Prémio Aga Khan distingue uma arquitetura "agente da mudança"

Os seis projetos distinguidos este ano com o prémio no valor de um milhão de dólares ficam situados no Bangladesh (dois), Indonésia, Irão, Líbano e Senegal.

Uns espaços fluviais urbanos reabilitados, seis espaços comunitários temporários para acolher refugiados rohingya, um aeroporto internacional que surge de um mar de arrozais, um museu de arte contemporânea numa antiga fábrica de cerveja, a reabilitação da hospedaria deixada inacabada por Niemeyer, uma escola secundária com salas de aulas organizadas à volta das copas das árvores. Estes são os seis projetos distinguidos este ano com o Prémio Aga Khan para a Arquitetura. "Compromisso com as comunidades, inovação e cuidado com o ambiente" são algumas das características que o júri destacou nestes projetos que se dividem por Bangladesh, Indonésia, Irão, Líbano e Senegal. A cerimónia de entrega irá decorrer entre 29 e 31 de outubro em Mascate, em conjunto com os Prémios Aga Khan para a Música.

Ora é precisamente da capital do sultanato de Omã que Farrokh Derakhshani falou ao DN sobre a importância desta prémio no valor de um milhão de dólares e sobre o processo de seleção dos vencedores. "Uma coisa que quisemos destacar através destes projetos é o novo papel dos arquitetos. Os arquitetos são agentes da mudança. Isso sempre aconteceu, mas hoje tornaram-se mais ativos. Podem trazer a mudança às sociedades, às pessoas. O seu trabalho não tem só a ver com o aspeto dos edifícios", garante, numa conversa por Zoom.

Com os premiados a ir da Ásia ao Médio Oriente e África, perguntamos se há alguma preocupação em termos de equilíbrio geográfico por parte do júri, sabendo à partida que o prémio vai sempre para projetos que "correspondam, com sucesso, às necessidades e aspirações de comunidades nas quais exista uma presença significativa de muçulmanos", como se lê no site do prémio. Segundo Derakhshani, "sim e não. Quando o júri escolhe os 20 projetos para a short list, procuram que haja representantes de várias regiões, tipos diferentes de projetos, topologias, etc., mas quando se chega à escolha dos seis vencedores já não há uma preocupação geográfica. Cada um destes projetos tem mérito por si próprio. Não por ser deste país ou daquele."

Um sistema que explica porque este ano há dois vencedores do Bangladesh, mesmo se Derakhshani destaca o facto de serem "muito diferentes um do outro". O primeiro é um projeto comunitário que passou pela reabilitação da zona ribeirinha de Jhenaidah, uma cidade de 250 mil habitantes. Utilizando materiais disponíveis localmente, como tijolo e betão, aliados a um design simples e com recurso a construtores locais, o projeto já libertou o acesso ao rio, mas deverá ainda expandir-se para permitir o uso público da zona ribeirinha, com passadiços, jardins, instalações culturais e iniciativas ambientais.

Já as seis estruturas que funcionam como espaços comunitários no maior centro de refugiados do mundo -, em Teknaf, que acolhe membros da etnia rohingya que fugiram da violência contra eles em Myanmar - cumprem a regra para edifícios de acolhimento a deslocados: não serem permanentes. Mas sem sacrificar a segurança e conforto. Uma das preocupações, explica o diretor do prémio, foi garantir a segurança das mulheres, quase sempre "as mais vulneráveis nos campos de refugiados". O espaço seguro que lhes oferece apoio usou materiais locais e no exterior evitou o uso de cores que perturbassem os elefantes de passagem por ali.

Se ambos estes projetos passaram pelo envolvimento das comunidades locais, nem sempre é assim. "Quando construímos um aeroporto, por exemplo, a comunidade local não pode fazer muito porque é muito técnico, muito profissional", explica Derakhshani. No caso do Aeroporto Internacional de Banyuwangi, na ilha indonésia de Java. "Surgindo de um mar de arrozais, o edifício prolonga a linguagem da paisagem, formando um evento concentrado que combina arquitetura, funcionalidade e ambiente numa disposição homogénea mas discernível", lê-se na menção do júri.

Já Farrokh Derakhshani sublinha como "o conceito deste aeroporto é muito diferente do conceito de um aeroporto normal. Não só quando entramos temos verdura e a água. É um aeroporto pequeno, mas vai tornar-se num agente de mudança para aquela área." E destaca: "Não só o edifício se dilui na paisagem, como vai ajudar toda aquela área. Vai fazer muito pelo ecoturismo, que é uma nova forma de fazer turismo."

No Irão, o Museu de Arte Contemporânea e Centro Cultural Argo foi distinguido como um "projeto atípico de reutilização e conservação", em pleno centro de Teerão, que "transformou a Fábrica Argo - uma antiga cervejaria, cujas atividades foram deslocalizadas para fora da cidade dez anos antes da Revolução Iraniana devido à poluição - num museu privado de arte contemporânea.

Também entre os vencedores está a renovação da Hospedaria Niemeyer, na cidade libanesa de Tripoli, um "exemplo inspirador da capacidade de reparação da arquitetura, numa altura de crise vertiginosa e envolvente em todo o mundo, e no Líbano em particular, dado que o país enfrenta um colapso político, socioeconómico e ambiental sem precedentes", segundo o júri.

Único projeto em África entre os vencedores deste ano, a Escola Secundária de Kamanar destaca-se por estar condicionada pela topografia e flora do local que levaram à "introdução de uma grelha de módulos de salas de aulas organizadas à volta das copas de árvores pré-existentes, adotando as suas sombras como espaços sociais para alunos e professores".

Criado em 1977 pelo Aga Khan, líder dos muçulmanos ismailis, este prémio no valor de um milhão de dólares vai ser dividido entre os seis vencedores. Mas Derakhshani esclarece que "metade do prémio vem em forma de bolsa para poderem disseminar as suas ideias ao público. Pode ser através da publicação de um livro, num filme, em seminários. Por isso, não, não podem ir comprar um Mercedes com o dinheiro".

Quanto à escolha de Omã para receber a cerimónia, o diretor do prémio destaca o facto de o sultanato ter sempre estado "no cruzamento das rotas comerciais. Os portugueses estiveram aqui, os persas,... Omã tem uma rica tradição na construção. Aprenderam, por exemplo, com os portugueses a construir fortes e usaram essas técnicas, que adaptaram".

Ligado ao prémio desde 1982, Derakhshani diz ser impossível comparar os primeiros vencedores com os atuais, até porque "o mundo mudou, há novas formas de fazer as coisas, novas realidades". Mas sublinha: "O que posso garantir é que, em cada ciclo, os prémios foram para projetos que procuravam responder aos desafios do seu tempo".

helena.r.tecedeiro@dn.pt

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG