"Precisamos de cuidar dos centros históricos das cidades, vilas e aldeias"
"Precisamos de um país mais virado para as pessoas e menos preocupado com os números, com as estatísticas. É clara uma grande falta de sensibilidade para perceber o que é verdadeiramente importante, o que realmente interessa".
Pedro Navega, 35 anos, arquiteto por vocação, bem podia desenhar uma ideia a régua e esquadro. Mas quem mora numa cidade pequena (como Pombal) sabe melhor como as emoções importam tantas vezes mais que a razão. "A velocidade a que vivemos atualmente é simplesmente esmagadora, muito por culpa da utilização das novas tecnologias em todos os momentos do dia", considera, mesmo sabendo que representam, ironicamente, o veneno e o antídoto da mesma sociedade: "Vivemos numa sociedade completamente aprisionada e refém das tecnologias e das redes sociais. Tão depressa estou no escritório, numa reunião com um cliente, como no minuto seguinte já estou no Brasil a falar com um potencial cliente, isto tudo sem sair da minha cadeira e do meu escritório. A velocidade vertiginosa a que tudo acontece atualmente faz-nos viver de uma forma tão rápida e tão intensa que é óbvio que algo irá ser deixado para trás. Esse algo que tanta falta nos faz, são as vivências e as relações entre pessoas, que agora se fazem nas redes sociais; é o diálogo entre amigos e as conversas de café que agora se fazem nos chat".
Se lhe pedirmos para concretizar uma ideia para o país, vem ao de cima o olhar profissional, também: "Precisamos urgentemente de cuidar do nosso património, do nosso património construído, existente em todas as cidades, vilas e aldeias. Precisamos de cuidar dele, de o respeitar, de não permitir que seja abandonado." Refere-se concretamente "aos centros históricos, possuidores de um valor patrimonial imenso, muitas vezes deixados ao abandono. Depois quando é necessário resgatá-lo dos "maus tratos" a que foi sujeito, é necessário criar regras e não permitir que tudo seja feito, que os poderes económicos não se sobreponham ao que é verdadeiramente importante para as pessoas". Foi por isso que escolheu um dos bairros mais antigos da sua cidade para trabalhar. É ali, no bairro Agorreta, entre o rio Arunca, o caminho-de-ferro e as estradas que atravessam a cidade que criar novos espaços e faz renascer outros, num gabinete de porta aberta desde 2015. Antes disso, fez caminho entre o curso na Universidade de Coimbra, a Universidade Arquitetura Trondheim, na Noruega, e ainda participou ativamente na organização do 1º SIRUM - Seminário Internacional de Reabilitação Urbana do Mindelo - Cabo Verde, já em 2006.
Depois foi tempo de começar a mudar o mundo dos edifícios, em diversos gabinetes de arquitetura nacionais e no estrangeiro, nomeadamente no Brasil, em Fortaleza. Regressou a Pombal depois de 2012. Foi ali que nasceu, brincou e cresceu, que jogou à bola e se fez jogador de futebol e futsal, preferencialmente com as camisolas do Sporting Clube local ou do Núcleo sportinguista, onde acabou por se tornar treinador e dirigente, nas horas vagas. Agora que já tem dois filhos, o tempo aperta.
Para quem trabalha dentro e fora do país, é fácil situar Portugal no que respeita à posição europeia. Pedro Navega acredita que o país está "onde deve estar. Penso no entanto que a sua presença na União Europeia deveria ser muito mais bem explorada e aproveitada para o bem comum da população, em vez de ser usada apenas para proveito de determinadas faixas da nossa sociedade. Estamos atualmente na cauda da Europa, quando deveríamos estar bem próximo do topo. O nosso país pela sua dimensão permite uma gestão muito mais controlada, precisa e eficiente que nos permitiria desenvolver a uma velocidade que poucos países poderiam acompanhar". E sendo assim, faz parte dos que defendem o acolhimento de refugiados em território nacional, como tem vindo a ser feito, "desde que devidamente referenciados e com regras". Considera que não teríamos capacidade para um grande fluxo migratório tal como tem acontecido noutros países, mas sublinha que "devemos estar sempre disponíveis para ajudar quando for necessário".Olhando para dentro, não tem dúvida de como estamos hoje "claramente melhor do que no tempo da troika. Pelo menos a confiança das pessoas aumentou significativamente. A ideia que tenho é que no tempo da troika vivíamos enclausurados numa camisa de forças, não nos podíamos mexer, não havia sequer a possibilidade de se pensar em investir. Todos os que ainda tinham algum poder económico ficaram escondidos, com medo do que pudesse ainda acontecer. Atualmente esses mesmo que sempre tiveram poder económico começam novamente a aparecer".
É verdade que a camisa de forças foi despida, mas as marcas ainda lá estão, "ainda há alguma desconfiança - os braços ainda não se mexem como antigamente pois foi muito tempo. Para um investidor foi muito tempo habituado a estar parado e a ver como evolui o estado do país". Os arquitetos fazem parte da classe que mais sofreu com a retração do investimento - e da construção. E por isso ainda espera "que os braços comecem a mexer como antes, percebendo que são necessárias regras e que nem tudo pode ser como era antes da troika".