"Portugal tem tudo. Só falta dinheiro"

Ryszard Hoppe é polaco, tem 64 anos e é o selecionador nacional de canoagem. Já leva 14 anos a viver em Portugal
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O balanço é inequívoco: "Estes 14 anos em Portugal têm sido melhores que 30 e tal na Polónia. Tenho coração polaco mas já me sinto um pouco português." Selecionador nacional de canoagem, Ryszard Hoppe contribuiu para as mais de 80 medalhas conquistadas, em diversos escalões, na última década e meia. Vive sozinho, "no paraíso de Montemor-o-Velho", já que a mulher, as duas filhas e os quatro netos não deixaram o solo polaco. Optaram por um "intercâmbio todos os anos", com férias entre Portugal e Polónia. "Rejeitei convites de outros países. Gosto de estar cá, dos portugueses, do clima, da comida. Este país tem tudo, só falta o dinheiro", graceja este amante do fado. "Não precisas de saber a língua. Fala ao coração. Toda a família e amigos polacos adoram fado."

Com ascendência alemã, da parte da avó - o apelido Hoppe é a prova disso "mas fica por aí", diz - ,Ryszard cresceu na sua terra natal de Bydgoszcz, no norte da Polónia. "Estudei nesta cidade e comecei a trabalhar primeiro como monitor e depois treinador de canoagem", conta. O salto rápido entre a prática e o ensino da modalidade tem contornos políticos. "Terminei a minha carreira ainda como júnior. Era comunismo nesse período. O meu irmão mais velho aproveitou uma prova e fugiu para a Suécia. A mim e a outro irmão mais novo fecharam a fronteira durante onze anos. Como não saíamos da Polónia para nenhuma prova, decidi acabar a carreira." Aos 19 anos abraçou a formação e licenciou-se em educação física. "E vim até aqui. É a minha profissão há 46 anos."

Portugal surge a meio da década de 1990. Um anterior treinador polaco, seu antigo atleta, indicou-o como uma boa aposta e a Associação Desportiva de Amarante contratou-o em 1994. "Passei dois bons anos." Voltou à Polónia como selecionador mas tinha o bilhete de regresso. Em 2005 começou a preparar Portugal para o Jogos Olímpicos de Sydney. "Nesse ano, entrou uma nova equipa na federação, com Mário Santos, presidente, e José Garcia [atual chefe da missão olímpica portuguesa e atleta medalhado na canoagem], e ligaram-me. Tínhamos objetivos em comum. Passou a haver mais dinheiro e organização. Perguntei: Vamos continuar com este turismo? Não. Havia ambição. Para ter resultados tens de passar 200 dias por ano a treinar."

Em 1994, foi a primeira vez que saiu da Polónia. Para um país do sul da Europa. "O nível não era muito alto, admito. Atletas muito pequeninos e pouco treino. Mas tivemos vitórias nos nacionais e um atleta, Joaquim Queiroz, ficou apurado para Atlanta 1996. Senti que era um país diferente. Mas quando mudei para aqui a Polónia também mudou. O sistema mudou, entramos na União Europeia", recorda. A adaptação, diz, foi gradual. "No início é sempre um bocadinho difícil, a língua é o pior... mas depois estás todos os dias com atletas e vais aprendendo e consigo falar português. Não falo muito bem, é certo, e nunca estudei a língua portuguesa. Fiz mal, pensei: já estou velho e isto já chega..."

Hoje faz um balanço mais que positivo, a nível profissional "excelente", no plano pessoal "gratificante". "Aqui há muito bom contacto, os portugueses são muito abertos a funcionar com outros. Nunca senti nenhuma distância por ser estrangeiro." Orgulho foi o que sentiu quando foi distinguido pelo governo polaco pela medalha de prata ganha por Fernando Pimenta e e Emanuel Silva em Londres 2012. "Polónia só teve uma de bronze. Foi muito noticiado lá e ficou obviamente orgulhoso e mais motivado."

A família está em Bydgoszcz. "A vida é assim. Tenho duas filhas gémeas, de 39 anos, e quatro netos. A mulher não quer deixar os netos. Temos um sistema de compromisso. Vou lá no Natal e Passagem de Ano. São duas semanas em casa. Na Páscoa a mulher vem aqui três semanas. Entre o Verão e setembro vou passar seis semanas à Polónia."

O conhecimento dos polacos - há mais de quatro milhões de emigrantes na Alemanha e Reino Unido, sobretudo - de Portugal é relativo. "Há sempre o futebol", aponta. Sabe que não é fácil um polaco viajar, apesar da mudança dos últimos anos. "Não é para todos. Uma grande parte das pessoas ainda não tem dinheiro para férias". Conhece alguns polacos que vivem em Portugal, "mas são poucos".

Desde 1994 viveu sempre sozinho em Portugal. Primeiro em Amarante e agora em Montemor-o-Velho, onde se situa o Centro de Alto Rendimento, a sua casa de trabalho. "Começo de manhã e acabo à noite. A minha vida é isto e gosto".

E até fez descobertas. "Quando cheguei a Montemor pensei que ia aborrecer-me. Amarante é maior e na Polónia vivia numa cidade de 400 mil habitantes. Agora, se a federação me dissesse para ir para Lisboa ou Porto seria uma tragédia. Esta atmosfera calminha é única."

Ryszard está "satisfeito com o trabalho" realizado na canoagem portuguesa, "melhor do que o esperado". Não esconde que irá regressar a casa, o que não significa que seja já, é por cá que pretende continuar. "Gosto muito de Portugal, país muito bonito, com muita cultura, boa comida, bom vinho, as pessoas são muito boas - para mim mudar é difícil. Estou 100% satisfeito. Já recusei convites do Brasil, da Polónia." Realça as condições naturais para a canoagem, com o exemplo que "70% das melhores seleções treinam em Montemor, na Aguieira, no Algarve. Não há outro país com clima assim. Agora vai com os oito canoístas (sete de pista e um águas bravas) portugueses aos Jogos do Rio. "Não prometo medalhas. Mas é para isso que vamos lutar. Temos ambição e trabalho. O nível é muito alto nestas provas."

Para entender os polacos

Católicos. "Mais de 90% dos polacos são católicos. Há igrejas por todo o lado. São também muito ligados à família."

Fado. "É muito popular na Polónia. A Amália e agora outras como a Mariza. Os concertos esgotam logo, sempre."

Racismo. "Não acho que os polacos, em geral, sejam racistas. Há é grupos de jovens das claques de futebol que são."

Carne. "Na Polónia come-se pouco peixe e muita carne. Só no Natal é que o nosso bacalhau é a carpa."

Europa. "A entrada na UE mudou a Polónia, após o comunismo da Rússia. Com o governo atual o momento político não é bom. É preciso mais tempo."

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