Imagine um rapaz daltónico ser convidado por outros miúdos a jogar UNO – o jogo de cartas mais usado no mundo, baseado em cores. Pura e simplesmente não conseguiria jogar, porque não as distingue e o mais certo seria começar a desenvolver problemas de auto-estima. Ou visualize alguém que precisa de comprar roupa, mas não consegue distinguir o verde do vermelho. Ou, pior ainda, alguém que vê tudo a preto e branco e não diferencia sinais, semáforos, linhas do Metro. O designer português Miguel Neiva tentou imaginar a vida destas pessoas e ficou chocado quando percebeu que “não existia nenhuma solução para minorar os efeitos desta condição”, mesmo que ela afete cerca de 350 milhões de pessoas a nível global.. “Quando me apercebi deste vazio, tornou-se quase uma obsessão: voltei a estudar e investiguei tudo o que podia sobre o daltonismo”, disse o fundador Miguel Neiva em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo. Até que que se fez luz e criou o Color ADD. É um código de identificação de cores para daltónicos tão eficaz que, em poucos anos, já é usado nos cinco continentes por marcas ou entidades públicas que o adotaram, sob licença. Dito assim até parece simples e é, mas “nunca ninguém tinha pensado nisto a nível mundial, porque é quase como se este problema fosse invisível”, disse o empreendedor apostado em deixar um impacto positivo na comunidade. Uma delas é a marca do jogo UNO, que deixou de ser uma barreira para crianças daltónicas..Estima-se que o daltonismo afete, em maior ou menor grau, um em cada 12 homens e 1 em cada 200 mulheres. É resultado da transmissão hereditária pela mãe, derivando de uma lacuna genética associada ao cromossoma X. Os casos mais severos são a deuteranopia (o verde e o vermelho ficam indistintos) e a acromatopatia, mais rara, em que a visão fica reduzida a preto, branco e cinzento. Mas mesmo nos casos mais leves, a condição impacta a auto-confiança de crianças e adultos. “Cerca de 41% dos daltónicos referem problemas de integração”, salienta Miguel Neiva, que nem sequer é daltónico. Em Portugal não há associações de daltónicos nem estudos científicos sobre o tema. “Os únicos indicadores são os que têm sido medidos nos rastreios feitos pela entidade junto de mais de 50 mil crianças, os quais têm apurado uma média ligeiramente inferior à estimativa oficial global”, refere o designer..“Os símbolos gráficos do ColorADD desenhados para ajudar a distinguir as cores constituem uma solução universal e analógica fácil de apreender, validada pela comunidade científica e reconhecida pela ONU como boa prática”, diz. E podem ser usados em transportes públicos, sinalética, nas bandeiras de praia do ISN, marcos dos parques de estacionamento ou pulseiras de hospital, só para citar algumas das muitas utilizações possíveis. E já estão, de resto, a ser usados no Metro do Porto (a primeira entidade pública a aderir), mas também nos transportes de Braga, Aveiro e em projeto está o Metro de Madrid, adianta o empreendedor social..Enquanto designer, Miguel está habituado a usar a cor como uma ferramenta de comunicação visual. Mas para criar o código teve de atribuir símbolos às cores, começando pelas primárias, sendo que as cores intermédias têm símbolos acrescentados aos das cores primárias. A lógica é a mesma que é ensinada às crianças na escola: se juntares amarelo ao vermelho obtem-se laranja. E, assim, um traço sobre um triângulo pode mudar a cor original. A fórmula ganhou asas e hoje está presente em 100 países não só na Europa, mas também na América Latina, no Egito e no Japão. Só este ano foram estabelecidas 30 novas parcerias internacionais estratégicas, com destaque para o Brasil onde existem mais de 9 milhões de daltónicos. São 7 novos Centros Comerciais do Grupo NIAD, mas também o Aeroporto Internacional Tom Jobim no Rio de Janeiro..Aos poucos, o designer português e a sua equipa de 9 pessoas têm conseguido sensibilizar entidades diversas e 70 municípios. Uma delas foi a Liga Portuguesa de Futebol que aceitou trocar a cor da bola oficial no campeonato de 2010/2011, que era para ser laranja, porque lhes foi explicado que muitos daltónicos não iam conseguir distinguir a bola laranja da relva verde, que aos seus olhos, ficam da mesma cor..Tem sido um percurso algo longo, que remonta a 2008/2009, mas que só começou a ganhar escala a partir de 2010 e, sobretudo após a seleção pela Portugal Inovação Social, a agência pública que gere uma parcela do Fundo Social Europeu para apoiar a inovação social. Miguel não tem dúvidas que a ColorADD se encaixa no conceito de inovação e que o seu ADN é 100% social. “Porque somos ambiciosos, mas não somos ganaciosos, queremos deixar um legado na comunidade”, diz..Prova disso é o facto de a organização ter um departamento exclusivo para o setor da educação, em que “o código é fornecido de forma gratuita às escolas que queiram ser parceiras”, diz. Por outro lado, “o fee que é cobrado é ajustável à dimensão e capacidade financeira das empresas e organizações”..O traço de inovação social do projeto português foi reconhecido por 30 prémios nacionais e internacionais, entre eles, o World Inclusion Award 2024, entregue pela IFIP na sede da Unesco, em Paris, em março deste ano. “É muito gratificante sentir que é de Portugal que nasce uma solução pioneira que pode melhorar o quotidiano de todos os daltónicos”, diz o homem que acredita que “é sempre possível deixar um mundo melhor”.