Portugueses sabem fazer videojogos. Falta é saber vender
Uma das indústrias do entretenimento que mais dinheiro faz no planeta, a dos videojogos, continua a crescer ao mesmo ritmo e vontade que os jogadores demonstram em consumir os produtos finais. E, com o crescimento da área, impõe-se perguntar como esta funciona em Portugal e com portugueses. Saberão os portugueses fazer videojogos?
"Claro que sim, a 100%. O mais óbvio é que o talento em Portugal existe de certeza." A frase é de Pavle Mihajlovic, jovem português de 23 anos, filho de pais sérvios, a viver e trabalhar no Reino Unido. Pavle é um dos criadores do estúdio Flavourworks, que está por trás do jogo Erica, bastante apreciado pelo DN, e pela imprensa mundial especializada, aquando da sua apresentação em Paris, no final de outubro.
"No que toca às disciplinas mais técnicas, como a minha, que é mais do lado da programação, e no que toca às disciplinas mais artísticas, o talento existe de certeza e em grande quantidade em Portugal. Depois, além disso, é preciso um ecossistema à volta do talento para desenvolver projetos que sejam mesmo portugueses", disse Pavle Mihajlovic ao DN.
Na sua opinião, para criar esse ecossistema são necessários apoios: de investidores, de publicadores, mas também das instâncias governamentais. "Isto, para que esse talento se possa exprimir em projetos com ambição, porque os jogos são muito caros de fazer e normalmente é preciso um grande investimento de início", justifica o jovem criador.
Pavle pensa, no entanto, que esse sistema se começa a notar em Portugal e que acaba por se "autoperpetuar", quando surgem apoios, por exemplo, de "muitos investigadores e até programas governamentais que querem apoiar pequenas empresas que fazem jogos. Sabem que a indústria funciona no futuro".
"Depois, estas pessoas que criaram os jogos vão ser elas próprias a outra face da moeda: ser investidores", explica.
Produto tem de ser visível
Explica que no estrangeiro, e mais concretamente no Reino Unido, o mercado português é mais conhecido pelo jogador e não tanto por quem cria, apesar de "começar agora a conhecer-se o desenvolvimento português de jogos".
Assim, e se existe o know how ("saber fazer") em Portugal, no que toca aos videojogos, o que falta para fazer crescer o mercado português? Comunicação e relações públicas? Melhor marketing?
Pavle respondeu imediatamente de forma afirmativa. "E também do que aqui no Reino Unido chamam business development, que é o lado de encontrar parceiros, publicadores e outros", acrescenta, explicando ainda que vários estúdios mais pequenos fazem work for hire, ou seja, desenvolvem jogos para outros estúdios até terem recursos para explorar as suas próprias ideias.
"Não é só sentar e pensar vamos fazer um jogo e vai ser bom. Vamos sentar e vamos fazer um jogo, mas depois à medida que vamos fazendo isso, temos que falar com pessoas que estão numa posição de nos ajudar, que queiram investir ou estar nessa relação de cliente-developer", frisa.
"E depois sim, por outro lado, do lado do PR (relações públicas). Para mim é a parte mais importante de fazer jogos, porque não interessa a qualidade do produto se as pessoas nunca virem o produto. As pessoas têm de saber que existe, têm de saber onde está e têm de saber que é diferente. E o PR começa, e tem de começar, quando a ideia do jogo começa a ser desenvolvida. Tem de ser uma ideia que pela sua própria natureza seja fácil de se falar e seja fácil de se escrever sobre. Ou seja, uma ideia que, quando uma pessoa ouve, sabe exatamente a razão pela qual essa ideia é única e a razão pela qual as pessoas vão querer saber dessa ideia", diz Pavle, que fez o primeiro ano de Matemática Aplicada e Computação no Instituto Superior Técnico de Lisboa.
Este passo da comunicação, no entanto, pode não parecer apetecível para estúdios mais independentes. O facto de caminharem num sentido mais mainstream pode fazer parecer que são "vendidos", como refere Pavle. No entanto, em paradoxo, refere que à medida que o "estúdio ganha meios vai-se tornando cada vez mais independente".
O programador mais barato
Aquando do envio do currículo para o seu primeiro emprego no Reino Unido, na área dos videojogos, o português escreveu que poderia não ser o melhor programador, mas seria "sem dúvida, o mais barato". Queria, obviamente, "fazer algum humor, mas o facto não deixa de ser verdade". E isto, refere, "apesar de ser um pouco triste", pode ser uma vantagem para os criadores portugueses.
"Digamos que há um cliente que quer que um jogo seja desenvolvido e está à procura de uma empresa para lhes fazer o outsourcing. Uma empresa em Portugal pode ter preços com os quais uma inglesa não consegue competir", sublinha.