias áreas em que fazem falta, porque o problema é a falta de médicos”.

Portanto, “se não forem criadas as medidas necessárias e condições de trabalho e salariais não vamos lá, porque não se trata de tentar contratar para tapar os buracos nas escalas, mas de manter os especialistas recém-formados no SNS e contratar os que estão do SNS, que se tivessem condições voltariam”. A partir de agora, reforça a médica, “a ministra da Saúde pode delegar no órgão ou na equipa que entender o Plano de Verão, mas a responsabilidade da resposta do SNS será inteiramente sua e é preciso que algo seja feito muito rapidamente”.

Ambos os sindicatos destacam que já apresentaram soluções para resolver os problemas dos médicos no SNS ao novo Executivo, mas aguardam a segunda reunião com a ministra Ana Paula Martins, apalavrada (mas ainda não-confirmada) para 27 maio.

No ano passado, uma das soluções encontradas pelo anterior Governo para assegurar as escalas das Urgências foi pagar um valor majorado à hora aos médicos dos quadros das unidades hospitalares, mas este pagamento extra terminou no fim do ano, quando as horas extra voltaram a zero. Este ano, quem está no terreno considera que “esta medida talvez possa ajudar a que profissionais que já estão a fazer 40 ou 50 horas por semana ainda aceitem fazer mais nas Urgências”.

Para os sindicatos a medida não é uma solução estrutural “é um remendo”, segundo Nuno Rodrigues, ou “um apaga-fogos”, nas palavras de Joana Bordalo e Sá, que acrescenta: “Não queremos mais soluções temporárias para o SNS. A solução tem de ser pensada e este Governo tem agora a hipótese de fazer diferente se assim o entender”. 

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