Portugueses querem regularização de imigrantes e criticam falta de controlo
A maioria dos portugueses defende a regularização dos imigrantes que trabalham em Portugal e fazem descontos, mas critica a ausência de controlo na entrada por parte das autoridades.
De acordo com um estudo da Lisbon Public Law a que a Lusa teve hoje acesso e que incluiu 1.000 entrevistas, 80,7% dos inquiridos "concorda com a regularização de imigrantes que trabalham e descontam para a segurança social" e 63,3% consideram que "os imigrantes devem ter acesso total ao SNS", mas apenas 10,7% "considera que a imigração está controlada" e uma maioria (55,2%) elegeu "o facto de a imigração em Portugal estar descontrolada" como uma das suas principais preocupações.
"De uma forma geral, as respostas da população portuguesa traduzem uma atitude positiva face à entrada, permanência e acesso a direitos sociais por parte dos imigrantes no território nacional", referem os autores do estudo da perceção dos portugueses sobre a imigração.
Para Ana Rita Gil, uma das coordenadoras, os resultados mostram que a "população está atenta" ao fenómeno e às "muitas notícias que dão conta de exploração dos imigrantes" ou do "aumento de criminalidade conexa como o tráfico de pessoas, o auxílio à imigração ilegal ou situações de verdadeira xenofobia".
"Isto também passa uma ideia de descontrolo, o Estado não sabe quantos entram e de repente vamos entrar numa casa e estão lá 100 pessoas amontoadas, em situação de escravatura", refere a investigadora, especialista no tema.
"A mensagem que daqui extraímos é que a população vê vantagens na imigração, mas por outro lado, tem uma forte crítica às políticas públicas que estão a ser feitas e que são quase inexistentes", afirmou.
De acordo com o estudo, "78% dos inquiridos considera que a imigração poderá comportar riscos" e "68,1% sublinha em especial a criminalidade ligada às redes de tráfico e imigração ilegal".
Esta preocupação reflete-se também nos 60,5% que defendem "a expulsão do território dos imigrantes que cometem crimes".
No plano da convivência, o estudo indica que são poucos os que dizem existir ameaças ao modo de cultura portuguesa (38,4%) ou aos valores nacionais (22,6%).
O inquérito foi realizado em setembro e, de acordo com as conclusões, a "população portuguesa é, de uma forma geral, recetiva à imigração", mas pretende maior regulação e está preocupada com alguns riscos, ao mesmo tempo que considera a "comunidade brasileira como a mais bem integrada no país".
Segundo o estudo, dois em cada três portugueses (68,7%) considera "importante Portugal receber imigrantes de dentro e fora da Europa" (68,7%), defendem uma "sociedade multicultural" (67,3%), apontam a "maior disponibilidade de mão-de-obra" (64,2%) como uma vantagem.
"Apesar da atitude claramente aberta em relação à imigração, a maior parte dos inquiridos demonstra pouca confiança nas atuais políticas públicas de regulação da imigração", pode ler-se no estudo.
Três em cada quatro (76,7%) consideram que "a imigração faz variar o preço das habitações", mas apenas 45,4% indicou que "existem demasiados imigrantes em Portugal e menos de metade (48,7%) defende quotas.
O aumento da população (48,5%) e a criação de empregos (34,2%) são outras virtudes percecionados pelos inquiridos, que indicam que Portugal necessita de mão-de-obra imigrante qualificada (63,4%) e mesmo não qualificada (47,8%).
No que respeita à fiscalização, "45,5% elegem como uma das principais preocupações a necessidade de Portugal ter uma polícia que lide especificamente com estrangeiros e fronteiras, colocando assim em causa a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras".
Para a maioria (52,6%) dos entrevistados, a imigração não provoca o desemprego e para uma parte substancial (44,3%) "qualquer pessoa deveria poder, aliás, imigrar para Portugal à procura de trabalho".
No entanto, 75,3% considera que "os imigrantes que não trabalham devem ficar um período limitado no território até encontrarem emprego" e apenas "22% dos portugueses considera que o cidadão estrangeiro desempregado deve ser imediatamente afastado do país", com uma grande maioria (66,3%) a defenderem subsídio de desemprego atribuído.
A comunidade brasileira é vista como a mais bem integrada no país, segundo um estudo da Public Law, que irá servir de ponto de partida para propostas de alteração da legislação da imigração.
De acordo com o estudo "Opinião pública sobre Imigração em Portugal", da Lisbon Public Law (Centro de Investigação em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) a que a Lusa teve hoje acesso e que incluiu 1.000 entrevistas, 72,2% dos inquiridos indicaram a comunidade brasileira como bem integrada, acima dos cidadãos europeus (41,2%), dos que chegaram dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (32,4%) ou da comunidade chinesa (23,1%).
Essa opinião baixa substancialmente nos casos das comunidades indianas e paquistanesas (6,5%) ou com origem no norte de África e Médio Oriente (3,1%), segundo o inquérito.
Uma das coordenadoras do estudo, Ana Rita Gil, explicou à Lusa que o objetivo deste projeto é iniciar "um debate sério, não extremado, na sociedade portuguesa sobre a política de imigração que verdadeiramente queremos no nosso país".
"[Trata-se de um] assunto que tem sido lidado com algum receio e eu penso que, exatamente como qualquer outra política pública, tem que ser debatida abertamente" e, para tal, é necessário perceber o que os portugueses pensam.
"Para uma política de imigração resultar há muitos fatores e um deles tem a ver como é que a população de acolhimento está a sentir a chegada dos imigrantes" e segue-se agora um "segundo passo", que será "trabalhar estes dados juntamente com análise normativa do direito da União Europeia, para fazer algumas propostas de alteração legislativa".
"Nós somos um centro de direito e queremos fazer propostas normativas a nível direito de imigração", explicou a docente e investigadora, que apontou algumas semelhanças destes resultados com outros, no plano europeu.
"Os portugueses são recetivos à imigração, são um povo de acolhimento, mas é um povo atento e quer uma imigração regulada", explicou, considerando que o tema tem pouco eco na opinião pública portuguesa.
"Não temos sequer qualquer tipo de xenofobia, queremos imigração de dentro e fora da Europa", exemplificou, citando os resultados do estudo.
Quanto à integração das comunidades, o objetivo é também ver as responsabilidades do Estado, nomeadamente através do ensino da língua, e também apresentar propostas para um "maior controlo desta criminalidade organizada de tráfico e de auxílio à imigração ilegal".
"Até há muito tempo, o debate sobre a imigração em Portugal não era um debate usado em termos políticos e nem dividia ao Parlamento". Só começou com as "notícias de exploração de imigrantes" e a chegada de um "partido que começa a usar o tema" no Parlamento, explicou a investigadora.
A isso somaram-se outras circunstâncias, como é o caso do município de Odemira, que se viu "confrontado com uma chegada massiva de imigrantes de outras culturas", num "concelho fechado, particularmente envelhecido e que, portanto, se descaracterizou", exemplificou.
Agora, "o objetivo é criar pistas para pensar de forma científica e racional a política de imigração como outra política pública qualquer", explicou Ana Rita Gil.
Em comparação com outros países europeus, "Portugal aqui de facto está um bocadinho em contracorrente em relação aos estados-membros da União Europeia", com uma política mais aberta.
"[Mas] não podemos ter uma política de imigração que não controle quem está, pois não podemos garantir justiça", pelo que agora o caminho será "avaliar normas de imigração que nos parecem potencialmente problemáticas" e fazer propostas no "respeito dos direitos fundamentais", que salvaguardem os "interesses públicos e do Estado social".